Para o diretor da Escola de Estudos Globais de Oxford e especialista em instituições políticas brasileiras, Timothy Power, nenhum partido ou líder do País sairá fortalecido da pandemia do novo coronavírus, como ocorreu em outras nações. Alguns, inclusive, já perderam força, como o presidente Jair Bolsonaro e o governador do Rio, Wilson Witzel.
Ao Estadão, Power disse ver as eleições municipais de 2020 como um teste para a união da oposição, mas entende que o pleito deste ano não será capaz de projetar lideranças nacionais. Segundo ele, se partidos de oposição pretendem construir uma frente democrática, deverão unir também PSDB e MDB. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O presidente Jair Bolsonaro ficou conhecido por minimizar a pandemia. Ter sido contaminado pode provocar uma mudança, como ocorreu com o premiê do Reino Unido, Boris Johnson?
No Reino Unido, você tem um sistema de saúde que já tinha muito prestígio e que ganhou ainda mais. O governante não tinha muita escolha, tinha que se alinhar com esse prestígio. No Brasil, as pessoas não falam assim do SUS (Sistema Único de Saúde). A resposta é mais difícil e as circunstâncias variam muito entre regiões. Não vejo nenhum partido e nenhuma liderança que sai grande disto. Quem chegou mais próximo foi o (ex-ministro da Saúde Luiz Henrique) Mandetta. (O governador do Rio, Wilson) Witzel sairá pequeno. Bolsonaro é o principal (atingido). Hostilizou profissionais, a ciência, e recomendou remédios sem comprovação científica.
Pesquisas recentes apontam apoio ao presidente de cerca de 30% da população. A pandemia pode mudar isso?
Bolsonaro foi eleito por conta de várias crises – de corrupção, econômica e de segurança. Alguns dos fatores que facilitaram sua eleição continuam, mas a pandemia é muito mais importante. Agora, a memória da Lava Jato está mais difusa, e a corrupção é vista como algo mais sistêmico do que relativo a um escândalo específico. Associá-la ao PT não é mais tão convincente como há cinco anos. Essa crise, assim, perde utilidade para Bolsonaro. Com a saída do (ex-ministro da Justiça Sérgio) Moro, o presidente está pensando em como mudar a narrativa, mas ainda não construiu uma nova. Qualquer presidente tem que explicar por que quer ser presidente, e hoje ele não tem uma resposta convincente para essa pergunta. Mesmo assim, com uma base mobilizada e sob certas circunstâncias, ele consegue facilmente se reeleger. Isso depende da fragmentação de outras forças e também do antipetismo.
Como o sr. avalia a atuação da oposição neste um ano e meio de governo? Que líderes enxerga?
Não tem sido fácil identificar novos nomes. A renovação, nos últimos dois anos, se deu no baixo clero da Câmara, com movimentos como Acredito e Renova. Mas esses movimentos não produziram nomes nacionais. Vamos ver se nas eleições municipais alguns deles se elegem prefeitos. Por enquanto, vemos os caciques em todos os partidos. Os nomes são previsíveis.
As eleições municipais podem contribuir para apontar líderes?
As eleições municipais são muito fragmentadas. Não existe, no momento, nenhuma prefeitura que seja o grande cassino da política nacional. Os grandes presidenciáveis não estão concorrendo para prefeituras. Uma questão muito importante seria a unidade das forças opositoras. O mais interessante não será contar o número de votos ou prefeituras de cada partido, mas medir a heterogeneidade das coligações e como estão se formando as famílias ideológicas. Isso é como uma pré-estreia de coligação para 2022.
Como estão se formando as famílias ideológicas?
As convenções partidárias se darão mais para frente. Essas decisões se dão no último momento. Mas, para dar um exemplo, tivemos uma entrevista com Fernando Henrique (Cardoso), Ciro (Gomes) e Marina (Silva), que geralmente não aparecem no mesmo palco. Faltou Lula, que, junto com o PT, está mais distante das forças de centro-esquerda. Essa divisão é muito importante e vem das duas direções. Há forças como PDT e PSB, que não querem se alinhar com PT, e no PT há elementos que se recusam a cooperar com PSDB e outras forças, por memória do impeachment. Para derrotar Bolsonaro em 2022, esses blocos terão de encontrar um caminho para andar de mãos dadas.
Que partidos precisam embarcar nesse bloco para que ele se viabilize?
Para uma aliança minimamente vencedora, seria necessário ter o MDB e o PSDB. Isso seria um requisito mínimo, o que já é muito difícil. Esses partidos são fundamentais para a construção de maioria e têm capilaridade, uma organização nacional e penetração em quase todos os municípios. Para se definir como frente ampla, teria de incluir elementos da centro-esquerda também, como Rede, Cidadania e o grupo de Ciro Gomes. A presença do PT na frente ampla daria mais capilaridade e mobilização, mas convidaria alguns eleitores a deixar de lado o conceito. Mas o partido tem pessoas de prestígio, como os ex-presidentes Lula e Dilma. Além disso, FHC, com quase 90 anos, também está muito visível. Acho que Ciro agora entendeu que ele tem de dialogar com Fernando Henrique, porque, para ele, o jogo de erosão democrática de Bolsonaro é muito alarmante.
Uma frente ampla pode abrir mão do PT?
Em 2020, talvez sim, porque o PT é uma força presidencial, e não tem a mesma força nas eleições municipais. O partido não é tão fundamental agora como em 2022.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fernanda Boldrin e Paulo Beraldo
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