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Após atingir meta de inauguração de lojas, Vivara promete mais 50

O escritório central da Vivara, em São Paulo, fervilhava na tarde de quinta-feira, 12. Natural, já que os 15 dias que antecedem o Natal são os mais importantes do ano para qualquer empresa de varejo. Em 2019, porém, algumas novidades deixaram diferente o clima do lugar, cujas salas de reuniões levam nomes de pedras preciosas em placas salmão, a cor da marca, e paredes inteiras são estampadas com fotos de Gisele Bündchen usando brincos, colares e anéis.

Numa das frentes, dezenas de investidores passaram a entrar em contato diariamente com a maior rede de joalherias do País, desde que ela abriu capital, no início de outubro – e na quinta não foi diferente. De outro, acontecia o efeito prático da entrada de R$ 500 milhões no caixa da empresa: só naquele dia, haviam sido inauguradas quatro lojas. Assim, a Vivara atingiu a promessa de abrir 31 lojas no ano e podia partir para a meta de inaugurar outras 50 em 2020.

“Nosso sonho é fazer com que as pessoas se lembrem da Vivara como uma marca legal para marcar momentos felizes: ‘vou dar um presente, vou comprar algo na Vivara, seja um perfume, óculos, uma carteira, uma caneta'”, afirma Marcio Kaufman, de 39 anos, presidente executivo da rede.

Mais do que uma estratégia de marketing, a frase de Kaufman embute todo um reposicionamento – com muitos desafios – para a rede de lojas fundada em 1962 pelo ourives romeno David Kaufman, no centro de São Paulo. O engenheiro civil Nelson, seu filho, chegou a abrir uma pequena construtora, mas acabou indo para a empresa nos anos 80 e foi o responsável pela consolidação e expansão da marca pelo Brasil, na década seguinte. “Meu pai é meu mentor e foi o grande empreendedor da Vivara”, diz Marcio, o neto, que entrou na companhia aos 24 anos de idade, em 2004. A família também é a controladora da rede de lojas de artigos de decoração Etna.

No comando da Vivara desde 2010, Marcio começou a traçar o plano que vem executando há pelo menos 15 anos. O ponto central é aumentar o alcance das lojas – anteriormente voltadas ao nicho dos que podem pagar por joias de ouro – e criar uma grife nacional também com produtos de prata, além de óculos, relógios, perfumes e acessórios de couro. Tudo, é claro, embalado por uma marca aspiracional, nos moldes do que fazem Bulgari e Tiffany. Com preços, porém, mais adequados à realidade do brasileiro.

Para suportar essa estratégia, está a meta de fazer com que a presença nos shoppings saia dos atuais 33% para 70%, até 2024. Por isso, os recursos captados há dois meses – e as inaugurações da semana passada – foram tão importantes. “Falávamos havia pelo menos quatro anos dessa abertura de capital, para conseguirmos levar adiante a estratégia de expansão”, afirma Marcio. “Temos testado nossa entrada em cidades e shoppings menores, tão diferentes como Caruaru (PE) e Passo Fundo (RS) e os resultados têm sido promissores.” Uma segunda marca, a Life by Vivara, foi criada para abrigar os produtos mais baratos, feitos de prata.

Questionamentos

A oferta inicial de ações foi um sucesso entre as pessoas físicas, que têm se aventurado atrás rentabilidade em ações e identificaram a marca conhecida. Pouco tempo após o lançamento dos papéis, os analistas de mercado, por sua vez, começaram a elaborar relatórios sobre a empresa e gostaram do que viram, apesar de enxergarem diversos entraves no meio do caminho. Entre as vantagens, está uma líder de mercado que pode ser um consolidador via crescimento orgânico ou aquisições. Numa área que é resiliente e pode crescer em uma eventual recuperação da economia.

Também há a verticalização da produção e o portfólio variado. Bem como uma operação de comércio eletrônico com tendência de crescimento. Por isso, os analistas viram potencial de valorização dos papéis. Cotada no lançamento a R$ 24, as ações teriam potencial de valorizar entre 23% a 25,4%, segundo diferentes casas.

“De maneira geral, gostamos de teses de varejistas com planos de expansão”, diz Thiago Macruz, analista do Itaú BBA. “A Vivara monta lojas simples e pequenas, com um investimento não muito alto, tem um tíquete médio (de gasto dos consumidores) maior do que as lojas de shopping em geral e, portanto, fácil de se pagar.”

O problema, escrevem diversos analistas, começa pelo fato de a marca não ter registros anteriores de uma expansão tão agressiva. Varejistas de outras áreas, que também vendem produtos mais caros e tentaram crescer ganhando escala, não foram bem sucedidos: a renda média do brasileiro não tem permitido uma expansão nessa base. “A Restoque (dona da Le Lis Blanc, John John, Dudalina e Bo.Bô) é um exemplo”, escreveu Joseph Giordano, analista do JP Morgan, em seu relatório.

Outras dúvidas envolvem uma eventual canibalização das lojas existentes, a aposta em shoppings em um momento de retração do setor por conta do comércio eletrônico e mesmo um mercado sem histórico de expansão consistente. “A principal questão com relação a esse tema é se haverá espaço nos shoppings para suportar o plano de expansão da Vivara”, escreve Mariana Vergueiro, analista de varejo da XP Investimentos. Segundo Marcio Kaufman, a experiência tem mostrado que a compra de joias é feita por impulso e, portanto, faz sentido ter lojas em cidades e shoppings menores.

Os analistas falam ainda do fato de as gerações mais novas não terem em joias objetos de desejo, do mesmo modo que não sonham com carros. “Temos um trabalho intenso de reforço de marca com influenciadoras em lugares específicos, como Rio, São Paulo e Recife e áreas variadas, como moda, pet, cozinha, viagem”, diz Marcio. “É um grande desafio estar antenado e queremos continuar criando desejo hoje e daqui a cinco anos, nas novas gerações.” Além disso, afirma, joia é um produto milenar, como se vê nos museus. “As pessoas vão continuar querendo se enfeitar.”

Reluz e é pedra
Alguns analistas estranham ainda o fato de uma empresa tão dependente de commodities e câmbio não trabalhar com hedge, a proteção via instrumentos financeiros contra oscilações em cotações. Responsável pela produção de 80% do que é vendido em suas lojas, a empresa, porém, usa o estoque como proteção contra a volatilidade.

“Temos estoque para um ano e, portanto, temos tempo para diluir eventuais mudanças nas cotações”, afirma Marcio. “Além disso, temos muita flexibilidade para desenhar e produzir peças com mais ou menos ouro. As pedras brasileiras, por exemplo, são mais baratas, muito bonitas e nos possibilitam ter uma gama grande de preços, para atender a várias demandas.”

Assim, a Vivara lança nada menos do que 30 coleções por ano, que chegam as lojas dois meses depois de o protótipo ter sido criado. “Não é uma prática comum no setor, que trabalha apenas com lançamentos no Dia das Mães/Namoradas e Natal”, afirma. É uma tentativa de gerar recorrência de compra, numa área que não é marcada pelas compras sucessivas.

Membro de uma família que há gerações prima pela discrição, Marcio tem tentado se acostumar ao holofote exigido pela empresa de capital aberto. Está se adaptando ao desafio, mesmo com o fato de a presença dele e outros membros da família em cargos estratégicos – outras duas vice-presidências são ocupadas pela irmã e um primo – também estarem entre os riscos apontados por analistas. “Historicamente, negócios familiares têm desempenho acima da média do mercado”, diz. “Em algum momento vamos falar em sucessão, mas pelas próximas décadas pretendo estar aqui.”

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