A partir deste domingo, Donald Trump e Joe Biden têm exatos 100 dias até a eleição dos EUA. O presidente surfava em bons números e parecia caminhar para a reeleição, até que a pandemia criou uma recessão histórica e os protestos antirracismo deram ao democrata o favoritismo. Enquanto Trump apela para a base republicana, Biden lidera onde realmente importa: nos Estados-chave que decidirão a disputa.
Pressionado pela perda de apoio e o aumento dos casos de covid-19, Trump mudou de rota nesta semana. Em curtas coletivas de imprensa na Casa Branca, diferentes das longas protagonizadas no início da pandemia, ele pediu aos americanos que usem máscara “como gesto patriótico”, anunciou o cancelamento de um dos eventos da convenção republicana que aconteceria na Flórida – atual epicentro do surto – e disse que a situação deve piorar antes de melhorar.
A sobriedade no tratamento da pandemia vem depois de meses em que o presidente pressionou governadores para relaxar as medidas de isolamento, o que levou o país a uma nova explosão no número de contaminados pelo coronavírus e ameaça a popularidade do presidente em Estados cruciais para a vitória eleitoral.
A atual média das pesquisas eleitorais dá 8 pontos porcentuais de vantagem a Biden. Ganhar a maioria do voto popular não é suficiente para o democrata chegar à Casa Branca – já que a eleição americana é indireta, decidida em um colégio eleitoral -, mas os números nacionais se refletem na maioria dos Estados-chave, que costumam decidir a eleição.
Nos Estados do Cinturão da Ferrugem, região que votou em Barack Obama, mas deu a Trump a vitória em 2016 por apertadas margens, Biden ostenta mais de 7 pontos acima do presidente nas pesquisas em Wisconsin, Michigan e Pensilvânia. Na Flórida, a vantagem do democrata é de 7,6 pontos. Em Carolina do Norte, Arizona e Ohio, também Estados-chave, Biden tem mais de 2 pontos de vantagem. Os números usados são do Five Thirty Eight, site que agrega pesquisas eleitorais nos EUA.
“Até agora, esse é o pior momento para a reeleição de Trump. A covid-19 ganhou um protagonismo maior do que a retórica política dele”, afirma Mauricio Moura, professor da Universidade George Washington e presidente do instituto de pesquisa Idea Big Data.
Em crise
O ineditismo da pandemia e o efeito político das crises sanitária, econômica e social têm dado sinais de que o próprio mapa de Estados-chave pode mudar, a exemplo do que aconteceu em 2016. Alguns Estados tradicionalmente republicanos se tornaram competitivos e os democratas apostam em vitórias, tanto na corrida presidencial quanto nas disputas ao Senado.
É o caso da Geórgia, onde os democratas venceram apenas uma vez nas últimas seis eleições presidenciais. O Estado, governado por um republicano, foi um dos primeiros a reabrir comércio e serviços, mas agora sofre com o aumento de casos e hospitalizações. Em março, Trump tinha quase 4 pontos de vantagem na Geórgia, mas agora tem só 1,4 ponto a mais.
O presidente segue apontando culpados – qualquer um, menos ele – para o avanço do vírus no país. Nesta semana, ele afirmou que a China deveria ter contido a disseminação e disse que os casos cresceram nos EUA em razão das aglomerações causadas pelos protestos contra o racismo.
Desde a eclosão das manifestações, após o assassinato do negro George Floyd, em Minneapolis, Trump mergulhou na tática que lhe rendeu a vitória em 2016: explorar as divisões da sociedade para inflamar sua base de apoio. A estratégia, no entanto, tem incomodado muitos republicanos, que não podem mais contar com o capital político do presidente nas campanhas ao Senado. “Trump, provavelmente, deve radicalizar bastante, para garantir sua base de apoio”, diz Moura.
Os protestos antirracismo, de fato, são uma motivação para parte dos republicanos votarem em Trump. De olho na base de eleitores brancos de zonas rurais e do Meio-Oeste americano, o presidente acirra a retórica com a defesa, por exemplo, do uso da bandeira do Exército Confederado – que defendeu a escravidão na Guerra Civil.
O presidente também critica o movimento iniciado por manifestantes para derrubar estátuas de nomes ligados ao passado escravocrata do país. Nos centros urbanos, 61% dos eleitores dizem apoiar a remoção das estátuas de confederados dos locais públicos. Nas zonas rurais, o apoio cai para 37%.
“Há um esforço orquestrado contra Trump. Ele tem meu apoio, não quero um país socialista. Eu sou a favor de um tratamento justo para todos. Eu não sou racista, mas o Black Lives Matter é só uma organização coletora de dinheiro”, afirma Chuck Dekmar, dono de uma lanchonete em Luzerne, um dos três condados da Pensilvânia que deu maioria a Trump, em 2016, depois de ajudar a eleger Barack Obama duas vezes.
A maioria dos americanos apoia os protestos contra a violência policial e o racismo, segundo diversas pesquisas feitas em junho. Neste ano, segundo analistas, a coalizão multirracial formada nos protestos é o que diferencia estes de outros realizados por razões semelhantes na história americana. As ruas ficaram repletas de jovens negros, brancos e latinos.
No entanto, embora a retórica de Trump pareça surtir efeito entre uma parte dos eleitores conservadores, a opinião dos republicanos sobre o racismo vem mudando. Uma pesquisa da Monmouth University, divulgada em 8 de julho, apontou que, no ápice dos protestos, no início de junho, apenas 15% dos eleitores de Trump responderam que a questão não era um problema. No fim do mês, o número cresceu para 35%.
“Vendo os protestos que ocorreram nos centros urbanos, acho que essa eleição é muito importante para o rumo do país. As manifestações começaram corretamente, mas agora há anarquistas nas cidades”, afirma Dave Walton, fazendeiro da região de Walton, em Iowa, outro Estado-chave.
Já Biden precisa garantir o comparecimento nas urnas de jovens, mulheres, negros e latinos em índice maior do que o registrado em 2016. No entanto, o ex-vice-presidente americano tenta também expandir o alcance com acenos à base trumpista, formada por homens brancos e de baixa escolaridade. O democrata vem seduzindo ainda os eleitores que vivem nos subúrbios das grandes cidades, que tradicionalmente votavam nos republicanos, mas que agora dão sinais de que estão dispostos a mudar.
A pandemia, porém, traz ainda mais incertezas para um processo eleitoral que já era imprevisível, o que faz com que os democratas sejam cautelosos com os bons resultados das pesquisas. Nos EUA, o voto não é obrigatório e as pesquisas precisam medir não apenas a preferência do eleitor, mas também qual eleitor de fato vai comparecer às urnas.
A ampliação voto antecipado e por correio, para evitar aglomerações no dia da votação, deve ter impacto no total de eleitores que vão votar. O maior uso do voto à distância também pode atrasar a apuração dos resultados e fazer com que, daqui a 100 dias, os americanos ainda precisem esperar algumas semanas a mais para saber o nome do novo presidente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Beatriz Bulla, correspondente
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