Donald Trump chegou à Casa Branca propondo a reorientação radical da relação dos EUA com o mundo, com a diminuição da presença no Oriente Médio e o fim do multilateralismo. Segundo analistas, porém, as decisões de política externa dele têm buscado mais dividendos eleitorais do que resultados concretos.
Uma pesquisa do Pew Research, divulgada seis meses antes da eleição de 2016, mostrava que 57% dos americanos acreditavam que os EUA deveriam “lidar com os próprios problemas e deixar que os outros países lidassem com os deles”. Hoje, a 11 meses de disputar sua reeleição, Trump usa a política externa para ganhar votos, tentando controlar uma narrativa que nem sempre bate com a realidade.
Em comício de campanha, na semana passada, Trump garantiu que os EUA destruíram 100% do Estado Islâmico. O grupo terrorista, no entanto, apesar de ter perdido boa parte de seu território e da morte de seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, em outubro, ainda está ativo e tenta se reagrupar, como reconhecem autoridades do próprio governo americano.
No dia 2, quando a política externa ainda estava distante da campanha eleitoral, Trump autorizou o ataque que matou o general iraniano Qassim Suleimani, em Bagdá, colocando gasolina na fogueira de um Oriente Médio já marcado pela tensão. Uma semana depois, após saber que a retaliação do Irã não havia feito vítimas, ele respirou aliviado e acenou com a paz.
“Trump cria crises, promove uma solução superficial para o problema e depois pede crédito por ter encontrado uma saída. Isso é um padrão. Veremos mais disso neste ano”, disse Hal Brands, da Johns Hopkins School of Advanced International Studies. Nos 9 minutos de fala no qual baixou tom com o Irã, Trump fez ao menos duas afirmações enganosas, três exageradas e uma sem provas, segundo checagem do New York Times.
O republicano comemora a aproximação com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, um feito “histórico” para um presidente americano. Mas há poucos progressos concretos para a desnuclearização da Coreia do Norte. A cada nova rodada de negociações, os diplomatas americanos temem que o presidente ceda além do aconselhado por sua equipe de segurança nacional na busca de um acordo de paz.
Errática, impulsiva, contraditória e inconsistente são as palavras usadas frequentemente pela imprensa para descrever as decisões de política externa de Trump. Em 2016, analistas tinham dificuldade de pontuar os planos do presidente em meio a sua retórica eleitoral.
Com frequência, Trump era definido como alguém que saiu do mercado imobiliário, com uma abordagem de “negociador”, que divide o mundo entre vencedores e perdedores. “Trump é transacional, e não institucional. Ele gosta de criar incerteza, porque acha que isso dá poder e influência”, disse Roberto Zoellick, ex-presidente do Banco Mundial, no Financial Times, durante os primeiros meses de governo. “Trump enfrentará múltiplas crises neste ano”, afirma Brands. “E há uma outra categoria de questões de crises que o presidente tenta ignorar, como a Venezuela.”
Segundo Brands, a crise venezuelana ainda está na agenda da Casa Branca. A disputa eleitoral na Flórida, um Estado crucial para sua reeleição, costumam ser decididas voto a voto. Por isso, o presidente precisa do eleitorado anticastrista e dos retirantes do chavismo – estima-se que haja 200 mil venezuelanos vivendo na Flórida, a maioria nas imediações de Doral, onde Trump tem um resort de golfe. O cenário eleitoral, portanto, explica a retórica agressiva de Trump contra Cuba e Venezuela. Mas a busca pelo voto latino na Flórida é encarniçada e a conta é mais difícil de fechar.
O problema é que ali vivem também 1,2 milhão de porto-riquenhos, de acordo com Fernando Rivera, da University of Central Florida – a maioria detesta o presidente desde a passagem do furacão Maria, em 2017, quando Trump apareceu na ilha e jogou rolos de papel higiênico para a população moribunda. “O instinto de Trump é não se envolver. Mas há duas coisas que podem alterar o cenário: a reeleição, se ele sentir que precisa dos votos da Flórida, ou se a crise venezuelana piorar e (o opositor Juan) Guaidó for preso, por exemplo”, afirma Brands. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Beatriz Bulla, correspondente
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