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O dilema dos iranianos que são americanos

Ladan Manteghi lembra de esconder sua identidade quando chegou criança aos EUA vinda de um país que “ninguém sabia apontar no mapa”: o Irã. A tomada de reféns na embaixada americana em Teerã mudou seus dias em Michigan. “Foi difícil”, conta Ladan, que diz viver um déjà vu com a atual tensão entre americanos e iranianos.

Com 11 anos, ela trocou o arroz e a comida iraniana que levava na merenda por sanduíches com pasta de amendoim e entrou no time de basquete para parecer um pouco mais americana. “Os americanos amarraram fitas amarelas em volta das árvores para simbolizar a libertação dos reféns. Na minha escola, eu conduzi a cerimônia. Era uma maneira de mostrar que eu pertencia ao grupo e também tinha raiva dos sequestradores.”

Mas há um gesto que Ladan se recusou a fazer: dizer que era persa, para escapar da definição “iraniana”. “Muitos fizeram. Eu não, porque parecia que estava me escondendo. Mas isso fez com que outras crianças e até alguns professores me apelidassem de cabeça de toalha ou me dissessem para voltar ao lugar de onde eu vim.”

Hoje, conselheira da Universidade Georgetown, em Washington, ela é parte do Conselho Nacional Iraniano-Americano (NIAC). Como ela, vivem nos EUA entre 500 mil e 1 milhão de descendentes de iranianos, a maioria veio após a Revolução Islâmica, de 1979. A maior concentração está em Los Angeles, nas imediações do Westwood Boulevard e da Wilkins Avenue, região conhecida por Little Persia.

“Passamos por esse clima antes, de risco de ações imprevisíveis dos dois lados. É perturbador”, afirma Ladan. Desde a década de 80, as coisas melhoraram para os iranianos. As novas gerações foram assimiladas e já são parte do setor privado, público e do Exército. “Não precisamos nos esconder mais. Mesmo assim, nos sentimos visados quando nos param na fronteira. Como comunidade, não podemos ser transformados em vilões.”

Na semana passada, quase 200 pessoas tiveram o processo de entrada nos EUA retardado por autoridades americanas entre o Canadá e o Estado de Washington, na costa oeste. De acordo com o NIAC, 60 iraniano-americanos foram detidos para perguntas. Os procedimentos de imigração e questionários fizeram com que famílias e crianças ficassem até 10 horas presas na fronteira.Ladan chora ao falar da queda do avião ucraniano no Irã, na qual 176 pessoas morreram. Um cunhado dela perdeu dois primos no voo. “Você pode imaginar como é perder um filho e um marido? Ser a única sobrevivente de uma família? Isso tem de parar. Nós somos pessoas reais. Com perdas reais.”

Preconceito
Mesmo antes do ataque que matou o general iraniano Qassim Suleimani, na quinta-feira, a vida dos iranianos nos EUA já não era fácil. David Shams, que nasceu no Estado de Kentucky, produz um podcast com histórias de preconceito enfrentado por amigos. Shams é filho de mãe americana e pai iraniano. “Ver essa situação chegar mais longe do que imaginávamos aumentou o nível de ansiedade. A situação antes da morte do Suleimani e dos mísseis já não era boa”, disse.

Durante a semana do disparo de mísseis do Irã contra bases utilizadas pelos EUA no Iraque, Shams limitou suas interações sociais, o máximo possível, a amigos iranianos. “Os americanos são ou contra o presidente ou a favor. E, se você é contra, você é contra a guerra e está automaticamente do outro lado. Mas há mais nuances nisso. Um amigo me escreveu dizendo que é a primeira vez que ele sente medo de que parte da família viva em um lugar em guerra. Não acho que os americanos entendam o que isso significa.”

Às 12h15 de uma segunda-feira em que a capa do New York Times destacava o descumprimento do Irã de partes do acordo nuclear, a preocupação no bairro de Chelsea, em Nova York, era outra. Seis pessoas aguardavam na fila que crescia em busca de sopa e da comida condimentada do popular restaurante Taste of Persia NYC. Escondido numa pizzaria, serve a comida de US$ 6 em recipientes descartáveis.

Saeed Pourkay é chef, dono e único funcionário do Taste of Persia NYC, que já teve seu nome estampado nos principais jornais e revistas de Nova York. Ele saiu de Teerã há 42 anos para estudar nos EUA, onde a irmã morava. Trabalhou em uma gráfica na mesma rua, até decidir “buscar a felicidade”, que diz encontrar nos panelões altos que ficam encostados na vidraça com vista para a 18th Street.

Em plena crise diplomática entre EUA e Irã, Saeed pede para não falarmos “de política”. “Como eu vou falar sobre isso? Não posso criticar. Eu vivo aqui e gosto de viver aqui, mas eu também gosto da minha terra”, diz Saeed, enquanto atende, coloca cebola frita, embala, cobra e dá o troco para a fila a sua frente.

Às 13h22, os seis panelões já estão vazios e o sétimo, de arroz, está quase no fim. Saeed vai para cozinha buscar reposição. Até fechar as portas, seguirá repetindo para os clientes que chegam sem dinheiro vivo para pagar o almoço: “Coma e volte outro dia para pagar. Eu estarei aqui pelas próximas três semanas”, afirmou, explicando que terá de se mudar do local em que está por causa do alto preço do aluguel. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Beatriz Bulla, correspondente

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