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Equador tira 36 corpos por dia em casas de Guayaquil, núcleo do surto no país

Com os sistemas hospitalar e de saúde em colapso em razão do coronavírus, as autoridades de Guayaquil, maior cidade equatoriana, retiraram de dentro das casas, na últimas três semanas, 771 corpos – média de 36 por dia. A pandemia fez do Equador, ao lado do Panamá, o país com mais mortes de covid-19 na América Latina: 20 óbitos por 1 milhão de habitantes. O Brasil tem 6 mortos para cada 1 milhão de pessoas.

Segundo Jorge Wated, líder de uma equipe de policiais e militares criada pelo governo diante do caos na cidade, os mortos retirados de residências superam o total de óbitos ocorridos em hospitais no mesmo período, que era de 631 até ontem.

A Província de Guayas concentra 72% dos 7,5 mil casos da covid-19 confirmados desde a primeira notificação do vírus no Equador, em 29 de fevereiro. O número oficial de mortes é 333, mas como faltam testes para comprovar as causas dos óbitos, o presidente equatoriano, Lenín Moreno, já disse considerar que o total seja bem maior.

Apenas em Guayaquil, centro econômico do país, existem 4 mil pacientes com coronavírus. Segundo especialistas, o motivo foi a soma de um sistema de saúde frágil, a demora em adotar o isolamento social e a conexão com a Europa. A cidade tem um fluxo permanente de migrantes pobres que voltam para passar as férias, sobretudo moradores da Espanha. E como capital econômica do país, tem também moradores de alto padrão de vida que viajam à Europa por lazer.

Conforme autoridades de Guayaquil, a situação foi agravada por um toque de recolher de 15 horas diárias em todo o país, causando atraso na liberação de corpos no Instituto Médico Legal e nas funerárias da cidade.

Com as restrições impostas pelo governo, os corpos são sepultados sem o acompanhamento de parentes e amigos e um painel eletrônico mostra onde cada pessoa foi enterrada. Caixões de papelão foram improvisados após a doação de lojas que empacotam bananas e camarões.

Autoridades locais dizem que o primeiro caso confirmado no Equador foi de uma migrante que havia retornado da Espanha. Muitos regressaram para Guayas e não cumpriram nenhum tipo de quarentena.

“Aqui há muita gente pobre que vive do dia a dia, de vender água ou bala no farol, por exemplo. Vivem sem água, sem eletricidade, sem os serviços básicos, em casas de madeira. É muito difícil fazer quarentena, ficar em casa nessas situações. E se essas pessoas não saem para trabalhar, não comem”, conta a jornalista Carolina Mella.

“O caso é complexo por várias razões, uma delas é a questão do adensamento populacional. Trata-se de uma região de alta densidade para os padrões do Equador. Além disso, Lenín (Moreno) e o governo de Guayaquil vinham minimizando a pandemia. Isso levou a uma situação catastrófica”, afirmou o coordenador do curso de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), Moisés Marques.

A tragédia em Guayaquil é o resultado do colapso de um sistema de saúde fragilizado pela demissão de 3,5 mil trabalhadores do setor, no ano passado, em razão do pacote fechado pelo presidente Moreno para cumprir as exigências dos credores internacionais.

As finanças do Equador se deterioraram após a queda no preço do petróleo, principal fonte de ingresso monetário do país. “Ainda não dá para saber o tamanho do estrago. O que ocorrer nos próximos 15 dias vai definir o que acontecerá no resto do país”, afirmou Marques. Após as mortes em sequência, o vice-presidente, Otto Sonnenholzner, pediu desculpas aos cidadãos em nome do governo (leia mais nesta página). Ele, que até dezembro era desconhecido do grande público, assumiu protagonismo na crise.

Medidas

Entre as medidas anunciadas por Moreno para conter a crise estão o corte de 50% nos salários dele, do vice-presidente, de ministros e vice-ministros e de outros funcionários públicos. Além disso, o governo anunciou a criação de uma conta de assistência humanitária que será financiada por empresas privadas e cidadãos que recebam salários superiores a US$ 500 por mês (R$ 2.590). “A pandemia nos atingiu em um momento crítico. Nos pegou sem um centavo nas contas e com uma dívida histórica de US$ 65 bilhões”, disse Moreno, na sexta-feira.

Vice vira protagonista do combate ao vírus

“Sofremos uma forte deterioração de nossa imagem internacional e temos visto imagens que nunca deveriam ter ocorrido. Por isso, como seu servidor público, eu lhes peço desculpas. Quero transmitir meus mais sinceros pêsames a todas essas famílias que perderam um ente querido.” Essas foram as palavras do vice-presidente do Equador, Otto Sonnenholzner, em 4 de abril, ao comentar as cenas trágicas de Guayaquil, em meio à crise do coronavírus. Com 37 anos e no cargo desde dezembro de 2018, Sonnenholzner, que é de Guayaquil, tem se fortalecido politicamente, se colocando como forte candidato à presidência, em 2021.

“Minha impressão é a de que ele percebeu que tem um espaço aberto. Ele é jovem, sabe se comunicar, o que na atual situação representa uma grande vantagem. Ele aproveitou a situação para assumir os erros (do governo) e se cacifar politicamente”, avaliou o coordenador do curso de relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), Moisés Marques.

Mesmo tendo sido um dos primeiros líderes da América Latina a implementar medidas para retardar a disseminação do vírus, o presidente Lenín Moreno foi criticado por falhas no sistema de detecção da doença.

Aos 67 anos, Moreno faz parte do grupo de risco para a covid-19 e, por isso, atualmente, não está na linha de frente do governo para lidar com a situação. Nesse contexto, Sonnenholzner se destaca ao assumir o papel de líder do Comitê de Operações de Emergência (COE), que lida com a crise de saúde.

“Lenín vem mal há um tempo. A última pesquisa mostrava que ele tinha apenas 7% de popularidade, absurdamente baixa. Na pesquisa, 92% das pessoas achavam sua gestão muito ruim. Ele está quase fora do jogo para 2021. Então, apostar no vice pode ser uma forma de dar cara nova a um governo moribundo”, afirmou Marques. O atual presidente foi uma aposta do seu antecessor, Rafael Correa. Hoje, eles são inimigos políticos. “Ele (Sonnenholzner) pode eventualmente se distanciar de Lenín, caso o presidente continue colocando a economia em primeiro lugar”, disse.

O professor de ciência política da Flacso Santiago Basabe, do Equador, disse que a ideia de Sonnenholzner ser candidato em 2021 surgiu no fim do ano passado e agora ganha força. “Tenho a impressão que ele vai sair fortalecido porque não está diretamente vinculado ao presidente e consegue fazer uma agenda política própria.”

Por Fernanda Simas

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