Ao menos doze ex-assessores do antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) que foram alvo de medidas judiciais na investigação do esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) continuam trabalhando em cargos públicos ligados a parlamentares. Eles fazem parte de uma lista de 69 pessoas que trabalharam com o então deputado estadual de janeiro de 2007 a dezembro de 2018 e tiveram sigilo bancário e fiscal quebrados por decisão da Justiça em abril do ano passado.
As quebras de sigilo foram pedida pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) com base em indícios de que pode ter havido algum tipo de irregularidade na administração dos salários desses servidores. A investigação já revelou a relação entre alguns deles e o ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz – apontado pelos promotores como operador financeiro do esquema de “rachadinha”, quando um funcionário é obrigado a repassar ao político ou assessor parte ou a totalidade do salário que recebe em cargo público.
Preso no último dia 18, Queiroz deixou a penitenciária de Bangu 8, no Rio, anteontem à noite e foi para prisão domiciliar, beneficiado por decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha.
Como ainda não houve denúncia, esses auxiliares não respondem, neste momento, a nenhuma acusação na Justiça sobre este caso. A maior parte dos auxiliares investigados que mantém cargo público trabalha, hoje, com a família Bolsonaro ou seus aliados. Flávio levou para seu gabinete no Senado cinco dos assessores que tiveram as contas bancárias investigadas pelo MP-RJ.
Lotada no escritório de apoio de Flávio, mantido pelo mandato na Barra da Tijuca, no Rio, Alessandra Esteves Marins, que, segundo o MP-RJ, integrava o grupo de “familiares, vizinhos e amigos” de Queiroz, também foi alvo da Operação Anjo. O MP identificou ao menos seis ocasiões, entre 2014 e 2018, em que Alessandra sacou ou transferiu valores que caíram na conta de Queiroz no mesmo dia, totalizando R$ 19 mil. Análise das quebras de sigilo feita pelos promotores fluminenses mostrou que, de R$ 900,7 mil que ela recebeu em salários durante o período que trabalhou na Alerj, foram sacados R$ 680 mil (equivalente a 77%) em dinheiro.
Em documentos apresentados à Justiça, os promotores também detalham um possível esquema de fraude na marcação de ponto da Alerj do qual Alessandra teria participado. Segundo o MP-RJ, ela teria feito contato com outra ex-assessora, Luiza Souza Paes, para que assinasse uma espécie de ponto retroativo. A falsa indicação de presença no trabalho serviria para dispersar jornalistas interessados na história. Alessandra trabalha como assessora de Flávio desde 2011. Seu endereço na zona norte do Rio, visitado por promotores no mês passado, fica a poucos metros de um prédio que pertence à família Bolsonaro e é usado como escritório político da família.
Também continuam trabalhando no gabinete do senador quatro advogados que já atuaram em processos defendendo os interesses de Flávio. Fernando Nascimento Pessoa, Lygia Regina de Oliveira Martan e Miguel Ângelo Braga Grillo representaram o filho do presidente Jair Bolsonaro em mais de 50 ações judiciais. Reportagem do Estadão mostrou, no ano passado, indícios de que tenham exercido a advocacia particular para Flávio com recursos da Alerj.
Grillo é, hoje, chefe de gabinete de Flávio no Senado. Seu salário bruto foi de R$ 21 mil, na Alerj, para R$ 22,9 mil. Em valores nominais, a média salarial dos assessores investigados que ainda acompanham Flávio subiu 45% desde 2018.
Procurado, Flávio não respondeu à reportagem. Outro alvo de quebra de sigilo, o tenente da reserva Nelson Alves Rabello, atua, agora, no gabinete de outro filho do presidente, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). Rabello acompanha a família pelo menos desde 2005, segundo registros públicos. Além de trabalhar para Flávio e Carlos, Rabello passou pelo gabinete do próprio Jair Bolsonaro, quando o presidente era deputado federal. A reportagem tentou contato com Carlos, mas não obteve resposta.
Aliados
Outras duas assessoras investigadas por suspeitas de “rachadinha” hoje estão lotadas no gabinete da deputada estadual Alana Passos (PSL), aliada de Bolsonaro na Alerj. Na última quarta-feira, o Facebook cancelou contas de funcionários do gabinete dela por “comportamento inautêntico e coordenado”. O bloqueio fez parte de ação da rede social contra uma rede de perfis falsos ligados ao bolsonarismo.
Assessora de Alana desde agosto do ano passado, Graziella Jorge Robles de Faria, também é suspeita de integrar o núcleo ligado a Queiroz, segundo o MP. Ela recebeu R$ 493,1 mil em salários da Alerj no período analisado pelo inquérito. Os investigadores não identificaram o repasse dos valores na conta de Queiroz, mas chamou a atenção deles o fato de ela ter retido em espécie quase todo o dinheiro recebido em sua conta: R$ 492,6 mil (ou 99%). “O que sugere o uso de ‘conta de passagem’ para desviar os recursos públicos sem deixar rastros”, registram os promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc).
Amanda Prado Simoni, também empregada pela deputada, é citada pelo MP-RJ como uma das funcionárias que exerceriam atividade incompatível com cargo público. Enquanto seu nome constava na folha de pagamento da Alerj, ela era registrada em uma clínica de anatomia e patologia, com vínculo CLT e previsão de carga horária – indício de que seria funcionária fantasma.
Amanda foi exonerada por Flávio em 2016 e voltou à Alerj em fevereiro do ano passado no gabinete de Alana Passos, com salário 20% maior. Questionada, a deputada disse que a investigação sobre as assessoras “não as torna criminosas, não dá o direito a ninguém de violar a privacidade delas e não as desabona como profissionais competentes que são”.
Primo de Flávio, Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Leo Índio, ocupou cargos no gabinete da Alerj entre 2006 e 2012. Desde abril do ano passado, está formalmente empregado na assessoria do senador Chico Rodrigues (DEM-RR). A reportagem contatou Rodrigues, mas não obteve resposta.
Outros três ex-assessores de Flávio continuam em cargos na própria Alerj, O Estadão procurou os escritórios onde eles estão trabalhando atualmente, mas não obteve resposta.
Por Tulio Kruse, Paula Reverbel, Ricardo Brandt e Caio Sartori
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