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‘Guerra mostra que politização não é boa para Exército’

Poucas obras na história brasileira tiveram o impacto que “Maldita Guerra” teve quando foi lançada há 19 anos. Escrita pelo historiador e professor da UnB Francisco Doratioto, de 63 anos, ela consolidou a visão de que a Guerra do Paraguai, o maior conflito da história da América do Sul, foi fruto de processo regional.

O livro será relançado pela Companhia das Letras com informações inéditas em razão dos 150 anos do fim da guerra. Como lição do período, Doratioto diz que a profissionalização e o distanciamento da política são fundamentais para o Exército e para a defesa nacional. A seguir trechos da entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Como o conflito se projeta em suas consequências na região do Rio da Prata 150 anos depois?

A guerra faz parte da identidade nacional dos países. Em alguns com mais intensidade do que outros. No Paraguai derrotado e com mais perdas humanas e de território, a guerra está entranhada desde o nascimento do cidadão. E Solano Lopez é um herói nacional. No Brasil é algo inconsciente. Não se fala em Guerra do Paraguai, mas nomes como Humaitá e Itororó estão presentes em todas as partes do País como praças e ruas. Na Argentina e no Uruguai também. O fundador da República Argentina, em 1862, é Bartolomé Mitre, que vai ser o comandante aliado na Guerra do Paraguai. E no Uruguai, cuja guerra civil foi o estopim da guerra, a guerra do Paraguai está sempre presente. Uma vez o historiador paraguaio Manuel Peña Villamil me disse algo interessante: “a guerra deve ser vista como o primeiro momento da integração, a primeira causa comum vivenciada pelos quatro países”. Os processos de independência deles foram diferentes. E a guerra foi o primeiro evento comum e trágico dos quatro.

Como as lutas entre militares conservadores e liberais paralisaram as forças brasileiras na guerra e qual o papel do imperador d. Pedro II nessas situações?

A Constituição permitia que os oficiais se filiassem a partidos e tivessem mandatos. Caxias era senador. O problema é que na frente de batalha o comandante de um partido privilegiava filiados ao seu grupo. E depois tinham as acusações. A imprensa liberal atacava os chefes militares conservadores e vice-versa. Isso dificultou o processo decisório na frente de batalha. O caso pior foi a batalha de Curupaiti, em que não havia um comandante em chefe das forças brasileiras. Existiam três oficiais generais da mesma patente, dois do partido liberal que eram primos, o Porto Alegre e o Tamandaré, e Polidoro Jordão, que era conservador. Havia imobilidade, o que agravava a dificuldade de montar uma estratégia contra o complexo defensivo de Humaitá. O mesmo se deu na invasão paraguaia do Rio Grande do Sul. O imperador teve de ir até Uruguaiana para pôr ordem naquilo. A intervenção dele foi vital ainda após a derrota de Curupaiti, em que ele afasta o Tamandaré. E Caxias unifica o comando. Depois, em 1868, quando o Brasil só continua na guerra porque o imperador ameaça abdicar do trono se fosse diferente. Apanhar Lopez só foi possível pela posição intransigente de d. Pedro II.

A queda do gabinete liberal de Zacarias de Góes ocorre após o conflito com Caxias. Como figuras como Caxias ajudam a moldar o comportamento dos militares no Império e na República?

Essa questão de junho de 1868 é bem debatida. Caxias não impõe a queda do gabinete. É este que queria sair, e o imperador queria tirá-lo e fazer um rodízio para obter resultados concretos na guerra. Caxias está exaurido e não acredita mais no conflito. Depois que ele toma a fortaleza de Humaitá, Solano Lopez deixou de ser uma ameaça. A guerra não tem mais sentido e só prossegue porque o imperador ordena. Caxias era um chefe militar obediente à hierarquia. E isso é uma coisa interessante porque a imagem que foi construída de Caxias, no século 20 e depois de 1964, é do militar e durão, disciplinador. Esqueceu-se totalmente que ele era obediente à Constituição, subordinado ao Poder Civil. Caxias era um chefe militar que não intervinha no processo político. Ele intervinha como político porque a Constituição permitia ele ser senador. Ele não introduz a intervenção dos militares no processo político interno. O que acontece é que com a guerra passa a haver um espírito de corpo entre os militares que não havia. Tampouco havia Exército coeso, com hierarquia. Este adquire uma identidade que não tinha. Esse espírito de corpo vai ser fundamental para se torná-lo uma instituição moderna.

Quais as lições que a guerra deixa para os militares hoje?

O que se viu em 1864 e que acho que é uma lição é que é preciso ter Forças Armadas preparadas profissionalmente porque, mesmo em situações aparentemente tranquilas, não sabe o futuro. Se em 1862 alguém dissesse que o Paraguai ia atacar o Brasil e ficaríamos cinco anos em guerra, seria ridicularizado. No entanto, isso aconteceu. Assim como a dificuldade de se defender o Rio Grande do Sul por causa da atividade política dos oficiais, dos comandos partidarizados e da dificuldade no teatro de operações. É preciso ter Forças Armadas preparadas para exercer a soberania. Precisa ter um núcleo militar profissional, treinado, bem armado para a defesa do país. Outra lição é que cada vez que os militares se envolveram em assuntos políticos, independente das intenções, eles tiveram menos tempo para se preparar profissionalmente para uma emergência. A politização das Forças Armadas não é boa para as Forças Armadas por um lado – não é à toa que o Castelo Branco fez as reformas que fez – e por outro lado não é boa para o País, pois ele perde um instrumento eficaz de defesa, vide o caso das Malvinas (guerra em 1982 em que a Inglaterra derrotou a Argentina), o que aconteceu com a Argentina. Não fosse a politização, as disputas internas, a história seria outra.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Marcelo Godoy

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