Com a maior parte das empresas brasileiras ainda adotando o trabalho remoto por causa da pandemia de covid-19, abriu-se a caixa de Pandora no mercado de escritórios corporativos: será que o modelo adotado até agora é o mais eficiente? À medida que os funcionários retomam o trabalho presencial, algumas tendências já se desenham: redução da densidade “populacional” dos espaços corporativos, a possibilidade de espalhar escritórios por várias regiões da cidade para facilitar a vida dos colaboradores e, inevitavelmente, a devolução de espaços para reduzir pesados gastos com aluguel.
Economia é prioridade, ainda mais em um cenário de depressão econômica. O Banco do Brasil, por exemplo, vai devolver 19 de seus 35 edifícios de escritórios em sete capitais e no Distrito Federal, com economia estimada em R$ 1,7 bilhão em 12 anos. A XP cancelou planos em São Paulo, onde o metro quadrado é mais caro, para construir um câmpus em São Roque, a 60 km da capital.
Outro banco que pretende estender o trabalho remoto é o Itaú, apurou o Estadão, com a chance de devolução de escritórios localizados fora da sede principal. O Itaú diz, em nota, que manterá os colaboradores das áreas administrativas em home office pelo menos até 1.º de setembro. “Existe uma frente de trabalho dedicada unicamente a estruturar o nosso modelo de trabalho a partir de setembro”, afirma. Já o banco digital C6, que está em fase de expansão, vai frear por ora os planos de alugar novos escritórios. Os novos times serão acomodados nos oito andares que a empresa já ocupa na Avenida 9 de Julho, na capital paulista.
Apesar do aspecto econômico, o modelo de ocupação corporativa no Brasil – especialmente em São Paulo – não combina nem um pouco com distanciamento social. Segundo Fábio Maceira, presidente da multinacional do setor imobiliário JLL, a dificuldade de deslocamento causou um grande adensamento em prédios corporativos. Quem trabalha na Faria Lima sabe bem: não raramente há filas no elevador na hora do almoço e briga para pegar um Uber ao fim do expediente.
Por causa do preço do metro quadrado e do fato de as empresas buscarem sempre os mesmos locais, hoje não é incomum que prédios em São Paulo concentrem um trabalhador a cada 6 ou 7 m². Maceira diz que muitos espaços corporativos hoje atuam no limite do permitido pelo Corpo de Bombeiros. Em Nova York, diz ele, a densidade média é de 1 trabalhador para cada 10 m². Na Alemanha, essa relação vai para 13 m² para cada colaborador.
Embora as grandes companhias estejam muito dispostas a economizar com escritórios – uma vez que, especialmente para estruturas administrativas, esses espaços não gerem receita aos negócios -, Maceira explica que as regras de distanciamento social vão exigir que o espaço atual abrigue menos gente. No escritório da própria JLL, que concentrava 240 pessoas antes da pandemia, agora vão trabalhar 66 funcionários.
Para Daniel Cherman, diretor geral da Tishman Speyer, outra companhia que desenvolve e administra escritórios, a necessidade de ampliar o espaço entre as pessoas deve limitar as devoluções. No entanto, ele diz que prédios mais antigos – que que dificultam o redesenho dos espaços – podem sofrer mais no pós-pandemia. “Acho que ainda é muito cedo (para dar um veredicto sobre a ocupação de escritórios). Acho que as empresas ainda estão analisando.”
Impactada pela pandemia, a XP está repensando não só seu modelo de escritório – mas sua dinâmica de trabalho. “Queremos que nossa cultura seja calcada no conceito a XP de qualquer lugar. A premissa é quebrar a lógica de espaço. Não precisamos estar na Faria Lima para fechar um negócio”, diz Lana Brandão, gerente de gente e gestão da corretora. A empresa vai adotar o home office para toda a equipe até o fim de 2020.
Curto prazo. Se ainda não está clara a quantidade de metros quadrados que serão poupados, o mercado de locação de escritórios já começa a se preparar para auxiliar em uma transição de modelo. A São Carlos Empreendimentos, dona de diversos escritórios em São Paulo, adotou um modelo de locação com contratos de 12 meses – geralmente, os acordos no setor costumam durar 5 ou 10 anos.
É uma forma de garantir que as empresas possam testar modelos pós-pandemia com rapidez, diz Caio Scarpetti, responsável por esse conceito na São Carlos em São Paulo. É outro sinal de que os ventos da mudança inevitavelmente virão para os escritórios corporativos.
Com home office, a era do chefe cão de guarda deve ficar para trás
Desapegar da mesa, da cadeira e do computador próprios ao entrar em um novo emprego já era tendência em empresas mais “modernas”, como as de tecnologia, mas agora deve virar regra em negócios tradicionais. Segundo pesquisa da multinacional do setor imobiliário JLL, uma das principais administradoras de escritórios do mundo, o nome do jogo para os escritórios agora será a colaboração.
A pandemia mostrou ao mundo que o home office não é só uma alternativa viável como traz vantagens econômicas às empresas. Isso obrigou negócios a abandonar velhos hábitos na hora de medir performance. O vice-presidente executivo do Banco do Brasil, Mauro Ribeiro Neto, diz que está na hora de medir produtividade não mais em horas, mas em resultados.
O banco deverá adotar home office para cerca de 30% da equipe mesmo depois do fim da pandemia. “A gente não pode mais medir a produção do funcionário por período que ele fica no escritório. Esse conceito é da origem da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943). Não dá para pensar como há quase 80 anos”, diz o executivo. Ou seja: a figura do chefe “cão de guarda”, que confere obsessivamente os horários, ficou para trás.
Olho vivo. Uma pesquisa feita pela JLL com 3 mil pessoas em todo o mundo mostra que os “patrões” não veem mais a necessidade de presença do funcionário no escritório para aferir produtividade. Embora esse “olho vivo” no que os colaboradores estão fazendo tenha sido citado por 35% dos gestores, o aspecto está bem atrás de outras prioridades para os escritórios. O espaço de um negócio é bem mais relevante para funções como promover colaboração (segundo 50% dos entrevistados), agilidade de decisões (48%), atração de talentos e inovação (ambos com 42%).
Entre os trabalhadores, a colaboração e o contato humano com os colegas aparecem no topo das prioridades para o trabalho presencial, segundo 44% dos entrevistados. O escritório também é visto como um local onde se tem acesso a todas as ferramentas necessárias para o trabalho e onde a comunicação é facilitada. Além disso, ter um espaço de trabalho fora de casa serve para distinguir vidas pessoal e profissional (veja quadro).
Ainda que os trabalhadores vejam vantagens em ter um escritório para interação com a equipe da qual fazem parte, o levantamento também mostra que eles também veem pontos positivos em manter pelo menos parte da jornada em home office, em especial redução de deslocamentos (49%) e horários flexíveis (45%).
Embora empresas venham estudando a devolução de uma quantidade considerável de escritórios ou cancelado expansões previstas, a JLL não se mostra pessimista. “As mudanças nas necessidades das empresas que ocupam escritórios têm pouca chance de ter um impacto considerável no total de espaço requerido”, diz o estudo. / F.S.
Os primeiros passos para a criação da Xplândia’
Será em um condomínio de 500 mil m² que a XP deverá realizar seu novo “sonho grande”. Motivada pelos aprendizados da pandemia, a companhia fundada por Guilherme Benchimol decidiu transferir sua sede para um condomínio em São Roque, a 60 km de São Paulo, para transformar o conceito de trabalho em uma experiência para seus colaboradores, uma “XPlândia” do mundo dos negócios.
Batizada de Villa XP, a nova sede da corretora, que abriu capital no fim do ano passado em Nova York e está estruturando um banco de atacado e investimentos, será uma mistura de câmpus universitário com resort. “Teremos espaço para construir um escritório conceito com quadras de esportes, espaços de convivência, hotel, auditórios. A gente se inspirou nas empresas do Vale do Silício”, conta Lana Brandão, gerente de gente e gestão da companhia. O espaço abrigará ainda um museu em ode à XP e espaços gastronômicos.
“Será um desafio manter a cultura da empresa à distância, mas a gente entende que não precisa mais estar na Faria Lima para fechar um negócio”, diz a executiva. Com 2,8 mil funcionários, boa parte acomodados na região da Faria Lima, principal centro financeiro do País, a XP montou um plano de guerra assim que a quarentena se impôs no País. A empresa, que foi uma das primeiras a estender o trabalho remoto até o fim do ano, planeja colocar em pé sua nova sede até o fim de 2021.
Segundo a executiva, o escritório de São Paulo ainda continuará ser uma importante base de apoio. Mas a empresa já começou a negociar a devolução de parte dos dez andares que ocupa em frente ao shopping JK Iguatemi, na Vila Olímpia. “Nossos colaboradores não terão de ir todos os dias a São Roque. O condomínio será um espaço de convivência. Um lugar também para levar a família durante os congressos.”
Assim que fez abertura de capital em Nova York, Benchimol tinha planos diferentes para expansão da empresa. A ideia era comprar um novo prédio na região do largo da Batata, em Pinheiros. “Todas essas mudanças estão sendo discutidas com os colaboradores “, diz.
As empresas vão ter de ir para o spa
Já há alguns anos vivendo na Europa, percebo que as empresas estão reduzindo obstáculos de comunicação durante a pandemia. Em vez de falar com o assistente do assistente, hoje o cliente exige falar com quem resolve. É especialmente verdade para as agências de publicidade: o cliente quer ser atendido pelo criativo ou pelo chefe. Ou seja: por quem manda.
E isso mostra uma realidade clara: as empresas precisam ir para o spa, ficar mais leves. Na publicidade, esse debate antes se dava porque era bonito falar que a empresa era “lean”. Agora, é uma necessidade: ou as empresas perdem peso, cortam gorduras, fazem uma prolongada estadia no spa, ou morrem. Não é estética, é sobrevivência.
E a pandemia também descortinou que tudo o que antes parecia necessário – escritórios chiques, um bando de assistentes, muita dificuldade de se falar com quem resolve – revelou-se supérfluo. Com a necessidade de ir para o home office, muita coisa simplesmente foi feita, independente do espaço físico. Isso põe a utilidade de grandes escritórios em xeque. As empresas vão provavelmente ter menos pessoas fixas, e muitas delas vão trabalhar de casa. Não acho que vá mudar de uma hora para outra, que vá ser radical. Mas que vai mudar, vai.
E isso vai mexer com a arquitetura e a engenharia. Grandes construtoras vão investir em grandes edifícios corporativos? E as pessoas, ao mudar de casa, vão pensar na criação de um espaço de trabalho? Provavelmente sim. Até escolher um cachorro vai exigir reflexão: se você vai passar muito mais tempo em casa, vai querer uma raça que não passe o dia todo latindo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fernando Scheller
e Mônica Scaramuzzo
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