Apresentado pelos partidos como uma “vacina ética” para evitar danos decorrentes da repercussão da Operação Lava Jato, o compliance até hoje não saiu do papel nas legendas que prometeram criar mecanismos de transparência e cumprimento de normas similares aos adotados por grandes empresas.
Todas as siglas terão de correr contra o relógio caso o Congresso aprove um projeto de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que obriga partidos políticos a cumprir uma série de normas para aumentar a transparência e evitar atos de corrupção. O PLS 429/2017, que altera a Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096, de 1995) para submeter seus representantes a programas de compliance, já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e desde 16 de janeiro está pronto para ser votado em plenário.
Entre 2017 e 2019, o MDB, PT, PSDB, PDT, Podemos e PSL anunciaram que contratariam empresas ou entidades para implantar os sistemas de transparência usados no mundo corporativo. A XV Convenção Nacional do PSDB, que aconteceu ano passado em Brasília, referendou o novo Código de Ética e definiu normas de integridade e conformidade (compliance), mas ainda não há um sistema operacional. “São etapas que estão sendo cumpridas. Devemos estar com ele maduro ao longo dos próximos 18 meses. Estamos numa fase preparatória. Em alguns meses teremos uma consultoria conduzindo. É tudo novo para cultura de partido político, mas demos os primeiros passos”, disse o ex-deputado Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB.
O compliance foi tema de intensos debates nas disputas internas que marcaram a sucessão de Aécio Neves no comando do partido. Quando disputou a presidência da legenda, o senador Tasso Jereissati (CE) defendeu como plataforma de campanha um código de ética mais rigoroso e um estatuto que contemple adoção do sistema de compliance para fiscalização interna do partido e seus integrantes.
No caso do PT, o projeto de compliance foi aprovado pelo Diretório Nacional em 2018, mas ainda não entrou em funcionamento. Segundo a assessoria da sigla, o sistema será implementado esse ano.
Já no Podemos, que também prometeu adotar um sistema, a presidente do partido, deputada Renata Abreu, disse que ele tem uma secretaria dedicada para esse tema, mas o senador Álvaro Dias (PR), que disputou a presidência da República pelo partido, afirmou que ainda não há um mecanismo em funcionamento. “Ainda há um grupo discutindo isso no partido. Vamos tratar dessa questão”, disse o parlamentar, que se diz favorável ao projeto de Anastasia. O partido informou que o custo de adoção do sistema será de R$ 220 mil e custeio de manutenção para 2020 de R$ 180 mil.
Racha
A falta de um instrumento de compliance foi usado como munição na guerra interna do PSL entre o presidente Jair Bolsonaro e o grupo do deputado Luciano Bivar. Em julho de 2019, o presidente se reuniu com Bivar, presidente do PSL, para definir como a sigla adotaria o mecanismo. Tempos depois, Bolsonaro cobrou “transparência” nas contas da legenda.
Procurada, a direção da sigla não respondeu à reportagem sobre o assunto, mas parlamentares do PSL dizem desconhecer a existência de mecanismos de transparência. No site do partido, porém, há um canal com a prestação de contas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a relação de empregados da legenda. Mas a lista não específica o cargo nem o salário de cada funcionário. Uma reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que, ainda com Bolsonaro, PSL usou verba pública com carros e restaurantes de luxo
Já o presidente do PDT, Carlos Lupi, disse que o partido contratou uma empresa para fazer o compliance e que ele estará pronto em dois meses. O MDB anuncia desde novembro de 2017 a intenção de adotar compliance. Nas convenções daquele ano – quando formalizou a mudança do nome de PMDB para MDB -, fez alterações em seu estatuto de forma a mudar a escrituração contábil. Apesar disso, o projeto de compliance não saiu do papel. Desde que a nova executiva assumiu, em outubro, o partido voltou a falar que pretende apresentar um plano de compliance, mas não informou que fim levou o plano anterior.
Há entre os dirigentes partidários focos de resistência aos projetos que obrigam os partidos a elaborar sistemas de integridade e transparência. “O compliance virou uma moda, mas não é determinante. Não tivemos em 30 anos nenhuma conta partidária negada. Nunca existiram tantos órgãos de controle no Brasil”, afirmou Carlos Siqueira, presidente do PSB.
Certificação
É preciso ter certificação para que o programa de compliance dos partidos políticos não seja apenas para inglês ver. É o que defende Rodrigo Brandão, diretor executivo da Associação Brasileira de Integridade, Ética e Compliance (Abraecom). Leia abaixo entrevista por ele ao jornal O Estado de S. Paulo.
Acredita que a dinâmica dos partidos políticos é compatível com o modelo de compliance das empresas?
Se a sua dúvida é: o modelo de compliance das empresas privadas seria aplicável aos partidos políticos? A resposta é sim. Isso ocorre pois a estrutura de gestão dos partidos é semelhante à estrutura das empresas, fato este que viabilizaria a implementação de um programa de compliance. Entendo, inclusive, que esse eventual programa de compliance poderia ser certificado, assim como ocorre hoje em alguns órgãos da administração pública direta, como o Governo do Estado do Paraná, por exemplo.
Qual importância para os partidos de ter o certificado de compliance?
Em minha opinião, seria fundamental! E isso porque a certificação significa duas coisas: que o partido terá um programa de compliance de verdade, e não algo “para inglês ver”, já que a certificação indicará que houve uma implementação real não só das políticas de compliance, mas também dos mecanismos e controle internos necessários para viabilizar o monitoramento. Em segundo lugar, porque para manter a certificação, o partido passará periodicamente por nova auditoria, que verificará se o programa de compliance continua efetivo, trazendo transparência para o processo, perante a sociedade.
Alguns dirigentes dizem que o compliance custa caro. Como funciona esse processo? É caro?
Sim, custa caro. Um programa de compliance certificável pelas normas internacionais ISO, ou pela própria Controladoria Geral da União, vai custar caro pela quantidade de providências para torná-lo efetivo. Por exemplo: terá de ser criada ou identificada um área responsável por monitorar o programa de compliance. Terá de ser criada uma campanha e mecanismos de comunicação institucional (site, folders, trilhas de conhecimento, aplicativos, etc.). Terá de ser criado um canal de denúncia efetivo, que garanta sigilo, apuração correta da denúncia, tratamento adequado e devolução. O treinamento deve ser estendido ao maior número de pessoas possível, envolvidas com o partido. Devem ser implantados controles internos e mecanismos de monitoramento. Ou seja, tudo isso tem custo elevado.
Como avalia o projeto do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) para obrigar os partidos e terem compliance? Os partidos estão preparados para isso?
A atual versão do PL do Senador Anastasia melhorou bastante em relação à sua versão anterior, na medida em que agora traz penalidades aos partidos caso estes não venham a adotar e aplicar um programa de compliance efetivo. O projeto ainda carece, todavia, de algo fundamental: ele apenas pune os partidos em razão da falta de efetividade ou da inexistência de um programa de integridade, não imputando a eles, todavia, responsabilidade objetiva caso seus membros, representantes, funcionários ou afiliados venham a praticar atos de corrupção, assim como acontece hoje com as empresas privadas, em virtude da Lei Anticorrupção brasileira.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Pedro Venceslau e Paula Reverbel
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