Com o dólar em nova marca inédita, a R$ 6 durante a sessão, o Ibovespa se curvou à aversão a risco posterior ao pacote fiscal – detalhado em entrevista nesta manhã – que, além do câmbio, colocou pressão extra na curva de juros doméstica, conduzindo o índice da B3 ao menor nível de fechamento desde 28 de junho, então aos 123,9 mil. Mesmo parte das ações com correlação positiva ao dólar, como Vale (ON -1,03%) e Petrobras (ON -1,67%, PN -1,03%), foram incapazes de segurar a Bolsa nesta quinta-feira de feriado de Ação de Graças nos EUA, sem negócios em Nova York.
Ao fim, o índice mostrava queda de 2,40%, aos 124.610,41 pontos, entre mínima de 124.389,63 (-2,57%) e máxima de 127.667,73, quase idêntica à abertura (127.667,40). O giro foi a R$ 27,7 bilhões, muito consistente para um dia sem a referência de Wall Street – feriados nos EUA costumam reduzir acentuadamente a liquidez na B3. Na semana, o Ibovespa recua 3,50%, e no mês, faltando a sessão de amanhã para o fim de novembro, cai 3,93%. No ano, cede 7,14%. Em porcentual, a perda desta quinta-feira foi a maior desde 2 de maio de 2023 (também -2,40%).
O detalhamento das iniciativas do governo para entregar uma “economia” de R$ 70 bilhões em recursos públicos nos próximos dois anos – confirmada ainda na noite de ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em pronunciamento na TV – foi incapaz de melhorar o humor dos investidores. A confiança já estava abalada, ontem, com o rumor, afinal confirmado, de que os cortes serão acompanhados por uma benfeitoria do governo, com efeito negativo para a arrecadação: a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Tal isenção seria compensada por tributação de 10% sobre quem recebe pelo menos R$ 50 mil. A sensação, porém, é de que uma iniciativa não compensará a outra.
Para Felipe Miranda, CEO e co-fundador da Empiricus, a economia pretendida pelo governo na prática tende a ser menor, algo entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões. “É uma tentativa de evitar um colapso fiscal”, diz Miranda, ressalvando que o pacote deveria ser “muito mais restritivo”. “Mas é o viável no momento”, acrescenta. “Cria uma ponte até 2026, quando será essencial promover rediscussão profunda, estruturante e reformista do Brasil. A partir de 2027, independentemente de qual governo for eleito em 2026, será inevitável, por uma questão aritmética, revisitar a questão fiscal e redefinir o tamanho do Estado”, diz.
O plano do governo “carrega fragilidades que comprometem sua eficácia a longo prazo”, diz Guilherme Jung, economista da Alta Vista Investimentos. “A profundidade das medidas e suas compensações deixam sérias dúvidas sobre a viabilidade fiscal e a sustentabilidade econômica do País”, acrescenta o economista, mencionando que, pelo lado das despesas, os cortes estão “muito aquém do necessário para estabilizar a crescente relação dívida/PIB”.
“As mudanças nas regras do abono salarial, por exemplo, foram diluídas em uma transição lenta. No lado das receitas, a isenção do IR pode gerar perdas anuais de R$ 40 bilhões, enquanto as compensações propostas, como a taxação de dividendos e alíquotas adicionais para rendimentos elevados, enfrentam incertezas no Congresso”, aponta Jung.
Na B3, como ontem, a sessão foi amplamente negativa para as ações de grandes bancos, com destaque hoje para Bradesco (ON -3,69%, PN -4,20%). As principais ações de commodities – Vale e Petrobras – mostravam variação relativamente moderada mais cedo, tendo sustentado leves ganhos, mas passaram a acentuar perdas em direção ao fechamento. Com o dólar pela primeira vez a R$ 6, e a R$ 5,9895 (+1,29%) no encerramento, empresas com receita na moeda americana foram um escape para compras, com destaque para JBS (+3,35%), Suzano (+3,00%) e Klabin (+1,97%), na ponta do Ibovespa, além de SLC Agrícola (+2,64%). Do lado oposto, MRV (-14,10%), CVC (-13,38%) e Lojas Renner (-10,16%).
Assim, empresas como as de frigoríficos e papel e celulose, exportadoras com receitas dolarizadas, contribuíram para que o ajuste do Ibovespa não fosse ainda pior na sessão, na medida em que o governo não conseguiu entregar um plano “condizente” com o que o mercado esperava, diz Thiago Lourenço, operador de renda variável da Manchester Investimentos. “Alguns bancos já estão trabalhando com taxa terminal para a Selic no atual ciclo de elevação do juros de referência acima de 14%”, acrescenta. “As contas que o governo têm feito não são as mesmas do mercado. O cenário é desafiador também para a inflação, e a curva de juros permanece muito estressada”, acrescenta.
“A comunicação do pacote foi confusa, gerando mais dúvidas do que confiança. Esse cenário só eleva o risco-país e pressiona os preços das ações, especialmente em setores mais expostos à economia doméstica”, diz Anderson Silva, head da mesa de renda variável e sócio da GT Capital. “Os motivos para a alta dos juros e do dólar são os mesmos das últimas sessões: um governo que não inspira confiança”, acrescenta. “O cenário para os próximos dias promete ser de turbulência, com volatilidade para o Ibovespa.”
Por Luís Eduardo Leal
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