Diante da percepção cada vez maior de que o coronavírus Sars-CoV-2 causa alterações neurológicas e pode provocar microcoágulos nos vasos sanguíneos, médicos que estão na linha de frente começam a temer um aumento de casos de AVC relacionados à covid-19. Alguns hospitais já estudam mudanças no protocolo desses pacientes para investigar se têm o vírus, destaca o jornal O Estado de S. Paulo.
A preocupação vem tomando corpo com o aumento de relatos feitos por médicos de outros países. No sábado, o jornal americano The Washington Post publicou uma reportagem em que profissionais do Hospital Mount Sinai Beth Israel, em Nova York, relatam um aumento de pacientes entre 30 e 40 anos saudáveis que tiveram AVC – nos quais depois se identificou covid-19.
Pesquisadores chineses já haviam publicado estudos observacionais – do tipo série de casos – com pacientes da doença que tiveram AVC e médicos espanhóis têm feito relatos semelhantes, mas ainda não submetidos a publicações científicas.
O Estado ouviu neurologistas de alguns hospitais de São Paulo e do Rio e identificou a ocorrência de pelo menos três situações parecidas, mas que ainda carecem de mais investigações. A expectativa dos médicos, porém, é de que esse cenário deve se tornar mais evidente nas próximas semanas, quando a epidemia atingir o seu pico.
O neurologista Gabriel Freitas, pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e da Universidade Federal Fluminense, afirma que teve um paciente que chegou ao hospital com AVC, sem outros sintomas, e depois com uma tomografia de tórax se percebeu que ele tinha a covid-19. Um outro caso, de um pequeno AVC, que ele atendeu em consultório, também depois foi testado como positivo para o coronavírus. “Temos conversado muito com neurologistas da Espanha e lá (esse quadro) foi muito nítido.”
Por causa disso, ele afirma que está mudando o protocolo de atendimento ao menos em dois hospitais – o Quinta D’Or e o Copa D’Or – e discutindo na Rede D’Or. “A recomendação agora de todo paciente que chega com AVC é que ele seja investigado para covid”, diz.
A neurologista Gisele Sampaio, coordenadora da Rede Brasil AVC e médica do Einstein e da Escola Paulista de Medicina, afirma também ter recebido um caso de AVC em uma paciente de 56 anos que depois se mostrou ser também de covid. “Ela foi para o hospital com dor de cabeça forte, tinha queixa respiratória, de cansaço, e por isso fizemos tomografia de pulmão. Vimos o padrão compatível com covid, depois confirmado com teste de PCR. Imaginamos que tenha relação com a covid sim, porque ela não tinha nenhum outro histórico importante para AVC”, conta Gisele. A paciente acabou morrendo.
Segundo a médica, as sociedades brasileiras de Doença Cérebro-Vascular e de Neurointervenção estão elaborando um documento com recomendações. “Existe potencial muito grande de esses pacientes serem assintomáticos do ponto de vista respiratório, mas podem transmitir não só para outros pacientes como para os profissionais de saúde. Sociedades médicas dos EUA e da Europa fizeram essa recomendação e vamos fazer também: que todo paciente que chegue com AVC seja atendido como se fosse covid até se ter o resultado”, afirma.
Coágulos
A principal suspeita é de que isso ocorra porque o coronavírus parece provocar distúrbios no processo de coagulação. Necropsias em vítimas da doença revelaram a presença de pequenos coágulos nos vasos sanguíneos de diversas partes do corpo. Já foram observadas também tromboses, que podem chegar ao cérebro.
O patologista Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do grupo que realiza necropsias no Hospital das Clínicas, afirma que em 18 corpos analisados, ele encontrou, por meio de tomografias, lesões cerebrais em dois. “São sinais sugestivos que podem ser de AVCs recentes, mas ainda não fizemos análises microscópicas”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Giovana Girardi
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