O núcleo de uma das mais tradicionais famílias da política brasileira vive uma briga fratricida, destaca o jornal O Estado de S. Paulo. Os atritos superaram o terreno privado do clã Campos-Arraes e a lavação de roupa suja se tornou pública. Antigas diferenças políticas se converteram em um fogo cruzado que é influenciado pela polarização nacional e se volta até mesmo contra o legado do seu quadro mais proeminente, o ex-governador Eduardo Campos, morto em acidente aéreo na campanha presidencial de 2014.
As divergências alcançaram outro patamar depois que o deputado federal João Campos (PSB-PE), filho de Eduardo, atacou o tio, o advogado Antônio Campos, o Tonca, em dezembro passado, na Câmara dos Deputados. Em reunião da Comissão de Educação, o ministro da área, Abraham Weintraub, lembrou ao parlamentar que Antônio contribui com o governo que ele critica porque é presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). “Eu nem relação tenho com ele, ministro. Ele é um sujeito pior que você”, retrucou o deputado, em referência ao tio.
Tão duro quanto o tom foi a forma. Em Pernambuco, “sujeito” pode não significar meramente uma pessoa indeterminada, mas alguém desqualificado socialmente. Nos bastidores, políticos da região disseram que essa expressão pesou mais do que qualquer coisa porque chamar alguém de sujeito, naquele Estado, equivale quase a um palavrão.
Mãe de Eduardo Campos, a ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) Ana Arraes comprou a briga do filho e repreendeu o neto publicamente, numa rara entrevista concedida ao jornalista Magno Martins, na Rede Nordeste de Rádios, no início do mês. Disse ter ficado “entristecida” e “indignada” com a “má educação” e com a “prepotência” do neto, com quem parou de falar.
O presidente do TCU, José Múcio Monteiro, interferiu na tentativa de atuar como uma espécie de bombeiro. Amigo de Ana Arraes e também pernambucano, Múcio disse a Antonio e a João Campos, em conversas separadas, que era melhor serenar os ânimos porque em briga de família não há vencedores. Todos perdem, concluiu. Os conselhos, porém, não adiantaram. No rodízio do tribunal, Ana substituirá Múcio na presidência da Corte, no próximo ano.
Antes mesmo de a mãe tomar partido no conflito, Antônio Campos havia soltado uma nota por meio da qual acusava o sobrinho de ter sido “nutrido na mamadeira da empresa Odebrecht”. Antônio disse, ainda, que Pernambuco precisava conhecer o “lado obscuro” do sobrinho e da viúva de Eduardo, Renata Campos. João é considerado um representante da “nova política”, ao lado dos deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES).
‘Nova namorada’
Ao Estado, Antônio admitiu que a confusão não é boa para a família, mas continuou com as críticas e provocou o sobrinho. “Ele quis se mostrar para a sua nova namorada, a deputada Tabata Amaral”, disse o tio. “Foi um ataque gratuito porque estava fora do contexto. Fui o homem que mais defendeu o pai dele, inclusive no complexo caso dos precatórios, em que Eduardo teve denúncia rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal. E, hoje, eu o vejo abraçado e defendendo vários que chamavam o pai dele de ladrão. Não consigo entender.”
O PSB de João Campos atua no espectro da esquerda. Antônio, por sua vez, é crítico dos petistas e de alianças com o partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Vejo o governo Bolsonaro saneando muita coisa errada feita na era PT. O Brasil precisava virar essa página, que a coragem de Bolsonaro tem realizado. Tenho mais convergências do que divergências com o presidente”, disse o advogado.
Políticos próximos de João Campos admitem que os dois lados da família saem perdendo com a briga, mas contam que as divergências são antigas. Tonca não tem boa relação com o núcleo de Eduardo desde antes de 2014. Mas, como o ex-governador emprestava sua habilidade política para apaziguar os ânimos, o clã permanecia unido.
O que não era tão ruim piorou em 2016, quando Antônio quis disputar a prefeitura de Olinda. Perdeu no segundo turno e se queixou da falta de apoio do PSB, além da suposta influência da viúva Renata contra ele. Na avaliação do irmão de Eduardo Campos, o seu crescimento político não interessava a uma parte da família e, por essa razão, ele teria sido alvo de isolamento e de perseguições.
Após a morte de Eduardo, o clã entrou em disputa pelo espólio eleitoral dele e do avô paterno, o ex-governador Miguel Arraes, o “Pai Arraia”, como o patriarca da família era conhecido na Zona da Mata. O PSB tratou de capitalizar, fazendo um esforço robusto para lançar João Campos e, mais do que isso, dar ao filho de Eduardo uma votação expressiva. Na eleição de outubro, por exemplo, ele é o favorito do grupo para suceder Geraldo Júlio (PSB) na prefeitura do Recife.
“A seção pernambucana é, sem dúvida, a mais forte do nosso partido. Por isso, penso que a situação do PSB em Pernambuco é muito boa e tem o candidato mais competitivo à prefeitura da capital, o deputado João Campos”, disse o presidente nacional do partido, Carlos Siqueira. “No tocante a eventuais problemas familiares, não me compete falar. Eles devem ser separados da política e tratados no âmbito apropriado.”
Outros integrantes da família, no entanto, também se veem no direito de recorrer à memória de Eduardo e de Miguel Arraes. No Recife, a também deputada federal Marília Arraes, do PT, prima de João em segundo grau, quer entrar na corrida eleitoral deste ano. Além disso, a própria Ana Arraes não descarta abrir mão da cadeira no TCU para disputar o governo de Pernambuco, em 2022. Procurados, Ana, João e Renata Campos não se manifestaram. Marília Arraes, por sua vez, enviou nota na qual disse que a briga pública dos parentes é algo que não lhe diz respeito. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Vinícius Valfré
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