O número de pessoas que morreram em casa desde o início da pandemia de covid-19 no Brasil aumentou 14,6% em relação ao ano passado, segundo registros dos cartórios brasileiros. Na prática, o País teve, nos últimos dois meses, 4.552 óbitos domiciliares a mais do que no mesmo período do ano passado, revelam dados obtidos com exclusividade pelo jornal O Estado de S. Paulo com o Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). A alta é ainda maior em Estados com alta incidência da doença. No Amazonas, o número de mortes em casa cresceu 94,7%. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 34,8%.
A análise refere-se ao período de 26 de fevereiro, data de registro do primeiro caso de infecção por coronavírus no Brasil, até 26 de abril – foram desconsiderados os dados dos últimos dez dias porque esse é o prazo médio que os cartórios levam para repassar suas informações para a Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional).
A alta de mortes domiciliares, segundo especialistas, está relacionada a fatores como dificuldade de atendimento no sistema de saúde, adiamento de idas a prontos-socorros por medo de contágio e piora repentina de quadros de covid-19.
Segundo o Portal da Transparência, 35.551 brasileiros morreram em casa neste ano no período analisado ante 30.999 no mesmo período de 2019. Houve alta em 19 dos 27 Estados e em 20 capitais. No Amazonas, onde o sistema de saúde já entrou em colapso e foi registrada a maior alta, o número de óbitos em casa passou de 398 para 775 no período analisado. Na capital do Estado, o aumento foi ainda mais expressivo: 120,2%, com o número de óbitos em residência saltando de 331 para 729.
Manaus não foi a capital com o maior crescimento porcentual. Belém registrou alta de 360%, passando de 10 para 46.
No Rio, o número de pessoas mortas em casa subiu de 2.512 para 3.387. São Paulo também registrou crescimento acima da média nacional: 21,8%, com o número de mortes residenciais passando de 6.826 para 8.317.
O porcentual de mortes domiciliares sobre o total de óbitos do País também cresceu, segundo os registros dos cartórios. Nos dois meses analisados de 2019, 17,6% dos brasileiros morreram em seus domicílios. No mesmo período deste ano, o índice foi de 19,8%. Nas capitais também houve aumento: no ano passado foram 20,8% de óbitos em domicílio. Neste ano, o índice subiu para 23,9%.
Para especialistas ouvidos pelo Estado, parte desse aumento está relacionada a mortes por outras doenças que foram negligenciadas pelos próprios doentes ou por serviços de saúde. “Muitos podem estar sentindo uma dor no peito, um mal-estar, algum sintoma que, em outra ocasião, faria a pessoa ir ao pronto-socorro. Mas agora ela não vai porque está com medo do coronavírus. Só que isso pode levar a uma piora e fazer a pessoa morrer de enfarte, arritmia, derrame. Há também a possibilidade de os serviços de saúde estarem sobrecarregados e mandarem para casa pacientes que mereciam mais atenção”, destaca Frederico Fernandes, presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia.
O epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), diz que a falta de assistência adequada pode estar acontecendo tanto para pacientes com sintomas mais brandos de covid-19 quanto os com outras queixas.
Os dois especialistas destacam componente preocupante no caso da covid: os crescentes relatos de piora repentina e de morte súbita causada pelo vírus. “Os médicos do mundo inteiro estão estupefatos porque a pessoa vai perdendo oxigenação do sangue, mas sem sentir a falta de ar que era esperada. Há também comprometimento da circulação por causa de microcoágulos causados pelo vírus. Tudo isso pode levar a uma morte repentina”, destaca Lotufo.
Manaus
A universitária Lene Freire, de 30 anos, moradora da zona norte de Manaus, viu a mãe morrer em casa após ligar para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em 25 de abril. “Assim que ela começou a passar mal, ligamos. Mas disseram que não adiantava vir até minha casa porque nos prontos-socorros não havia balões de oxigênio suficientes.” Ela ligou mais uma vez e não foi atendida. A mãe – Sila, de 64 anos, que tinha diabete e pressão alta – morreu após meia hora. Na certidão de óbito, aparece causa indefinida. “Disseram que, se a levassem, iria morrer na frente do hospital porque não tinha equipamentos”, disse. “Foi desesperador e não podíamos fazer nada.” Lene foi à delegacia e lá ouviu que casos similares já haviam sido registrados.
O governo do Amazonas informou ter rede de urgência e emergência com três grandes prontos-socorros, nove serviços de pronto-atendimento, além de hospitais de campanha, e disse não haver falta de atendimento se ela não buscou os serviços. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fabiana Cambricoli e Alisson Castro, especial para o Estado
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