A maior parte do mundo tomou medidas para conter o coronavírus. Alguns países, porém, ignoram a pandemia. Na semana passada, a revista The Economist colocou Jair Bolsonaro ao lado de Alexander Lukashenko, que está há 26 anos no poder na Bielo-Rússia, do ditador do Turcomenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov, e de Daniel Ortega, presidente da Nicarágua. Segundo a publicação, eles não levam o vírus a sério.
Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, apelidou o grupo de “Aliança do Avestruz”, em referência ao mito de que o bicho enterra a cabeça na terra quando enfrenta perigo. Além dos riscos à saúde pública, a negação acarreta custos políticos. A dissidência na Nicarágua está fervilhando. Pela primeira vez em duas décadas, o presidente bielo-russo vem sendo criticado no país. A oposição no Turcomenistão, quase toda no exílio, também aumentou as críticas ao presidente.
Na Nicarágua, o comércio funciona, as crianças continuam frequentando as aulas e a bola segue rolando no campeonato nacional de futebol. Ortega esteve sumido por 34 dias, mas reapareceu na quinta-feira e disse que o vírus é um “sinal de Deus”. “Declarar quarentena é uma medida alarmante e extremista”, disse o presidente, que não explicou o que pretende fazer com os 28 mil kits de testes doados pelo Banco Centro-Americano de Integração Econômica – epidemiologistas dizem que o número de casos positivos não cresce, pois simplesmente não se testa ninguém no país.
O mesmo filme se repete na Bielo-Rússia, governada por Lukachenko, que chamou a pandemia de “psicose” e decretou que ninguém morrerá de covid-19 sob o seu comando. “Declaro isso publicamente”, disse o autocrata, no dia 13, quando autoridades sanitárias já contabilizavam 29 mortes. Contra o vírus, ele recomendou à população sauna e 50 mililitros de vodca por dia.
No Turcomenistão, o presidente também promove uma solução inusitada. Berdymukhamedov determinou que seus ministros usem a fumaça de uma erva chamada “harmala”, um alcaloide, para matar os “vírus invisíveis aos olhos”. Nos próximos dias, além da Nicarágua, o Estado mostra como a pandemia está sendo tratada pelos líderes colocados pela Economist entre os mais negacionistas do mundo.
4 PERGUNTAS PARA…
Oliver Stuenkel,
professor da FGV
1.De onde vem o termo Aliança do Avestruz?
Existe o mito de que o avestruz coloca a cabeça na areia ante uma ameaça. Quis dizer com essa metáfora que Brasil, Turcomenistão, Nicarágua e Bielo-Rússia negam a ameaça do coronavírus. Mesmo se eles mudarem de posição no futuro, aumentou o número de pessoas que vão acreditar que o vírus não é uma ameaça séria. E realmente chama atenção: são três ditaduras e o Brasil. É um grupo inusitado.
2.Quais as consequências disso para a imagem do Brasil no exterior?
Estamos falando da maior ameaça à humanidade neste momento e você tem quatro líderes que insistem em minimizar o problema. Os outros países já tinham essa imagem, eles já têm uma longa história de decisões bizarras.
3.O sr. pode detalhar um pouco cada um deles?
O Turcomenistão é um país muito bizarro, sempre surgem notícias absurdas de lá. Que decidiu mudar os nomes do dia da semana, que um dentista vira ministro. É um dos países mais fechados do mundo. A Bielo-Rússia é a única ditadura da Europa, tem censura, não tem liberdade. É também um país fechado, onde o presidente é uma espécie de líder da União Soviética (Aleksandr Lukachenko está no poder desde 1994). Um país que pouquíssimas pessoas conhecem. Na Nicarágua, Daniel Ortega é uma pessoa que lutou contra a ditadura e fez sua própria ditadura, reprimiu duramente manifestações contra ele. Internacionalmente, é a imagem de uma república de bananas.
4. O que mais chama a atenção da comunidade internacional?
No passado, o Brasil liderou a batalha contra o HIV no mundo em desenvolvimento. Trabalhou com África do Sul e Índia para quebrar as patentes, foi fundamental e ganhou a fama de ser um país líder em saúde pública. Tem o Sistema Único de Saúde (SUS), muito reconhecido em países em desenvolvimento. A medicina e a saúde pública do Brasil têm reconhecimento e admiração internacionais. Para o Brasil, ser incluído nesse grupo é uma quebra de paradigma muito grande.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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