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Tensão racial divide a Geórgia, reduto republicano cobiçado por democratas

Perto da rua onde Martin Luther King nasceu em Atlanta, turistas fotografam os monumentos ligados ao ícone do movimento dos direitos civis e os murais pintados com os nomes de negros assassinados pela polícia, como George Floyd e Breonna Taylor. No Estado da Geórgia, que já foi considerado o com maior segregação nos EUA, os protestos contra o racismo mobilizam eleitores dos dois partidos.

Desde 1972, o Estado é considerado reduto dos republicanos. Nas últimas 12 eleições, os democratas ganharam apenas 3, somente quando os candidatos eram os sulistas Bill Clinton, em 1992, e Jimmy Carter, nascido na Geórgia, em 1976 e em 1980. Agora, Joe Biden e Donald Trump estão empatados nas pesquisas.

Com a promessa de acabar com o racismo na sociedade americana, Biden aposta no eleitorado negro para ganhar os 16 votos da Geórgia no colégio eleitoral. Já Trump mobiliza sua base em torno da cisão racial ao argumentar que os protestos antirracismo levarão o país ao caos em um eventual governo democrata.

Mais de um terço dos negros aptos a votar estão concentrados em nove Estados-chave. Destes, a Geórgia é o que tem a maior porcentagem de eleitores negros: 32,6%, mais do que os 13% da média nacional.

“O racismo sempre existiu, mas quando Trump apareceu, ele tentou nos conduzir para uma guerra racial”, afirma a fotógrafa Carletha Reese, de 57 anos, que mora nos arredores de Atlanta e votou em republicanos como Ronald Reagan e George W. Bush. “Não é porque sou negra que voto em democratas”, afirma. Mas, neste ano, o seu voto é de Biden.

A exemplo do que tem acontecido em outros bastiões conservadores do Cinturão do Sol, como Arizona e Texas, o crescimento populacional que torna os subúrbios de Atlanta mais jovens e menos brancos tem feito o Estado da Geórgia mais diverso e reduzido as margens de vitória dos republicanos.

Ainda que o restante do Estado seja rural e conservador, quase metade dos votos vem da região metropolitana de Atlanta. A uma curta distância da capital, no entanto, o apelo de Trump é mais forte. Para o estudante Parker Russell, de 18 anos, eleitor de Trump, o maior problema do país são os “baderneiros” – termo usado por ele para descrever os manifestantes. Russell vive em Dallas, cidade do condado de Paulding, onde os negros são 21% da população. Em Atlanta, a 50 minutos dali, mais da metade da população é negra. “É louco que a uma hora de Atlanta haja uma grande diferença entre as pessoas”, afirma Lukis Newborn, de 29 anos, ex-presidente do comitê democrata de Paulding.

Newborn confeccionou placas de jardim em apoio a Biden para arrecadar dinheiro para os candidatos democratas do Estado. Em um domingo de sol em Atlanta, a venda era um sucesso em um parque que virou ponto de apoio ao Black Lives Matter. No dia anterior, ele conta que foi ofendido em Paulding. “A hostilidade é palpável. Mostraram armas para nós, de dentro dos carros, com boné do Trump. É uma sensação de campo de batalha fora de Atlanta.”

Racismo. Aos 67 anos, a aposentada Martha Mason se diz assustada com os protestos antirracismo. “Não entendo, nunca tivemos isso na América e agora está um caos completo, por conta dos encrenqueiros”, afirmou. Ela se define como uma cristã que “ama a todos”, independentemente de raça, mas defende ideia de que a força dos EUA está em pessoas como ela, uma “americana de sangue puro”. “Sou americana puro-sangue. Tive (ascendente) indígena e não ando por aí pedindo tratamento especial. Não parece, mas meu pai tinha cabelo preto e olhos castanhos”, completa Martha, loira de olhos azuis.

Segundo ela, a culpa é de Barack Obama. “Isso começou quando ele ganhou. Como presidente negro, empoderou muitas pessoas.” “Mas, se você notar, há negros inteligentes e educados que votam em republicanos. Eles são cristãos.”
O racismo e os protestos são pautas importantes no voto de brancos, negros, democratas e republicanos ouvidos pelo Estadão. O tema está no DNA da Geórgia. Até 2001, a bandeira do Estado incorporava os símbolos confederados. Em abril de 2016, seguidores da Ku Klux Klan fizeram uma parada de “orgulho branco” em Paulding.

Newborn diz que até hoje há um bar onde simpatizantes da KKK se encontram. Segundo o Southern Poverty Law Center, há 38 grupos de ódio na Geórgia, como os supremacistas Proud Boys. A violência policial é parte do cotidiano. Em junho, um policial de Atlanta matou Rayshard Brooks, negro de 27 anos. Os protestos duraram semanas e os manifestantes atearam fogo no restaurante onde ele foi morto.

Adrien Sadler, veterano da Marinha, foi um dos que parou para pegar uma placa de apoio a Biden, que ele quer colocar na sua bicicleta, onde carrega tudo o que tem desde maio, quando perdeu o emprego e passou a morar nas ruas de Atlanta.
Com um boné da Marinha, ele fala dos tempos em que serviu e da rejeição a Trump. “Escreva aí: d-e-s-a-s-t-r-e”, soletra, ao avaliar o presidente. “Trump desrespeitou os veteranos que morrem pela bandeira que ele deveria proteger.”

Vice de Biden conta com apoio de irmandade de mulheres negras

Quando Kamala Harris foi escolhida por Joe Biden como parceira de chapa, a coreógrafa Maisha Land, de 46 anos, reuniu um grupo de mulheres para mobilizar eleitores este ano. Ela e Kamala têm algo em comum: as duas pertencem à mesma irmandade – tipo de associação tradicional de mulheres nas universidades americanas, com especial força entre as negras.

Desde o século 18, os estudantes de universidades nos EUA começaram a se organizar em associações. Para fazer parte das fraternidades, os alunos pagam e dedicam parte do tempo às atividades do grupo. Em troca, têm acesso a uma rede de apoio e, em alguns casos, moradia durante a vida universitária. Mas mulheres e negros estavam excluídos de boa parte das associações.

Em 1850, elas começaram a criar as próprias fraternidades, que receberam o nome de irmandades, em uma época em que as mulheres eram minoria no ensino superior. Em 1906, foi a vez de alunos negros criarem sua primeira organização e, dois anos depois, foi fundada a primeira irmandade de alunas negras, a Alpha Kappa Alpha (AKA), da qual Maisha e Kamala fazem parte.

“Família é minha amada Alpha Kappa Alpha, nossos Nove Divinos, e meus irmãos e irmãs de HBCU (sigla para universidades historicamente negras nos EUA)”, disse Kamala, em discurso no qual aceitou a indicação a vice. Ela entrou na AKA durante os estudos na Howard University, em 1986, e é hoje uma das 300 mil integrantes do grupo.

As nove fraternidades e irmandades de negros mais relevantes nos EUA são conhecidas como “Nove Divinos”, ou apenas D9, e reúnem cerca de 1 milhão de pessoas. O poder informal exercido por esses grupos é visto como um motor na campanha de Biden.

Dona de um estúdio de dança em Atlanta, Maisha Land decidiu organizar mulheres para criar um vídeo que estimule os eleitores a votar. “Essas organizações estão focadas no serviço à comunidade e na promoção de mulheres e comunidades negras em todo o mundo. Queremos encorajar os membros da comunidade a sair e votar. É isso que estamos fazendo”, afirma Maisha.

Um dos problemas dos democratas em 2016 foi a queda no comparecimento dos eleitores negros. Neste ano, Biden precisa garantir maior apoio deles. “Se estamos orgulhosas de ter uma integrante concorrendo? Claro”, afirma Maisha.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Beatriz Bulla, enviada especial

Estadão Conteúdo

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