Com o avanço das medidas para o combate da Covid-19, o Tribunal de Contas da União (TCU) iniciou um plano especial de acompanhamento com lupa das ações econômicas do governo Jair Bolsonaro na crise. Com a auditoria, o tribunal quer evitar que se repitam os erros da crise financeira que abalou o mundo em 2008.
Avaliação preliminar da área técnica do tribunal, obtida pela reportagem, aponta incoerência entre as medidas de estímulo à economia, via concessão de benefícios assistenciais e para manutenção do emprego, e as orientações do presidente Jair Bolsonaro no sentido oposto, para que a população saia de casa.
Para o TCU, num cenário em que a política do presidente estimula a volta das atividades, não faria sentido explodir o cofre público, pagando benefícios que permitam às pessoas ficarem em casa. Os técnicos apontam falhas nas estimativas de beneficiários do auxílio emergencial em face ao orçamento disponibilizado.
O tribunal também já identificou risco de utilização dos bancos públicos, entre eles Caixa e Banco do Brasil, para arcar com as medidas de política pública que deveriam ser sustentadas pelo Tesouro Nacional. A ação do Banco Central (BC), que ganhou poder de fogo para atuar no mercado comprando dívidas de empresas e carteiras de crédito, também está sendo monitorada.
A corte de contas quer que todas as medidas de políticas públicas feitas pelos bancos públicos sejam transparentes e estejam no Orçamento. Se for necessário, a corte poderá determinar ajustes na atuação das instituições financeiras oficiais, nem que para isso seja necessário aprovar legislação criando uma nova política pública a ser financiada pelo Tesouro. Não poderá haver um “orçamento por fora” dos bancos que não esteja explícito nas contas do governo.
“A ex-presidente Dilma Rousseff teve as contas rejeitadas porque usou Caixa, BB, BNDES para pedalar despesas que eram do Tesouro. O governo precisa deixar claro quem vai operar o que, de quem é a responsabilidade”, diz o ministro Bruno Dantas, relator das contas do presidente Bolsonaro.
“O tribunal já foi mordido pela cobra e precisou rejeitar as contas da presidente, não teve prazer em fazer isso e não quer que aconteça de novo”, adverte o relator. Para Dantas, não pode haver uma contradição interna na ação do governo quando os números são superlativos e representam o comprometimento das finanças públicas por muitos anos à frente.
Responsável pela secretaria do TCU que fiscaliza os bancos e os fundos de pensão, o secretário Rafael Jardim diz que a intenção não é provocar um “apagão de canetas” – crítica sempre feita ao tribunal por provocar temor em técnicos em assinar atos para que não sejam responsabilizados no futuro -, mas agilizar a assinatura com segurança jurídica para que ajustes possam ser feitos de forma rápida para correção dos problemas.
De acordo com o secretário que cuida da área de previdência, Tiago Dutra, o orçamento para o pagamento do auxílio emergencial já se mostra insuficiente, considerando o total de elegíveis ao programa. Para ele, o governo precisa sair da incoerência entre a defesa do fim do isolamento e a ampliação dos gastos públicos. “Para cada pacote de medidas estamos falando de quatro anos a mais para ter equilíbrio. É importante sair logo dessa falta de coerência.”
O TCU está preocupado também em garantir transparência à atuação do BC diante dos novos instrumentos dados pelo Congresso. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, estima que a instituição poderá comprar até R$ 972 bilhões em papéis de empresas privadas. “Vai comprar crédito de quem? Quanto o BC vai pagar por isso? Existe uma fila a ser obedecida? Como podemos garantir isenção, impessoalidade, transparência nessas decisões?”, questiona o secretário do TCU Rafael Jardim.
Outro risco que entra no radar é o que o BC fará para recuperar os créditos que comprou e o impacto desse “remédio superpotente” que, se não pensado anteriormente, poderá trazer efeitos colaterais ainda maiores no futuro.
Segundo Jardim, em outra frente de trabalho, o tribunal está monitorando os fundos de pensão das estatais, como Previ (BB), Funcef (Caixa) e Petros (Petrobrás), que já anunciaram perdas de 40% em razão da queda dos preços de aplicações feitas no mercado.
A primeira questão é saber como a Previc, o órgão regulador do setor, vai administrar esse risco e a tentação dos gestores de usar o dinheiro desses fundos para dar fôlego a empresas específicas, como aconteceu no passado e foi descoberto pela operação Greenfield, da Polícia Federal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Adriana Fernandes
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