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Ortega reaparece após 34 dias e diz que ‘Nicarágua não pode parar’

A Nicarágua é um dos poucos lugares do mundo onde ainda é possível fazer compras, levar as crianças às escolas, pegar um ônibus e ver um jogo de futebol. Não há isolamento social no país de 6 milhões de pessoas por decisão de seu presidente, Daniel Ortega, um ex-guerrilheiro que criou seu próprio regime na América Central. Ele governou o país de 1985 a 1990. Voltou ao cargo em 2006 e foi reeleito em 2011 e 2016, em eleição contestada pela oposição e pela comunidade internacional.

Oficialmente, a Nicarágua registra nove casos confirmados de covid-19 e uma morte. “A única coisa que podemos concluir é que estão jogando uma roleta russa com a população da Nicarágua, apostando na imunidade de grupo ou acreditando que se pode ocultar o verdadeiro impacto do coronavírus”, afirmou o engenheiro Félix Maradiaga, membro da plataforma de oposição Unidad Nacional.

Além de o governo de Ortega não tomar medidas para conter a disseminação do vírus, como em outros lugares do mundo, Maradiaga relata que as autoridades nicaraguenses estão promovendo ações que provocam aglomerações, como carnavais, festas e eventos políticos. “São medidas que promovem a propagação do vírus.”

A avaliação da oposição, que ouviu médicos e epidemiologistas, é que o país está na fase de incubação do vírus e os casos aumentarão nos próximos dias. “Há grande probabilidade de que haja uma explosão”, explica Maradiaga. “Mas ainda estamos em tempo de achatar essa curva de contágio por meio de uma quarentena e insistir que o Estado tome medidas de prevenção. Hoje não há dados confiáveis nem transparência pública.”

Após ficar 34 dias desaparecido e ter levantado rumores sobre sua saúde, Ortega reapareceu na quinta-feira e manteve sua posição, afirmando que a Nicarágua “não pode parar”. “Se deixarmos de trabalhar, o país morre. O importante aqui é que se continuou trabalhando, respeitando as normas e com a disciplina que vai ditando o sistema de saúde.”

As declarações do presidente contrariam a Organização Mundial da Saúde (OMS), que orientou a redução da circulação de pessoas para conter a disseminação do vírus, que já infectou mais de 2,1 milhões de pessoas no mundo inteiro. “O que acontece na Nicarágua vai além de qualquer distopia. Ortega acredita que não existe problema e não há qualquer preparativo para enfrentar a pandemia”, afirma o escritor Sergio Ramírez, de 77 anos, que já foi próximo do presidente. “Ele está desafiando alguma coisa que não compreende. Está fazendo tudo ao contrário e provocando deliberadamente o contágio.”

O governo alega que os casos de covid-19 são “importados” e não há motivos para mudar a rotina, fechar o comércio ou cancelar as aulas – embora os netos de Ortega tenham sumido do Colegio Alemán Nicaraguense, da capital Manágua, desde que a pandemia começou.

Para o comerciante Arturo, que vive em Manágua e pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome por medo de retaliação do governo, o resumo é que as pessoas decidiram se cuidar por conta própria. Ele diz ter certeza que há mais casos no país, mas o governo não divulga.

“Quanto mais alta a renda, maior o cuidado. O setor informal trabalha normalmente”, disse. Segundo ele, na capital e nas maiores cidades da Nicarágua, há cuidados como lavar as mãos com água e sabão, mas no campo e nas regiões mais afastadas, a preocupação com o vírus nem sempre faz parte da rotina.

No país vivem também brasileiros, entre eles jogadores de futebol que são dos poucos no mundo a não parar em razão do surto. “Aqui na Nicarágua está tranquilo. A vida está normal, como se fosse antes da pandemia. Tem poucos casos da doença e só uma morte. Somos privilegiados, pois podemos continuar jogando futebol”, disse o brasileiro Christiano Fernandes, de 34 anos, que atua pelo Manágua, principal time do país, e mora há quatro anos na Nicarágua.

A brasileira Bruna Bessa, que foi fazer um mochilão pela América Central e “ficou presa” na Nicarágua também tem a sensação de que o ritmo de vida não mudou. Ela está na região de Popoyo, 100 quilômetros ao sul de Manágua, onde chegou após viajar por El Salvador e Costa Rica.

“No dia 14, fecharam as fronteiras e o preço dos voos começou a aumentar muito. Minha ideia era pegar um voo da Costa Rica e voltar para o Brasil usando milhas, mas não tinha voo direto da Nicarágua”, relata. Bruna quer voltar, mas não consegue. Além da questão financeira, todos os aeroportos onde ela poderia tomar uma conexão estão fechados.

A brasileira vem trabalhando em troca de moradia em um albergue no litoral. “Vim com muito pouco dinheiro, não contava com isso e nunca esperei que fosse fechar tudo.” Bruna diz que os restaurantes estão abertos, ninguém usa máscara e as pessoas têm certeza de que a pandemia nunca vai chegar. “A informação é muito pouca.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Paulo Beraldo, Rodrigo Turrer e Ciro Campos

Estadão Conteúdo

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