As mortes em confronto causadas por agentes da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), da polícia paulista, aumentaram 98% no ano passado em relação a 2018. Os dados foram apresentados nesta quinta-feira, 6, pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, órgão independente, que cuida de queixas e do monitoramento de ações policiais.
Segundo Benedito Domingos Mariano, ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, esse crescimento teve impacto no crescimento da letalidade de policiais em serviço no Estado, de 12% no período. Conforme o relatório, as mortes relacionadas a PMs em serviço cresceram 11,5%, passando de 642 (2018) para 716 (2019).
“O aumento da letalidade é atribuído ao 1º Batalhão de Choque. Não fosse isso, o índice teria sido menor que 2018. Por ser uma unidade de elite, a Rota acaba sendo influenciada pelo pensamento do senso comum de que ‘bandido bom é bandido morto’. Também tem influência do discurso conservador que permeia o Estado e o País”, disse Mariano, que fez o anúncio dos dados em seu último dia no cargo.
Em 2018, foram 51 mortes de civis por agentes da Rota em serviço. O número saltou para 101 no ano passado. O número de mortes por agentes de folga caiu, passando de sete em 2018 para três no ano seguinte. Em abril do ano passado, 11 assaltantes morreram em uma tentativa de assalto a dois bancos em Guararema, na Grande São Paulo. Segundo a Rota, o grupo estava fortemente armado e houve troca de tiros.
Desde que assumiu, o governador João Doria (PSDB) tem mantido um discurso de intensificar o combate ao crime e de mandar “bandido para o cemitério”. Em setembro de 2019, ao comentar dados de criminalidade, o governador chegou a dizer que a redução da letalidade policial não era obrigatoriedade. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma, em nota, trabalhar para reduzir os “casos de morte decorrente de intervenção policial”.
Ainda conforme a pasta, as polícias têm “rigoroso sistema corregedor, que não compactua com eventuais desvios de conduta de seus agentes”, além de treinamento. As denúncias, acrescenta a SSP, são “investigadas e as apurações têm início na área dos fatos e sempre são encaminhadas às respectivas Corregedorias antes do envio ao Judiciário”. No ano passado, informa a gestão Doria, 510 policiais foram presos, demitidos ou expulsos das instituições.
O levantamento mostrou ainda os batalhões com mais registros de ocorrências de mortes em decorrência de intervenção policial no Estado. Depois da Rota, o ranking mostra o 2º Batalhão de Santos, com 30 casos. Na capital, o 28.º Batalhão da Polícia Militar, que atua em Guaianases, na zona leste, ocupa a primeira posição, com 22 registros.
No ano passado, com base em dados de janeiro a novembro, o Estado já tinha mostrado que a unidade era a mais letal, seguida do 16.º Batalhão BPM/M, responsável pelas regiões do Morumbi, na zona sul, e do Butantã, Jaguaré e Rio Pequeno, na zona oeste, além da comunidade de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. O batalhão atuou, em dezembro, em uma ação que terminou com a morte de nove pessoas em um baile funk. Essas mortes não são computadas como letalidade policial. Os casos ainda estão sob investigação. A PM diz que os nove morreram pisoteados durante o tumulto.
Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Dimitri Sales diz que ações de orientação e inclusão de políticas para aproximar os PMs da comunidade podem ajudar a reduzir o problema. “O governador do Estado tem de orientar a polícia a ser mais cidadã e efetiva. E os casos de policiais que se envolvem em práticas indevidas, que dados apontam que é uma parcela pequena, precisam ser devidamente apurados e punidos.”
O coronel da reserva da PM paulista e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho afirmou que a alta é “preocupante”, uma vez que a polícia deve fazer com que “letalidade seja estritamente aquela necessária, dentro dos limites da legalidade”. Ressaltou, porém, que a Rota é deslocada para onde há mais potencial de confronto, com a presença de “criminosos com armamento mais pesado, que atacam bancos, caixas eletrônicos, etc”.
Abuso de autoridade e má qualidade de atendimento são queixas frequentes
Má qualidade do atendimento, abuso de autoridade, solicitação de policiamento e mortes em decorrência de intervenção policial são as principais demandas da população encaminhadas ao órgão. Segundo Mariano, a má qualidade do atendimento, como demora para atendimento de ocorrências, é a principal queixa da população e resultou em 1.005 procedimentos instaurados pelo órgão. Em segundo lugar, ficou o abuso de autoridade.
“O mais comum são as abordagens abusivas e agressivas. Em sua maioria, envolve policiais militares. O relatório mostra que 84% da demanda diz respeito à PM”, afirma. E ele diz que os casos continuam ocorrendo. “Tivemos, nesta semana, um caso de um policial usando força desproporcional com uma grávida, que foi hospitalizada e já teve alta.”
Nesta terça-feira, 4, um policial militar foi afastado por ter agredido uma mulher grávida durante uma ocorrência em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. Ele foi filmado com o joelho sobre a barriga da mulher e dando um tapa no rosto dela. Também segurou o pescoço dela. A gestante e o bebê estão bem.
Órgão faz recomendações às forças de segurança
Além de reunir os dados, a ouvidoria listou uma série de recomendações para reduzir as queixas e os índices de violência policial. “Para diminuir a letalidade, a principal medida é a centralização na corregedoria dos Inquéritos Policiais Militares. Não estou dizendo que os batalhões não têm a imparcialidade para conduzi-los, mas não têm a expertise. É preciso fortalecer o órgão corregedor. Em curto a longo prazo, vai reduzir de 40 a 50% o número de casos”, disse Mariano. Outras medidas sugeridas são definir novos protocolos de abordagem policial, modernização do sistema de atendimento da Delegacia Eletrônica e inclusão da disciplina Saúde Mental nos cursos de formação dos policiais militares.
Dados da Secretaria da Segurança paulista mostraram que o Estado teve no ano passado o número mais baixo de assassinatos desde 2001, mas os feminicídios aumentaram 34% entre 2018 e 2019.
Por Paula Felix, colaborou Isaac de Oliveira
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