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EUA chegam a eleição com temor de violência e ameaça de disputa judicial

Quase 100 milhões de americanos votaram antes de as urnas abrirem na manhã desta terça-feira, 3. A avalanche de votos indica um comparecimento recorde em uma disputa que o presidente Donald Trump ameaça contestar na Justiça. “Assim que a eleição acabar, vamos entrar com nossos advogados”, afirmou Trump, no domingo.

O presidente vem defendendo a ideia de que o resultado tem de sair na noite de hoje e critica o fato de a Pensilvânia, um Estado crucial, apurar por último os votos enviados pelo correio. Biden, que chega como favorito, disse que o adversário não “roubará a eleição”. “O povo americano não será silenciado”, afirmou o democrata.

Dos 97,6 milhões de votos antecipados, sendo 35,5 milhões foram presenciais e 62,1 milhões enviados pelo correio. No Texas e no Havaí, o voto antecipado já superou o total de eleitores de 2016. Nos EUA, 138,8 milhões votaram na eleição passada. A projeção é de que mais de 150 milhões de pessoas votem este ano – um recorde.

Em condições normais, uma vitória de um dos lados era sempre reconhecida pelo derrotado – geralmente com um telefonema simpático após o resultado. Desta vez, no entanto, a Casa Branca é ocupada por um presidente imprevisível, que muitas vezes contraria as recomendações de seus assessores, o que cria uma instabilidade inédita.

“Como ucranianos, russos e venezuelanos, os americanos vão para essas eleições sem saber se poderão registrar seu voto, se o voto será contado, se o candidato com maior número de votos vencerá e se haverá violência quando os resultados forem anunciados. Impensável nos EUA de apenas alguns anos atrás”, afirma Steven Levistky, cientista político da Universidade Harvard e autor do livro Como as Democracias Morrem.

No domingo, carreatas de apoiadores de Trump bloquearam o trânsito em trechos de New Jersey, Nova York e Virgínia. Um comício de Biden foi cancelado na Geórgia após os organizadores constatarem a presença de milicianos. No Texas, o FBI investiga o ato de motoristas de caminhões que encurralaram um ônibus da campanha democrata. Logo após a notícia, Trump publicou em sua conta do Twitter: “Eu amo o Texas!”

Nas proximidades da Casa Branca, o policiamento foi reforçado. A guarda nacional se prepara para entrar em ação caso seja necessário. Governadores do Texas e de Massachusetts, por exemplo, pediram, cada um, 1 mil homens de sobreaviso para conter protestos.

Os caminhos para a contestação do voto são muitos e, na prática, já estão acontecendo. Republicanos tentaram descartar 127 mil cédulas depositadas em um drive-thru em Houston, no Texas. Ontem, um juiz federal rejeitou o pedido.

Eleitores e analistas temem conflitos após a votação. Em Portland, um grupo de extrema direita já anunciou que planeja comparecer com armas nos locais de votação e representantes de extrema esquerda planejam fazer o mesmo. Os EUA registraram um pico de venda de armas em setembro e nos cinco meses anteriores.

Apuração

Há um desafio logístico em lidar com o volume de votos antecipados, especialmente em Estados que têm menos experiência com os procedimentos. Os americanos não possuem uma Justiça Eleitoral centralizada, como o Tribunal Superior Eleitoral brasileiro. Cada Estado adota suas regras. Neste ano, muitos flexibilizaram os requisitos para admitir o voto antecipado e pelo correio para evitar aglomerações.

Dos 50 Estados, 22 permitem contagem de cédulas que chegam depois da eleição, o que pode atrasar a apuração se a maioria dos eleitores deixar para enviar o voto na última hora. A forma como os votos são apurados faz com que normalmente mais votos republicanos sejam contabilizados primeiro. As cédulas contadas após o dia da eleição tendem a favorecer os democratas. Em Estados muito disputados, isso pode dar a sensação de que republicanos venceram no início da noite e muita gente teme que Trump se declare vitorioso antes da totalização dos votos.

“Os primeiros resultados devem sugerir que Trump está na frente em vários Estados. Mas, conforme os votos antecipados forem contados, Biden pode ultrapassar o presidente. Isso deve ser usado por parte dos republicanos para dizer que as pesquisas estavam erradas e há uma tentativa de roubar as eleições”, afirma Michael Traugott, cientista político da Universidade de Michigan.
A Flórida pode entregar o resultado na noite da eleição.

Diferentemente de outros Estados, ela não espera o dia da votação para começar a contabilizar os votos antecipados. A contagem acontece conforme as cédulas chegam. O Estado também não aceita cédulas pelo correio depois da eleição. Isso faz com que às 20h30 (horário local) se saiba a votação de cada um. Se Biden ganhar os 29 delegados da Flórida, a sensação será de que a disputa está decidida, porque as opções de Trump ficarão limitadas. Se Trump vencer, a incerteza tende a se prolongar.

A ausência de uma Justiça Eleitoral também faz com que não exista, nos EUA, a proclamação oficial do resultado, algo que só acontece em janeiro, quando o Congresso conta os votos do colégio eleitoral. O caráter formal da vitória depende do reconhecimento do derrotado.

Os dois lados preparam uma batalha jurídica. A tendência é que, se for judicializada, a apuração acabe na Suprema Corte. Trump foi o presidente que indicou o maior número de juízes para os tribunais de apelação nos últimos 40 anos e, no mais alto tribunal do país, acabou de emplacar uma supermaioria conservadora.

A confirmação da juíza Amy Conney Barrett antes da eleição garante que 6 dos 9 integrantes da Suprema Corte tenham sido indicados por presidentes republicanos. Três foram nomeados por Trump, o que deve fazer os democratas questionem a legitimidade de um eventual resultado favorável ao republicano.

Assessores da campanha democrata afirmam nos bastidores que o partido aceitou muito rapidamente, sem pensar em novos caminhos de judicialização, a decisão da Suprema Corte, em 2000, sobre recontagem de votos na Flórida. A decisão do tribunal fez de George W. Bush presidente, com apenas 537 votos a mais do que Al Gore no Estado. Desta vez, os democratas dizem estar preparados para cenários variados na Justiça.

Ontem, a chefe de campanha de Biden, Jennifer Dillon, afirmou que “em nenhum cenário” Trump vai declarar vitória na noite de hoje. “Não há precedente histórico de que as nossas eleições devam ser apuradas e completamente verificadas na noite da votação. Nós não esperamos que isso aconteça em 2020”, afirmou Dillon.

Biden planeja um pronunciamento na noite de hoje em Wilmington, cidade onde vive no Estado de Delaware. A programação será mantida independentemente do que Trump diga, porque a declaração do presidente, segundo a chefe da campanha democrata, “pode não ter nada a ver com a realidade”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Beatriz Bulla, correspondente

Estadão Conteúdo

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