Wendel Lutz bufa e permanece alguns segundos com olhar vago, enquanto toma fôlego para descrever como foram os últimos anos em sua fazenda, na área rural de Champaign, no Estado de Illinois. “Esses bons resultados da economia? Não estão aqui”, começa. Ele foi um dos eleitores de Donald Trump, em 2016. Para 2020, diz que seu voto está indefinido, apesar de dar todos os sinais de concordar com a plataforma do presidente.
Terceira geração de fazendeiros da família, Lutz mora com a irmã nas casas da propriedade comprada por seus avós. Assim como ele, os fazendeiros americanos foram castigados em dois anos de guerra comercial travada pela Casa Branca com a China. O preço da soja despencou e as exportações do grão para os chineses, que compram um terço da produção americana, também.
É difícil encontrar quem esteja feliz com a situação econômica entre os produtores de grãos. Com queda média de 10% na receita dos fazendeiros no ano passado, o apoio a Trump aparece tímido nas conversas no setor rural, mas continua presente.
O índice de aprovação do presidente americano em zonas rurais nunca esteve abaixo dos 50% (o menor foi de 52%, em maio de 2019). Segundo uma pesquisa do Instituto Gallup do começo do ano, 60% dos moradores de zonas rurais aprovam o governo Trump – ante 42% das zonas urbanas.
Os americanos figuram entre os maiores exportadores de grãos no comércio global. O censo de 2010 apontava que 60 milhões de americanos, 20% da população, vivia em áreas rurais, estando a maioria ao leste do Rio Mississippi, que corta o país de norte a sul e divide os Estados de Illinois e Iowa.
Juntos, os dois Estados produzem um terço de toda a safra de milho do país e estão no topo da produção de soja. Os grãos, e o gado, são as principais produções das fazendas americanas, que em sua maioria (87%) são tocadas por famílias.
Da fazenda de 200 hectares onde produz soja e milho, Lutz ecoa insatisfação com as recentes perdas, mas diz que a situação já vinha se deteriorando antes da guerra de tarifas com Pequim. “Eu ouvi muitas histórias de pessoas tentando pagar alugueis mais baixos, e muitos não conseguem. Pegue qualquer setor da economia, ganhe apenas 70% do que você ganhava e tente pagar as suas contas do mesmo jeito”, diz Lutz.
Durante a conversa, o fazendeiro mostra desconfiança dos chineses, critica a qualidade dos grãos produzidos na América do Sul, fala de problemas com aumento das chuvas mas minimiza a crise climática. Para ele, “só uma peste mundial” esvaziaria os armazéns a ponto de atrair a atenção do mundo para a importância das safras.
Na outra margem
Dave Walton está entre os fazendeiros que ficam do lado oeste do rio, em Iowa. Ele diz que seu voto na eleição em 2020 “ainda está em disputa”. “Sou registrado como eleitor independente, voto no melhor candidato, independentemente de partido”, afirma, no início da conversa sobre política.
Ele é a quarta geração de fazendeiros de sua família. O terreno onde cultiva soja, milho e cria gado foi comprado por seu bisavô, em 1901. O pai, que nasceu e cresceu ali, ainda mora na propriedade. Walton e a família vivem em uma casa a 3 quilômetros de distância.
Mas não demora muito para que o fazendeiro mostre sua preferência: “Há coisas das quais posso discordar de Trump, mas ele merece crédito por ter feito a campanha eleitoral dizendo que levaria adiante algumas questões, como a da China. Talvez não tenha sido a abordagem mais fácil para nós pessoalmente, mas é preciso dizer: ele enfrenta alguns temas que outros políticos não encaram”.
Nos últimos dois anos, Walton viu sua renda familiar cair em ao menos 20% e a produção de grãos, tradicionalmente dividida igualmente entre milho e soja, mudar. A briga com Pequim evoluiu mais rápido do que os fazendeiros esperavam, com a escalada de tarifas de ambos os lados. O valor de produtos agrícolas exportados para a China caiu de US$ 19,5 bilhões em 2017 para US$ 9,2 bilhões em 2018.
Na fazenda de Walton, 60% do terreno passou a ser destinado ao milho e o restante à soja. “Foi muito penoso. Algumas conversas com o banco foram dificílimas. Saímos de um nível de lucro para a beira da falência”, conta. Mas a confiança em Trump permanece. “No longo prazo, estaremos melhores. Era preciso lidar com a China”, afirma.
A fazenda de Dave Walton fica na região de Wilton, uma cidade com pouco menos de 3 mil habitantes que está a 3 horas de carro da capital de Illinois e a 2 horas da capital de Iowa. Do centro urbano mais movimentado de Davenport até a fazenda, são 48 km na estrada cruzando campos cobertos por neve em janeiro e onde, no verão, estão as plantações de grãos.
Trump selou a trégua com os chineses, com a assinatura da primeira fase de um acordo comercial em dezembro, antes de entrar no ano eleitoral. O setor rural foi responsável por boa parte dos votos que o fizeram chegar à Casa Branca. Nas regiões urbanas, Hillary Clinton saiu na frente, mas Trump ganhou 62% dos votos das pequenas cidades rurais dos EUA, enquanto a democrata recebeu 34%. Em 2020, ao menos nestas duas margens do Mississippi, o apoio deve continuar.
Distância dos democratas
Na véspera do final de semana de aquecimento das prévias democratas, no começo de fevereiro, em um comício em Iowa, Trump fez uma declaração de amor aos fazendeiros do Estado, pouco depois de fazer uma ameaça: “Se eu não vencer, suas fazendas irão para o inferno”.
O discurso de que ele é o melhor nome para brigar pelos fazendeiros e que o cenário pode se deteriorar caso um dos democratas vença já se espalha no campo. Para Dave Walton, fazendeiro na região de Wilton, em Iowa, candidatos democratas podem demonstrar fraqueza na negociação com os chineses e impor um revés nas negociações.
“Temos que ser cuidadosos com o candidato que escolhemos. Esses acordos comerciais ainda não estão completos. Se tivermos uma mudança e o próximo governo for muito flexível no comércio ou fraco na política externa, nós definitivamente podemos sofrer”, diz.
Não é apenas a questão comercial que afasta os fazendeiros dos candidatos democratas. Ao citar os problemas que vê em cada um deles, Walton isenta de críticas apenas um dos nomes: o da senadora Amy Klobuchar. Tida como a mais conservadora entre os democratas, ela aparece sempre na lanterna das pesquisas eleitorais, em quinto lugar nas intenções de voto.
“Votei no Trump porque não queria a alternativa a ele em 2016. Essas outras pessoas, eu não sei, o jeito que agem, que se comportam, nenhum deles é muito bom”, afirma Wendel Lutz, fazendeiro de Illinois. Ambos receberam pagamentos do governo, na verba injetada no setor rural afetado diretamente pela guerra comercial, mas afirmam que o dinheiro não foi suficiente para repor as perdas.
“Muitas das pessoas com quem converso olham para Joe Biden da mesma forma que olhavam para Hillary Clinton. Ele esteve no governo por anos, não é o candidato que vai mudar as coisas, porque se fosse já teria feito”, afirma Walton.
Se em Biden o problema é ser parte do establishment, Pete Buttigieg, para o fazendeiro, não mostrou experiência suficiente. “Não estou seguro sobre sua experiência”, afirma Walton. “Ele era um prefeito. Daremos uma chance a ele para ser líder não só do nosso país, mas um líder mundial, com tão pouca experiência?”, questiona.
No lado do espectro progressista, composto por Sanders e por Elizabeth Warren, fazendeiros apontam um medo: a tributação de renda alta. Parte da plataforma democrata durante as prévias é focada na taxação de bilionários como estratégia para financiar saúde e educação. “Há alguns candidatos no lado democrata que prometem que irão pagar por alguns de seus programas com mais imposto, isso nunca é uma coisa boa. Taxar a renda vai reduzir a renda”, afirma Walton. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Beatriz Bulla, enviada especial
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