É comum vermos em estabelecimentos comerciais a famosa fila para atendimento prioritário, também chamado de preferencial, mas não são apenas idosos e gestantes que têm direito a ele. Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) também devem receber este atendimento.
O atendimento prioritário foi criado com a Lei Federal 10.048, de novembro de 2000. A lei prevê que pessoas com deficiência, gestantes, lactantes, pessoas com crianças de colo e obesos devem ter prioridade de atendimento.
Em 2012, a Lei Berenice Piana, que homenageia a ativista com mesmo nome, mãe de filho com autismo, estabeleceu que as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) seriam consideradas deficientes, e portanto teriam todos os direitos previstos em lei para o grupo. Isso inclui, assim, o atendimento prioritário.
A empresária Amanda Ribeiro, mãe de Artur, de três anos e que possui TEA, explica que o atendimento prioritário é essencial para a pessoa com autismo. “Muitos autistas crianças não tem noção temporal e há no shopping um excesso de estímulos, eles não conseguem ficar em uma fila, e obrigar a ficar lá pode desencadear crises, que podem gerar machucados (na criança)”, explica Amanda.
Seu filho possui atraso de fala e na comunicação, com um transtorno do processamento sensorial, o que lhe dá uma hipersensibilidade sensorial e auditiva, algo comum em muitas pessoas com autismo. Ambientes com muito barulho e luzes, ou seja, estímulos sensoriais, podem gerar crises, inclusive convulsões. Por isso, é importante reduzir o tempo de exposição da criança a tais situações e aí que entra a necessidade do atendimento prioritário.
Porém a empresária ressalta que já enfrentou inúmeros problemas em estabelecimentos comerciais. Um deles é a questão do julgamento que enfrenta de outras pessoas ao usar a fila de atendimento prioritário. “O autismo é uma deficiência invisível, as pessoas olham (para a pessoa com TEA) e não percebem. Quando entro em uma fila prioritária as pessoas olham, falam, vira algo constrangedor”, explica a empresária.
O que Amanda sentia muitas vezes era que as pessoas achavam que ela estaria furando a fila, já que ela não era gestante, lactante, idosa e seu filho não era uma criança de colo e não tinha uma deficiência visível. “As pessoas não sabem (sobre o autismo), mas não são obrigadas a saber também, tem que ter uma conscientização.”
Para tentar evitar esse julgamento e aumentar a conscientização do público, o Estado de São Paulo aprovou a Lei 16.756 em junho de 2018. Ela obriga a inserção do símbolo internacional do autismo, uma fita, nas placas de atendimento prioritário. “O laço é a conscientização de que os autistas tem a deficiência e a necessidade (de atendimento)”, explica Amanda.
Apesar disso, no dia a dia a empresária não costuma encontrar muitos estabelecimentos que possuem a fita na placa de atendimento prioritário e já passou por várias situações constrangedoras enquanto tentava conseguir o atendimento. Até hoje não foi definido quem é responsável pela fiscalização e implementação da lei estadual, o que dificulta que ela seja posta em prática.
Um episódio ocorreu quando ela, o marido e o filho estavam em um shopping. “O Artur estava com fome e já tinha passado por vários estímulos, ele já estava irritado”, comenta Amanda. Com o risco de uma crise, seria essencial ter o atendimento prioritário, mas ao perguntar onde era a fila para o atendimento em um restaurante de fast food, ela foi informada que não existia. “Tive que falar com o gerente. Nisso a ausência de deficiência visível já gera um certo constrangimento, as pessoas ficam olhando e questionando você”.
Mesmo após conseguir a prioridade, Amanda ainda foi criticada e a realização do serviço ocorreu em um tempo normal, o que aumentou o tempo de espera e a irritação de Artur. “Ninguém quer ter deficiência, ninguém quer usar da questão do atendimento prioritário para se beneficiar”, afirma.
Também é comum se deparar com um certo despreparo das pessoas responsáveis pelo atendimento na hora de atender alguém com autismo ou um responsável pela pessoa. “As pessoas não tem informações sobre o autismo ou como lidar com pessoas com autismo”, diz Amanda. Ela notava isso no dia a dia, ao passar por atendimentos em hotéis, laboratórios e outros estabelecimentos.
Pensando nisso, ela decidiu criar uma empresa, a Incluir Treinamentos, para treinar funcionários de empresas para atender e incluir pessoas com o TEA e seus familiares. O primeiro treinamento foi na própria escola em que Artur estudava, mas ela chegou a sofrer uma resistência de outras escolas particulares. “Cheguei a ouvir que se eles fizessem o treinamento, a escola iria encher de autista”, relata Amanda. “A gente mostra adaptações que devem ser feitas. Os locais precisam do mínimo de acessibilidade, e no caso do autismo isso é informação”, diz a empresária.
“Não dá mais para os estabelecimentos não olharem para o autismo”, defende Amanda. A questão envolve o ponto de vista comercial, já que um ambiente pouco acessível repele clientes, mas também o ponto de vista humano, já que a acessibilidade é um direito de qualquer pessoa com deficiência. E Amanda reforça que, no caso do autismo, acessibilidade é informação, conscientização, saber o que pode e o que não pode ser feito.
Atendimento prioritário ou preferencial?
Apesar de a maioria das pessoas usarem o termo atendimento preferencial, Amanda observa que o termo não é o ideal. Primeiro, porque em todas as leis sobre o tema nunca é usada a palavra preferencial, apenas prioritária. “Preferencial quer dizer dar preferência, escolher. Prioritário quer dizer primeiro, antes. Precisa atender primeiro, não foi escolhido, recebeu preferência. Não é uma questão de ter uma fila, é de ser atendido primeiro”.
Além disso, o atendimento prioritário envolve todas as etapas do serviço, do momento em que há o contato com o atendente até a hora em que o produto é entregue para o cliente.
Lei Romeo Mion
Perguntada sobre a Lei Romeo Mion, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta semana, Amanda disse que a nova legislação deve ser benéfica para as pessoas com autismo. A sua principal determinação é a criação de um documento para as pessoas com o TEA. Antes era comum que os responsáveis por crianças com autismo tivessem que andar com laudos médicos, e até o registro no RG não especificava o autismo, apenas uma deficiência.
“A lei facilita na conscientização. Pessoas vão ouvir falar mais sobre o autismo. E facilita na identificação, e até saber quantos tem o TEA hoje no Brasil”, avalia Amanda.
Ela observa, porém, que para além das leis também há uma necessidade de melhoria da implementação e fiscalização das mesmas: “a lei é feita, mas não tem regulamentação. Hoje eu não defendo uma multa, mas sim uma conscientização”.
“O estabelecimento tem que proporcionar inclusão e conforto para o cliente, é fidelização. Acolhimento e empatia são essenciais. O autista é uma pessoa, é um ser humano que precisa de carinho, atenção. Que precisa de inclusão”, conclui Amanda.
Por João Pedro Malar, estagiário sob supervisão de Charlise Morais
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