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Prestes a entrar em vigor, lei anticrime traz dúvidas a procuradores e advogados

Faltando dois dias para entrar em vigor, a lei apelidada de “pacote anticrime” e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro traz dúvidas sobre as consequências de seus efeitos tanto a promotores e procuradores quanto a advogados – os dois polos de um processo criminal -, e contém exigências que ambos dizem ser inconstitucionais ou inexequíveis.

Além do polêmico ponto sobre o juiz de garantias – incluído à revelia do ministro da Justiça Sérgio Moro e que teve sua implementação restrita e adiada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Dias Toffoli – procuradores se queixam de mudanças na delação premiada, dos novos procedimentos para lidar com vestígios materiais de crimes e da previsão de troca de juízes que entrarem em contato com uma prova que for depois considerada ilícita.

Já os advogados questionam um dispositivo da nova lei que permitirá que o juiz, em alguns casos, decrete a perda de patrimônio incompatível com a renda do réu. Esse ponto, inclusive, se tornou alvo de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada no STF pela Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) na segunda-feira, 20.

Entre as maiores reclamações dos agentes da lei está a adoção de procedimentos complexos sem o devido tempo para implementação das novidades, já que a lei determinou que entraria em vigor apenas 30 dias depois de sua publicação.

“A cadeia de custódia da prova é uma boa ideia, mas mal implementada, com prazos impraticáveis”, afirmou Vladimir Aras, procurador regional da República em Brasília, sobre os novos procedimentos para lidar com provas materiais de crimes. As novas regras preservam a cena do crime até que os peritos cheguem, registrem e empacotem os vestígios, como em filmes americanos.

“É possível fazer em 30 dias? Tem que treinar os policiais. Os institutos de criminalística têm que estar preparados, ter salas, ter recipientes para coletar as provas. Tem que ter um sistema de computador para registrar todas as pessoas que tiveram acesso às provas”, argumentou. “É inexequível”, concluiu.

Para o procurador Roberson Pozzobon, da força-tarefa da Operação Lava Jato de Curitiba, as novas exigências, por ignorar a realidade brasileira, resultarão em descumprimento das formalidades e abrirão a possibilidade anulação de processos. “Logo, em breve, muito provavelmente pipocarão em diversas ações penais, dos crimes mais simples aos mais complexos, dos menos graves aos de homicídio, diversos pedidos de anulação”, escreveu ao Estado.

“São poucos, se é que existem, os Estados brasileiros que possuem estrutura para que todos os vestígios de todos os crimes sejam coletados por peritos, acondicionados em recipientes selados com lacres e com numeração individualizada”, explicou.

Já para advogados, a inovação vai evitar “manipulação indevida” dos vestígios de crimes. “A criação da cadeia de custódia é um grande avanço da nova legislação, ao exigir um procedimento com regras claras e objetivas de preservação e de condição de validação das provas colhidas, aperfeiçoando e oferecendo mais qualidade e precisão científica às investigações”, afirmou Juliano Breda, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Outro ponto que desagradou investigadores – e que teve sua aplicação suspensa por Toffoli – é o que prevê que o juiz de um processo seja substituído se ele tomar conhecimento de uma prova que for, depois, considerada ilícita. “É um problema seríssimo”, disse Aras. O procurador explica que, no caso de impugnação da prova em um tribunal, a prova considerada ilícita terá sido conhecida por todo o colegiado. “Eles todos ficaram impedidos de julgar esse processo depois? É impraticável”, argumentou.

Delação

Procuradores também reclamam que a mudança das regras da delação premiada traz insegurança. “Alguns dispositivos têm compreensão bastante complicada”, disse Aras. Ele cita um parágrafo que trata da análise da denúncia e dosagem da pena do réu – pelo texto, não está claro se essa etapa acontece na homologação do acordo de delação ou na condenação.

Investigadores também condenam de forma unânime a nova restrição segundo a qual o colaborador só deve tratar, na delação, de crimes que tenham relação direta com os fatos investigados. “O que o novo dispositivo legal faz é restringir indevidamente a utilidade dos acordos de colaboração, deixando o colaborador numa posição muito confortável para revelar apenas parte dos crimes que praticou ou parte dos integrantes de sua organização criminosa, justamente a parte sobre a qual o Estado já tem algum conhecimento, pois já está investigando”, respondeu Pozzobon.

“Se a Lava Jato tivesse limitado seus acordos de colaboração premiada apenas às informações diretamente relacionadas com os fatos que já estava investigando, não teria recuperado para os cofres públicos nem metade dos valores que recuperou, não teria responsabilizados diversos dos agentes políticos, empresariais e públicos que hoje já estão condenados pela Justiça, tampouco teria compartilhado centenas de provas de crimes gravíssimos com autoridades em quase todos os estados do Brasil e, ainda, em dezenas de outros países”, concluiu.

Advogados

Para criminalistas, o saldo da nova lei é positivo, mas a categoria se queixa alguns pontos. “A nova lei aprovada coloca o processo penal nos trilhos de um autêntico processo acusatório, ou seja, de respeito às tarefas e ônus da prova que deve sempre pertencer à acusação”, afirmou o advogado Hugo Leonardo, presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa).

“Olhamos, contudo, com desconfiança para as regras que dizem respeito à captação ambiental, pois têm potencial de criar um estado de vigilância permanente sobre o cidadão, dentre outros retrocessos e pontos inconstitucionais contidos na nova lei”, acrescentou. Investigadores poderão solicitar e juízes poderão autorizar a instalação de aparelhos de gravação.

Outro ponto que advogados questionam é o que permite que o juiz, em alguns casos, decrete a perda de patrimônio incompatível com a renda do réu – algo que Moro chamava de confisco alargado. “É um absurdo porque grande parte da população brasileira vive na informalidade”, defendeu Leonardo. “E o juiz não tem como comprovar o que efetivamente faz parte do patrimônio do acusado – isso pode gerar decisões absolutamente injustas”.

Por Paula Reverbel

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