Governos acostumados a lidar com epidemias, população com idade média de 19,4 anos e um continente com pouco intercâmbio internacional. Por esse contexto, a África foi até agora o segundo continente menos afetado pela pandemia – só a Oceania foi menos atingida. Mas o crescimento rápido de casos na África do Sul, registrado na última semana, deve se repetir em os outros países da região, colocando em alerta trabalhadores de ajuda humanitária.
“Os países tiveram regras de lockdown muito rápidas, o que foi bom para atrasar a disseminação da doença. Mas o problema maior é que, como as economias não são desenvolvidas e há muita informalidade no continente, os governos tiveram de abrir antes da curva de estabilização. As pessoas foram para a rua e isso agora está criando uma onda de verdade de covid-19. A África do Sul é um resumo da África inteira”, afirma o historiador e professor da ESPM de Porto Alegre Gabriel Adam.
A África tem 787 mil casos confirmados de covid-19 e 16,7 mil mortes. Apenas a África do Sul é responsável por mais da metade dos casos (408 mil) e mais de um terço das mortes (6 mil). O baixo número de óbitos é um alento para o restante da região. Segundo epidemiologistas, isto ocorre em razão da população jovem do continente. Na África, a idade média é de 19,4 anos, enquanto na Europa é de 43, nos EUA, de 38, e no Brasil, de 32.
“A idade tem um papel importante na letalidade da doença. A vantagem de a África ter uma população mais jovem é ter menos casos de alta gravidade ou óbitos”, explica Eliseu Waldman, professor de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP. A taxa de letalidade, de acordo com a Fundação Surgo, deve ficar, em média, em 0,55% no continente, chegando a 0,76% nos países menos estruturados. Nos EUA, a taxa está em 1,3%.
A África do Sul entrou em lockdown em março e, desde o começo de junho, está liberando alguns serviços do setor de varejo, mas as viagens de lazer e o turismo internacional continuam proibidos. “O país é mais conectado com o restante do mundo e, por isso, ocorre o aumento antes dos outros. Temos aqui áreas muito povoadas, shoppings e mercados em locais fechados. Assim que começou a transmissão comunitária, ela se espalhou muito rápido. Temos uma situação muito parecida com o Ocidente”, diz Mamadou Sow, chefe do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no país.
Risco. Os trabalhadores humanitários em diferentes países da região alertam que, se a situação da África do Sul se espalhar pelo restante do continente, as consequências podem ser graves. Segundo eles, o sistema de saúde nos outros países, principalmente os que sofrem com guerras civis e conflitos armados, não tem a mesma estrutura que o sul-africano.
“O maior risco é as pessoas pensarem que estamos em uma situação confortável e deixarem de tomar as precauções necessárias. A guerra não parou por conta do coronavírus, pelo contrário. Em alguns países, não existe a opção de lavar as mãos o tempo todo, por exemplo. É preciso olhar para a África do Sul e ver que a situação é ruim e pode piorar em até três meses. Enquanto não houver uma vacina, há risco”, afirma Crystal Ashley Wells, porta-voz do CICV para a África.
Segundo a organização, no Sudão do Sul, há um médico para cada 65 mil habitantes. “Quem está na capital consegue atendimento, mas quem está em cidades afastadas precisa caminhar por dias até achar ajuda médica”, explica Crystal. Na Somália, apenas 15% da população que vive em áreas rurais tem acesso à saúde. No nordeste da Nigéria, apenas metade das cerca de 700 instalações sanitárias está em condições de uso. Em Burkina Fasso, 109 centros de saúde estavam fechados em fevereiro e 140 estão operando com o mínimo de funções necessárias.
Os países africanos que vivem conflitos armados registram um alto número de deslocados, o que, ao lado da precariedade do sistema sanitário, pode acelerar a disseminação da covid-19. “Em Cabo Delgado (Moçambique), a violência aumentou e as pessoas que fogem vão para centros urbanos, mas por vezes não conseguem ajuda e decidem voltar. É complicado controlar o contato físico em uma situação assim”, explica Sow.
Alyona Synenko, porta-voz do CICV na Nigéria, diz que a maior preocupação no nordeste do país, onde mais de 2 milhões de pessoas deixaram suas casas, é com a situação em campos de refugiados. “Os campos estão lotados, muitas vezes não há acesso a água e os serviços sanitários são escassos, uma condição muito favorável para a propagação do vírus.”
Adam ressalta que a situação também é ruim na África Ocidental. “É uma região mais acostumada a lidar com epidemias, pois foi onde surgiu o ebola. A falta de estrutura não será totalmente compensada, mas facilitada, em parte, pela experiência da população e pela mobilização da sociedade civil, que realiza trabalhos voluntários em comunidades rurais, por exemplo.”
Startups ajudam a ampliar oferta de comida
O jovem Emeka Nwachinemere cresceu na zona rural da Nigéria vendo a avó lutar para sobreviver produzindo alimentos com tecnologia precária e ganhando pouco após a colheita. Sem estrutura para armazenar, era obrigada a vender pelo quanto queriam pagar. Assim como ela, milhões de pequenos agricultores no continente de 1,2 bilhão de habitantes enfrentam dificuldades para produzir melhor e aumentar sua renda.
“Eu via minha avó trabalhar tão duro e conseguir tão pouco, sempre tínhamos de sobreviver de pequenas rendas e éramos explorados pelos intermediários na tentativa de vender as colheitas”, disse Emeka.
O tempo passou, ele cursou engenharia mecânica e criou uma plataforma que faz análises das condições específicas de cada produtor e depois fornece um pacote de insumos adequados – sementes, fertilizantes e agroquímicos. Por fim, facilita a conexão com compradores, sem custo extra.
“Ao fornecer aos agricultores insumos específicos para o solo e as culturas, permitimos que eles cultivem com mais precisão, o que aumenta o rendimento e garante maior produção, aumentando a renda”, explica o criador da Kitovu, startup de agricultura que hoje atende 7.450 agricultores na Nigéria. Em 2021, ele e seu time de sete pessoas pretendem triplicar o número de clientes.
A empresa nigeriana é parte de um movimento maior para elevar a digitalização da agricultura no continente de 54 países que, somados, têm seis vezes a população do Brasil. Nações como Nigéria, Costa do Marfim, Ruanda, África do Sul, Quênia e Gana são palco de uma revolução digital que vê surgirem empresas em áreas tão distintas como o acesso a recursos para pequenos agricultores, monitoramento de pragas com drones e conexão de produtores e compradores.
A avaliação desses empreendedores e de especialistas locais é que milhões de pequenos agricultores produzem muito abaixo de seu potencial em razão da falta de conhecimento. A estimativa é que haja 800 milhões de africanos vivendo na zona rural.
“Antes, a imagem que a agricultura evocava era a da pobreza, do desânimo e do fracasso. Não era uma opção de carreira para ninguém”, explica Emeka. “Mas isso está mudando à medida que os jovens mais instruídos entram na agricultura.”
A nova geração adota boas práticas, melhor manejo pós-colheita, reduz perdas e usa tecnologias. “Quando essa transformação acontecer, a agricultura da África vai ser transformada e o continente poderá se tornar o centro alimentar do mundo.”
Segundo um estudo de 2019, havia 390 soluções de agricultura digital em todo o continente – 60% delas lançadas nos últimos três anos. Elas abarcam cinco áreas principais: serviços de orientação e recomendação, conexão com mercados, acesso a recursos financeiros, gerenciamento da cadeia de produção e agricultura de precisão de uma forma mais ampla. A África é considerada a última fronteira agrícola do planeta.
Quênia
O economista Michael Kremer, Nobel de Economia em 2019, fundou a ONG Agricultura de Precisão para o Desenvolvimento (PAD), que aumenta o acesso à informação para 3,6 milhões de agricultores em 8 países. Ela tem forte atuação no Quênia, onde meio milhão de produtores recebem informações técnicas personalizadas, com linguagem simples nos celulares. O país tem 51 milhões de habitantes e é um dos que mais crescem na África. O custo por produtor foi de US$ 1,46 por ano. A ONG atua em parceria com o governo local e o One Acre Fund, organização internacional que viabiliza acesso a finanças e assistência técnica.
“A proliferação de telefones celulares entre as comunidades mais pobres e remotas dos pequenos agricultores é uma oportunidade notável de fornecer informações adequadas às necessidades deles”, disse Emmanuel Bakirdjian, diretor regional da África para a PAD.
Também no Quênia, a startup Twiga Foods permite que compradores e produtores de alimentos realizem negociações diretas e organizem entregas pelo celular. A empresa tem uma frota de veículos que busca a colheita e distribui por pontos de venda. O modelo de negócio permite estabilizar os preços – tanto os recebidos pelos produtores quanto os pagos pelos consumidores – e garante a padronização, agilidade e maior segurança dos alimentos. A Twiga Foods atende 17 mil produtores rurais e 8 mil vendedores no país.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fernanda Simas e Paulo Beraldo
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