A China oferece três riscos para o investidor brasileiro. Oscilando entre o primeiro e o segundo lugar entre os parceiros comerciais do Brasil, ela é crucial para nossa economia. O que acontece por lá afeta drasticamente nossas exportações de commodities, em especial soja e minério de ferro. Mas, o que está acontecendo por lá? Com um governo pouco transparente, sem imprensa livre nem oposição, a China é, frequentemente, uma incógnita e seus movimentos políticos e econômicos podem ter consequências imprevisíveis para o mercado por aqui.
Como diz Warren Buffett, “seu maior risco é você não conhecer os riscos que está correndo”. Por isso, o Mercado News preparou um mapa dos riscos chineses que podem afetar os preços dos ativos financeiros brasileiros e internacionais.
Risco 1) Acordo comercial com os Estados Unidos
As economias chinesa e americana estão ligadas de maneira umbilical. Por isso, a eleição de Donald Trump em 2016 provocou tanta turbulência dos dois lados do Pacífico. A bandeira de campanha de Trump (que continuará valendo em uma eventual reeleição) foi dar mais vantagens aos trabalhadores americanos, tornando mais difícil para a China exportar para os Estados Unidos. Essa guerra comercial gerou turbulência nos mercados durante todo o ano de 2019, e o resultado da primeira fase do acordo garantiu que os chineses vão comprar mais produtos agrícolas americanos, tirando mercado das commodities brasileiras.
A China é não apenas o maior fornecedor de produtos para os Estados Unidos como um de seus maiores credores. Em março deste ano, dado mais recente disponível, a dívida pública mobiliária americana era de 23,4 trilhões de dólares. Desse total, 1,1 trilhão de dólares, quase 5 por cento, estava nas mãos do governo e dos investidores chineses. Se resolver reduzir essa posição em dívida, a China pode provocar uma turbulência enorme no mercado, derrubando os preços dos títulos do Tesouro americano e elevando os juros, algo mortal em um momento de desaceleração econômica como o atual. Isso e pouco provável, mas vale lembrar que as decisões em Pequim não são previsíveis.
Porque isso faz a China oferecer um risco para o Brasil – A retórica agressiva e a imprevisibilidade de Trump podem provocar novas turbulências, à medida que se aproxima a eleição, prevista para novembro. Por isso, o duramente negociado acordo pode ser alterado e revisto, com um impacto muito grande para as demais economias, em especial a brasileira.
2) Tensão em Hong Kong
Na semana passada, o governo da região semiautônoma de Hong Kong proibiu a transmissão do mais antigo programa humorístico na televisão local. A censura (pois esse é o nome) veio após o programa ter ironizado a polícia local. Em termos práticos, isso não tem nenhuma importância, exceto para os atores e profissionais que atuam atrás das câmeras. Em termos simbólicos, a medida mostra que as coisas mudaram e vão mudar ainda mais.
Para entender isso, vamos para um breve relato histórico. Hong Kong era uma das principais cidades chinesas no Século XIX. No entanto, o império chinês foi atacado várias vezes pelos ingleses, na primeira e na segunda Guerras do Ópio. Os ingleses atacaram militarmente a China para poder vender lá o ópio que produziam na Índia. Além disso, os britânicos exigiram o controle de Hong Kong, principal porto comercial chinês, na foz do Rio Pérola. A extensão do território cresceu ao longo do Século XIX e chegou às proporções atuais. Em um acordo em 1898, os ingleses obtiveram o direito de dominar o território até 1997.
Nesse longo período, duas coisas ocorreram. Após a revolução comunista de 1949, a China manteve boas relações com Hong Kong. Interessava a Pequim manter uma interface com a economia capitalista. Após 1997, a China garantiu que haveria “um país, dois sistemas”. Em Hong Kong uma dinâmica economia de mercado, no restante da China a gradual migração do comunismo para um capitalismo parcialmente estatal, mas com uma grande participação da iniciativa privada.
No entanto, sempre pensando no longo prazo, os chineses resolveram fazer sua Hong Kong particular. Nos anos 1980, do outro lado do delta do Rio Pérola, em uma aldeia de pescadores, Pequim começou as obras em Shenzen, que se tornou a segunda cidade em termos econômicos, perdendo apenas para Xangai. Assim, em 1997, quando Hong Kong voltou a ser chinesa, ela havia se tornado menos necessária nas relações econômicas entre a China e o resto do mundo.
Agora, quase 25 anos após a reanexação, a tese de “um país, dois sistemas” vem perdendo a validade. Para Pequim, ter uma democracia representativa com liberdade de imprensa em seu território é intolerável. Por isso, o governo chinês está, aos poucos, apertando os parafusos e reduzindo as liberdades de Hong Kong. É questão de tempo para que a autonomia da região deixe de existir.
Porque isso faz a China oferecer um risco para o Brasil – Em uma estimativa conservadora, Hong Kong é uma praça financeira com um trilhão de dólares em ativos financeiros, boa parte deles chineses. Um endurecimento do governo vai provocar uma fuga desses ativos para praças mais seguras, gerando fortes ondas de instabilidade no mercado.
3) Disputa com a Índia
Provavelmente você nunca ouviu falar da Caxemira, ou Kashmir. É uma região no extremo norte da Índia. Local com milênios de história, a Caxemira foi um dos primeiros locais de desenvolvimento do budismo, ainda no século IV antes de Cristo. Ao longo dos séculos, a região foi dominada por indianos, mongóis e afegãos, estes muçulmanos. No Século XIX a Índia caiu sob domínio britânico até sua independência, em 1947.
Durante o processo de independência da Índia, hinduístas e muçulmanos resolveram que a melhor maneira de resolver as diferenças inconciliáveis era que cada grupo tivesse seu próprio país. Assim, os hinduístas permaneceram na e os muçulmanos formaram o Paquistão. Dizer que o divórcio foi litigioso é pouco. A separação teve direito a migrações de milhões de pessoas, massacres e limpezas étnicas de ambos os lados. Como resultado, hoje os dois países têm algo em comum: indicadores sociais ruins, armas nucleares e um profundo desapreço mútuo, muito usado por políticos populistas – também abundantes dos dois lados da fronteira.
A Caxemira ficou dividida entre os dois países. Indianos ficam com 100 mil quilômetros quadrados do território e paquistaneses com 85 mil quilômetros quadrados. A mistura entre divergências religiosas, rancores do passado e retórica incendiária dos políticos já seria o suficiente para dar trabalho. No entanto, nos anos 1950, a República Popular da China aproveitou a confusão entre indianos e paquistaneses para ocupar militarmente 33 mil quilômetros quadrados da Caxemira, onde permanece até hoje. Além da proximidade com a Índia, a Caxemira é vizinha do Tibete, que foi ocupado militarmente pelos chineses
Índia e China foram à guerra três vezes no século passado – em 1926, em 1962 e em 1987. Os conflitos têm sido restritos a pequenas encrencas fronteiriças. No mais recente, ocorrido nesta semana, soldados indianos e chineses brigaram usando pedras, barras de ferro e bambus com pregos. O governo da Índia confirmou a morte de 20 de seus soldados. Pequim não forneceu nenhuma informação.
Porque isso faz a China oferecer um risco para o Brasil – A China tem o maior exército do mundo, armas nucleares e poucos pruridos em usar seu poder militar. A Índia tem um exército muito menor, mas também tem armas nucleares e disposição para usá-las se a tensão aumentar. Apesar de ser pouco provável um amplo conflito armado entre os dois países, a tensão decorrente pode prejudicar ainda mais a economia nesses que são dois agentes importantes.
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