Pouco antes de completar 9 anos, António (com acento agudo, mesmo, porque é filho de um português) resolveu explicar para a escola inteira por que precisava bater palmas. Ele não queria mais ser chamado de bobo, esquisito. “Eu bato palmas para minha imaginação funcionar melhor”, disse ao grupo de crianças reunido em uma espécie de assembleia. Todas ouviram atentas e António ficou calado, esperando a reação. “Então, o silêncio foi quebrado por uma palma. Veio outra e mais outra. Logo a sala toda aplaudia. António sorria. Os professores choravam.”
O trecho acima faz parte de Palmas para António, livro que será lançado nesta quinta-feira, 13, pela Editora Astral Cultural. Trata-se de um relato emocionante e extremamente bem-humorado, para ler numa sentada, da mãe de um garoto autista. Em 2017, a jornalista Lana Bitu, de 46 anos, viu a história das palmas de seu filho viralizar nas redes socais ao postar o relato, agora contado em livro. Foram 16 mil curtidas, mais de 8 mil compartilhamentos e um convite para escrever a obra.
“Sabe, mãe…A vida é problema e é explicação”, concluiu o menino após o episódio na escola. Tentar explicar – e entender – como funciona o atípico cérebro de quem está no espectro autista é uma tarefa árdua, mas que Lana faz com leveza. Não há discussões técnicas, com exceção de poucas notas de rodapé sobre nomenclaturas médicas.
O livro é uma conversa sobre a história cotidiana, o dia a dia de um menino que levou os pais ao desespero porque só começou a falar aos 4 anos e foi diagnosticado com autismo aos 7. E que hoje, aos 10, os surpreende com pequenas grandes vitórias. Coisas que parecem tão comuns para outros pais, como participar de uma peça de teatro infantil ou brincar com crianças desconhecidas na pracinha.
“Não importa quantos anos se passem e o Tom evolua: toda e qualquer conquista dele tem e sempre terá um valor triplicado – e ‘bora’ guardar dinheiro para pagar a terapia que o Miguel precisará fazer no dia que ler isso…”, escreve Lana, referindo-se ao seu segundo filho, de 6 anos.
“Minha ideia era a de humanizar o autismo, não sou militante nem técnica no assunto, tudo o que sei fui aprendendo com o António”, conta. O livro narra as buscas dos pais por diversas terapias para tentar descobrir o que o menino tinha, algo comum entre famílias com filhos atípicos. Mas sem a intenção de indicar a melhor opção de tratamento. “É fundamental conhecer métodos diversos e tirar as próprias conclusões”, repete em vários momentos a autora.
Mudez
Durante os anos em que António não falava, Lana conta que sussurrava no ouvido do filho: “(…) Promete um dia me contar tudo sobre você? Me falar sua cor preferida, me dizer qual foi a graça do seu dia, me perguntar por que o trovão faz barulho?”. É um dos trechos mais emocionantes do livro.
Mas, no pós-parto do segundo filho, o bebê chorava tanto, que a mãe “agradecia a mudez, o isolamento e indiferença do primogênito”. Achou horrível? Lana emenda no próprio livro: “pessoas chocadas, por favor, dirigirem-se ao setor de devolução da livraria”.
Em outro momento de extrema sinceridade, conta da inveja que sentia ao ver famílias com crianças plenamente desenvolvidas, o que a fez evitar ir a parquinhos com o menino. E de como “chorou e soluçou por duas horas” depois de ver o filho, já falante, sendo desprezado por outras crianças que o achavam esquisito.
Ao longo da história, António passa a se enturmar cada vez mais na escola. Alfabetiza-se com facilidade, compra pipoca sozinho no cinema, começa a entender ironias, algo difícil para autistas, que são muito literais. E passa a viver os desafios da pré-adolescência. “Queria mostrar a esperança de desfechos positivos”, diz Lana. “E o positivo está no dia a dia, ele não é um fim, ele acontece várias vezes durante o caminho.”
Acaba sendo um livro sobre pais e filhos, independentemente da condição. “Com qualquer filho, os pais precisam se aceitar, dosar expectativas, saber dar nome ao que sentem mesmo que sejam coisas feias, porque todo mundo tem questões, é sempre difícil.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Renata Cafardo
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