As declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22 de abril, que veio a público na semana passada, provocou um racha em uma das principais entidades ruralistas do País.
No encontro ministerial, Salles disse ao presidente Jair Bolsonaro que “precisa haver um esforço (…) enquanto estamos nesse período de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, focada na covid-19, e ir passando a boiada e mudando o regramento e simplificando normas”.
A declaração do ministro provocou fortes reações de ambientalistas, que se manifestaram publicamente a favor da saída de Salles do governo. Ao mesmo tempo, várias entidades de classes se posicionaram favoráveis ao Ministério do Meio Ambiente, reforçando que “a burocracia também devasta”.
Contrariado com o posicionamento de apoio da Sociedade Rural Brasileira (SRB) ao ministro Salles, Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da entidade, renunciou ao seu posto. “Pretender usar o momento de dor e mesmo pânico na saúde pública para aprovar medidas contra a burocracia fere meus princípios”, disse Camargo Neto, que presidiu a entidade nos anos 90 e se mantinha no colegiado até o dia 25 de maio. Camargo Neto também fez parte do Ministério da Agricultura na gestão de Fernando Henrique Cardoso. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O sr. é uma das principais lideranças do agronegócio do País. Por que decidiu sair da SRB?
A SRB é um microcosmo do Brasil. Sempre tivemos, e é bom que assim seja, as diversas tendências político-partidárias e mesmo ideológicas. Saí pela questão ética. Fui contra assinar o anúncio de apoio ao Ministério do Meio Ambiente que entendo ser equivocado e que fere meus princípios. Pretender usar o momento de dor e mesmo pânico na saúde pública para aprovar medidas contra a burocracia fere meus princípios. O debate e a participação da sociedade são essenciais. Burocracia em excesso atrapalha o desenvolvimento, empobrece a população. Temos avançado muito pouco.
O agronegócio vive uma dicotomia. Por um lado, o setor vai fechar o ano com aumento do faturamento, atingindo valores recordes. Por outro lado, enfrenta uma crise ambiental sem precedentes, desde o ano passado, provocada pelos incêndios na Amazônia. Como o sr. avalia essa questão?
Tudo indica que cresceu o desmatamento ilegal cujo maior problema são o garimpo e o comércio madeireiro ilegal, não a agropecuária legalmente estabelecida. Os ambientalistas, porém, colocam seu foco contra o agronegócio e continua sendo fácil explorar e exportar madeira ilegal.
O setor voltou ao olho do furacão com as declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao afirmar na reunião do dia 22 de abril que o governo deveria ‘passar a boiada’ e aprovar normas ambientais em meio à pandemia. O agronegócio é a favor do ministro?
Seu discurso forte agrada a muitos. O que precisamos, contudo, não é discurso. Estamos retrocedendo na questão ambiental. São medidas concretas que não ocorreram. A atual polarização dificulta ainda mais. A MP 910 da regularização fundiária para o pequeno e o médio produtor esquecido na Amazônia, que os ambientalistas chamam de MP da grilagem, não foi aprovada por causa da polarização. O avanço que representou o Código Florestal vem sendo crescentemente contestado.
As lideranças do agronegócio estão totalmente alinhadas ao Ministério do Meio Ambiente?
Respondo por mim.
O setor teve a imagem arranhada no ano passado por conta dos incêndios. Há risco de o País piorar a sua imagem por conta das declarações do ministro Ricardo Salles?
Certamente não ajuda.
Como essas questões delicadas deveriam ser conduzidas?
Antes de mais nada, sem polarização. Com diálogo e respeito podemos avançar. Quando fui presidente da SRB, em 1991, publicamos uma cartilha com o título “Valorize sua propriedade. Preserve o meio ambiente” antecipando a Rio Eco 92. Atacar tudo e todos facilita os que atuam de maneira ilegal. Precisamos separar o joio do trigo.
Como o setor avalia as novas demarcações de terras indígenas?
A Constituição de 1988 ampliou justamente os direitos dos indígenas. Precisam ser apoiados, saúde e educação no mínimo, valorizados em sua cultura, protegidos em suas terras. O julgamento no Supremo Tribunal Federal do épico caso da reserva Raposa do Sol, em Roraima, incluiu a jurisprudência chamada marco temporal. As populações indígenas têm o direito das áreas em que estavam em 1988. Ampliar além disso agora confronta seu vizinho, outro brasileiro, que está lá na área há 50 anos e mesmo 100 anos, com seu título de propriedade regular. Precisamos é pacificar respeitando direitos constituídos de ambos os lados.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Mônica Scaramuzzo
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