O uso de inteligência artificial no diagnóstico de câncer de pele vem sendo estudado em todo o mundo como um possível auxiliar dos dermatologistas. Agora, uma pesquisa de cientistas brasileiros mostra que a máquina pode detectar um tumor maligno até em imagens nas quais a lesão foi coberta e somente a pele ao redor do tumor foi analisada. Em outras palavras, o computador se mostrou capaz de ver indícios de malignidade onde médicos especialistas não conseguem.
A descoberta, ainda preliminar, faz parte de estudos de um grupo de cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que tem utilizado técnicas avançadas de machine learning (aprendizado de máquina) para treinar computadores a fazer o diagnóstico de melanoma, tipo mais agressivo e letal de câncer de pele.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima 6.260 novos casos de melanoma por ano. Embora represente apenas 3,6% de todos os casos de tumor de pele no País, o melanoma é responsável por 43,5% das mortes por esse tipo de câncer. Foram 1.775 vítimas da doença em 2018, segundo o Ministério da Saúde.
O projeto de pesquisa da Unicamp foi um dos premiados no fim do ano passado na 7ª edição do Latin America Research Awards (Lara), bolsa dada pelo Google a projetos acadêmicos da América Latina que propõem soluções tecnológicas para problemas do cotidiano. O projeto foi um dos únicos a ganharem a bolsa pelo segundo ano consecutivo.
Técnica
Por meio de uma técnica sofisticada que utiliza redes neurais artificiais, os cientistas da Unicamp desenvolveram um algoritmo com 86% de índice de acerto no diagnóstico do melanoma, ante 67% de precisão na avaliação feita pelos médicos. Mesmo quando a parte central da lesão foi removida da imagem, a máquina ainda acertou 71% dos diagnósticos.
“Queremos investigar agora o que explica esse resultado, quais são os vieses desses algoritmos. Queremos entender se há algo na imagem que nós, humanos, não estamos prestando atenção e que a máquina consegue enxergar um padrão”, explica Sandra Ávila, professora do Instituto de Computação da Unicamp e uma das pesquisadoras do projeto.
Redes neurais artificiais são modelos computacionais inspirados na estrutura dos neurônios de seres inteligentes. Por meio de treinamento, são capazes de aprender, entre outras coisas, a identificar padrões. No caso da pesquisa da Unicamp, os cientistas utilizam uma técnica que ensina o computador não só a identificar o câncer de pele, mas também a criar imagens que “imitam” fotos reais do melanoma.
Isso é importante porque, para que o algoritmo seja ensinado a identificar padrões de malignidade, por exemplo, ele precisa ser treinado com um grande número de imagens de diferentes tipos de lesões para saber quais as características que diferem o melanoma de outros tipos de tumores malignos e benignos. O problema é que não existe um grande banco de imagens de melanomas, o que limita o aprendizado da máquina.
“Quando começamos a pesquisa, usávamos um banco de dados internacional com 2 mil imagens, o que é pouco. Ao treinarmos as redes neurais a produzirem imagens sintéticas, podemos gerar um número infinito de fotos”, explica Sandra.
Para ela, pesquisas como a do seu grupo podem ajudar em um diagnóstico mais precoce do melanoma. “Se o câncer de pele é detectado precocemente, as chances de cura são de mais de 90%. Se o diagnóstico demora, cai para 14%”, destaca.
Cautela
Para Elimar Gomes, coordenador do grupo de Dermatologia do Centro Oncológico da Beneficência Portuguesa de São Paulo, técnicas como a inteligência artificial no diagnóstico de melanoma serão um recurso extra e bem-vindo para o médico, mas não irão substituir o trabalho do especialista. “O computador geralmente apresenta as probabilidades em porcentagens, mas alguém terá de dar a palavra final e decidir se a lesão será removida ou não.”
Gomes diz ainda que, para o câncer de pele, é necessário garantir que os computadores sejam “treinados” com imagens precisas e de qualidade. “É preciso apresentar uma diversidade de imagens de acordo com a diversidade da população. Um diagnóstico numa população branca pode ser diferente do de uma população negra”, comenta. “A inteligência artificial veio para ficar e deve ajudar muito, como em casos nos quais o acesso ao médico é mais difícil. Mas não deve ser usada isoladamente. Deve ser complementar ao conhecimento adquirido pelo médico ao longo da carreira.”
Outra pesquisa premiada
A pesquisa sobre o uso de tecnologia no diagnóstico de melanoma não foi a única de saúde a ser premiada pelo Google na 7ª edição do Latin American Research Awards, em novembro. No total, foram 25 projetos de cinco países que receberam a bolsa, dos quais quase metade deles propunham solução na área da saúde. A empresa recebeu 679 inscrições para o prêmio. De 25 vencedores, 15 são brasileiros.
Entre os premiados com soluções para a área da saúde está um projeto da Universidade Federal do Rio (UFRJ) que usará machine learning para identificar em imagens aéreas da cidade do Rio objetos abandonadas em terrenos que podem ser potenciais criadouros do Aedes aegypti, mosquito transmissor de dengue, zika e chikungunya.
Outro projeto, do Peru, utiliza técnicas de inteligência artificial para auxiliar no diagnóstico de autismo por meio de expressões faciais e olhar das crianças com suspeita da síndrome.
“Vemos um aumento de projetos no campo da saúde ao longo dos anos. São duas as principais tendências de utilização da tecnologia nessa área: aplicação de machine learning para auxiliar em diagnósticos e desenvolvimento de soluções tecnológicas para atendimentos a distância”, diz Berthier Ribeiro-Neto, diretor de Engenharia do Google na América Latina.
Ele destaca, no entanto, que, na área médica, é importante que a inteligência artificial e outras técnicas sejam usadas como auxiliares. “A tomada de decisão tem de estar na mão do profissional”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fabiana Cambricoli
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