Os moradores de Dubai, nos Emirados Árabes, contam as chuvas nos dedos. É um fenômeno raro no deserto, que ocorre em média 10 vezes no ano. Há três semanas, quando uma garoa caía na região do canal que corta a cidade, alguns lançavam olhares ao alto. Com frequência, quando a chuva cai nesta parte do Golfo Pérsico, os moradores se perguntam se o fenômeno seria natural ou artificial.
Cerca de três a cada dez chuvas nos Emirados são provocadas pelo homem, segundo estimativas do Centro Nacional de Meteorologia (NCM, na sigla em inglês). Para isso, cientistas desenvolveram um método que incentiva as nuvens a ficarem mais pesadas e caírem em precipitação. É a chamada “semeadura de nuvens”, quando um produto é lançado no ar com a intenção de fazer chover.
Operações bem sucedidas costumam ser noticiadas, e tudo indica que a última chuva em Dubai foi natural. É o que diz uma expatriada brasileira com o olhar treinado. “Essa deve ser (chuva) verdadeira, mesmo. Geralmente, a artificial não vem assim, como garoa”, disse a guia turística Daniela, de 36 anos, que mora há nove no país.
Chuvas artificiais são uma de várias frentes de pesquisa que compõem uma política oficial para aumentar os índices pluviométricos. O plano envolve estudos para mudar até a topografia de montanhas e o uso do solo no futuro, conceito científico chamado de “modificação do clima”.
No último ano, os Emirados fizeram 247 operações para aumentar as chuvas. O NCM diz que o índice pluviométrico cresceu de 46,5 milímetros, em 2018, para 101 milímetros, e foi acompanhado de um aumento de 34% no número de operações.
Para chegar a um produto escasso nesta parte do mundo, a água, os Emirados recorrem a um material abundante no mar: o sal. Cloreto de sódio ou de potássio é carregado em pistões, que são instalados nas asas de aviões. Quando as estações meteorológicas detectam nuvens, os aviões levantam voo e despejam o material, que acelera a condensação das partículas de água e a formação de gelo. O processo aumenta a chance de chuva em até 35%.
O sal é retirado das 70 fábricas de dessalinização. A água do mar dessalinizada é parte vital do abastecimento no país, responsável por 42% da demanda de água potável. A falta de infraestrutura para lidar com a chuva causa problemas. Em janeiro, uma tempestade que durou cerca de 10 horas deixou ruas e estradas inundadas e alguns carros chegaram a ser arrastados pela correnteza.
Além dos bombardeios
O controle do clima vai além dos bombardeios de sal nas nuvens. Há quatro anos, o governo anunciou que estudava erguer uma montanha artificial com a intenção de influenciar o regime de chuvas no deserto.
Desde então, gastou milhões de dólares em pesquisa para aferir a viabilidade do projeto e trouxe cientistas estrangeiros para estudar como a mudança do terreno poderia aumentar a formação de nuvens. “Cada deserto é diferente”, diz o pesquisador Oliver Branch, da Universidade de Hohenheim, na Alemanha. “A probabilidade e a qualidade da formação de nuvens e da precipitação depende de muitos fatores.”
Nos últimos anos, eles estudaram qual seria o impacto de um aumento artificial nos picos das montanhas de Hajar, no nordeste dos Emirados. É a área de maior altitude no país, a 3 mil metros, na fronteira com Omã.
Em paralelo, os cientistas também criaram modelos para saber se a instalação de plantações irrigadas poderiam aumentar o nível de umidade no ar de forma significativa. “Essas mudanças envolvem mudar a geometria do terreno”, diz Branch. Os modelos no estudo levaram em conta uma elevação de 200 metros na cadeia de montanhas.
A conclusão do estudo é de que, ao menos em Hajar, um aumento artificial do terreno teria menos influência na formação de nuvens e chuva do que métodos mais baratos – como a agricultura irrigada. “Provavelmente, uma elevação maior seria necessária (para melhores resultados)”, diz o texto da pesquisa.
A principal aposta dos cientistas é o latifúndio. Eles propõem a implementação de grandes cultivos, com plantas capazes de lançar quantidade suficiente de vapor d’água na atmosfera. Eles já têm mapeados os locais mais propícios para abrigar a árvore jojoba, espécie que os cientistas têm estudado mais atentamente e visto melhores resultados. “Tomar este passo pode influenciar o clima e deixar a vida em áreas quentes e secas mais suportável”, diz Branch. Com ou sem obras faraônicas, os árabes estão convictos de que podem fazer chover no deserto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Tulio Kruse
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