O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta semana a mais antiga ação em tramitação na Corte, que estava à espera de uma decisão havia mais de 50 anos. Iniciada em abril de 1968 pela União contra o Estado de São Paulo, a ação envolvia uma disputa de terras em Iperó (a 125 km da capital). As duas partes se diziam donas de 155,72 alqueires de terrenos vizinhos à antiga Fazenda Ipanema, onde funcionou a Real Fábrica de Ferro durante o período imperial. A sentença foi dada anteontem, 51 anos e 11 meses após o início do processo, por unanimidade, em favor do Estado de São Paulo.
Os ministros negaram o pedido da União, que buscava anexar terras dos atuais bairros Villeta e Alvorada ao patrimônio federal da Fazenda Ipanema, atual Floresta Nacional de Ipanema. O julgamento é definitivo e possibilitará que a prefeitura de Iperó regularize a situação de 20 mil pessoas que vivem atualmente na área.
A ação foi ajuizada com o objetivo de obter a anulação de títulos de domínio expedidos pelo governo paulista. A União alegava que a área, conhecida anteriormente como “Campos Realengos, Reinóis ou Nacionais” era de sua propriedade. O terreno teria sido anexado em 1872, por “ordem do Presidente da Província de São Paulo” para ampliar a área florestal e atender a demanda da Fábrica de Ferro por combustível da fundição.
A Ação Cível Ordinária (ACO) 158 havia sido proposta ainda durante o regime militar, depois que a Justiça paulista se julgou incompetente para analisar o caso. Na época, o Estado de São Paulo considerava aquelas terras devolutas, sem destinação pelo poder público, e concedeu títulos aos posseiros que já estavam na área. O governo federal interveio, alegando que se tratavam de terras da União.
O argumento se baseou em registros de uma visita feita pelo imperador D. Pedro II à Real Fábrica, ao completar a maioridade, em julho de 1840. Na ocasião, ele pediu à então Província de São Paulo que as terras do chamado Campos do Realengo fossem anexadas à fazenda do império. Com a alegação de competência federal para o feito, a tramitação do processo já começou no Supremo. Desde então, a disputa das terras gerou um processo com 16 volumes, quatro anexos e um total de 1,6 mil páginas. Houve várias tentativas de conciliação, sem resultados.
No ano passado, a ministra Rosa Weber, do Supremo, chegou a falar sobre a necessidade de dar solução “à mais antiga ação em trâmite nesta Corte”. Relatora da ação, a ministra afirmou que a União não demonstrou domínio sobre as terras. “O que era inicialmente terra doada a poucas pessoas, hoje constitui grande bairro povoado onde as famílias fixaram suas residências, construíram prédios, enfim, área que foi humanizada ao longo do tempo, alicerçada na presunção de boa-fé dos réus e terceiros eventualmente atingidos”, disse.
Em seu voto, a ministra observou que, desde a Constituição de 1891, as terras devolutas, com exceção daquelas indispensáveis à preservação ambiental e à defesa das fronteiras, das construções militares e das vias federais de comunicação, pertencem aos Estados.
Provas
A ministra entendeu que a União não provou que adquiriu as terras em questão antes da Constituição de 1891, por meio de compra ou anexação, para uso específico da atividade siderúrgica desenvolvida na Fazenda Ipanema. E nem que as terras eram úteis quando da entrada em vigor da Constituição de 1891. Além disso, Rosa indicou que a União não individualizou a área sobre a qual alega ter posse, para se saber se coincide com as terras quanto às quais o Estado de São Paulo expediu os títulos em questão.
Ao finalizar seu voto, Rosa destacou que as leis brasileiras passaram por diversas transformações durante o período de tramitação da ação, pontuando que o processo foi permeado pela insegurança jurídica. “Não obstante a desgastante condução deste processo nesta tortuosa evolução legislativa, cuja delonga refletiu também sua complexidade, possibilitou-se, ao final, chegar a bom termo e concluir, de forma segura, pela improcedência da ação”. Nessa linha, a ministra destacou a importância da preservação da segurança jurídica, em especial por que “há pessoas por trás dos autos”. “O que era inicialmente terra doada a poucas pessoas, hoje constitui grande bairro povoado, onde famílias fixaram suas residências, construíram prédios, enfim, a área foi urbanizada”.
Rosa ainda determinou à Secretaria da Corte que enviasse as cópias dos autos para o Museu Histórico de Sorocaba e para as prefeituras de Sorocaba e Iperó, para registro cultural e histórico, tendo em vista o “robusto acervo histórico e documental coligido” no decorrer do processo.
Títulos
A decisão, em sessão quase sem público devido à pandemia do coronavírus, foi unânime. Com isso, os títulos expedidos pelo governo de São Paulo para os moradores daquela porção da Fazenda Ipanema tornam-se válidos.
O advogado das famílias, Solano Camargo, disse que a regularização vai permitir que os moradores obtenham os títulos das propriedades e possam investir nos imóveis. “Embora a administração atual tenha realizado melhorias na região, ainda faltam escolas, unidades de saúde e pavimentação.” A prefeitura de Iperó informou que vinha lutando pela definição do processo para poder levar infraestrutura à área com segurança jurídica. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Pepita Ortega e José Maria Tomazela
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