Categories: Política

Exército baixa regras para moderar perfis oficiais após cobranças de extremistas

O Exército Brasileiro publicou regras que aplicará para excluir comentários e bloquear usuários que interagem com os perfis oficiais da Força nas redes sociais. Conforme as diretrizes divulgadas na última semana, comentários contendo mensagens que “incitem o ódio” serão “moderadas e/ou excluídas”, assim como aquelas que contenham “linguagem inapropriada”, “opiniões de cunho político ou ideológico” e até as que usem “informações e imagem de pessoas e instituições indevidamente”.

A Força militar tem sido alvo de ataques de extremistas de direita nas redes. Em comentários no perfil do Instagram e do X (antigo Twitter), apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) mantêm um discurso de que o Exército teria sido omisso ao não embarcar em uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao cumprir ordens do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O documento com a “Política de moderação nas mídias sociais do Sistema de Comunicação Social do Exército Brasileiro (CComSEx)” foi criado na última terça-feira, 23. Um pesquisador de democracia no ambiente digital e combate à desinformação consultado pelo Estadão avalia que o texto é desproporcional e abre margem para cerceamento de críticas à instituição. Integrantes do Exército afirmam que não há que se falar em censura e que a iniciativa apenas disciplina a atuação diante de casos extremos.

“Ao utilizar os canais mantidos pelo EB (Exército Brasileiro) em redes sociais, o usuário estará ciente das regras de uso e de convivência aqui descritas e de acordo com elas. O usuário que desrespeitar essas regras poderá, a critério do CComSEx, ser bloqueado imediatamente, independentemente de justificativa, consulta ou aviso, e, conforme o conteúdo, as mensagens poderão ser encaminhadas às autoridades competentes”, diz o texto.

Seis dias antes de o documento ser apresentado, o comandante do Exército, Tomás Paiva, esteve na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara e foi provocado por aliados de Bolsonaro sobre uma suposta “complacência” com Moraes. Apesar de o documento ter sido divulgado após a sessão marcada por críticas que ganharam repercussão, militares garantem que a política já estava sendo elaborada anteriormente e houve apenas uma coincidência de datas.

Com a ascensão de Lula e as consequências dos ataques do 8 de Janeiro, extremistas de direita passaram a criticar o Exército, algo que até então era mais comum entre setores da esquerda. O quadro ficou ainda mais intenso após a participação dos comandantes militares e do ministro da Defesa, José Múcio, em reunião na Câmara.

O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) foi o que mais subiu o tom contra o comandante Tomás Paiva. “O senhor tem medo de Alexandre de Moraes, mas qual outra explicação? O senhor é cúmplice? Espero que não.” O parlamentar gaúcho disse ter “vergonha” pelos oficiais da ativa e da reserva. “O que o Exército e o Ministério da Defesa estão fazendo é obedecendo Alexandre de Moraes. É Alexandre de Moraes que manda. Não é a Constituição”, afirmou.

Em resposta, o general retrucou o parlamentar: “Temos vergonhas diferentes. A minha vergonha, por exemplo, é quando alguém não cumpre a ética militar. E eu estou aqui de cara lavada para falar para o senhor que, em sede de ética militar, eu nunca falei uma mentira para a minha tropa, para os meus soldados, para o meu pessoal. Tenho vergonha de, buscando popularidade, não cumprir a lei. Disto eu tenho vergonha: não cumprir uma decisão judicial.”

O assunto não se restringiu à Câmara e ganhou as redes sociais. Van Hattem publicou em seu perfil oficial vídeos em que ele aparece fazendo as acusações e o comandante ouvindo em silêncio. Em uma medida pouco usual na comunicação institucional, o Exército usou as mesmas plataformas para rebater o deputado e divulgou em duas partes a íntegra das respostas do comandante ao parlamentar.

Antes do embate na Câmara, as publicações do Exército no X tinham uma média de 700 comentários. Depois, passaram a ter entre 3 e 7 mil.

Entre as mensagens de outros usuários das redes, são comuns menções pessoais ao comandante e alegações de que o Exército “traiu a pátria” e “lambe as botas do Xandão”, em referência ao ministro Moraes, relator de inquéritos que investigam suposta tentativa de golpe de Estado e miram também militares.

Para Caio Vieira Machado, pesquisador em Harvard e diretor-executivo do Instituto Vero, as diretrizes do Exército são desproporcionais. Segundo o pesquisador, não há legitimidade do Exército para decidir o que é ou não é verdade, por exemplo, nem para impedir manifestações e opiniões políticas de cidadãos.

“É um erro considerar que esse espaço dos comentários pertence ao Exército, que está se colocando como um moderador sem freios e contrapesos. Uma coisa é remover conteúdo que é, de fato, spam, que é, de fato, nocivo, como incitação à violência, que seria um crime. Mas quem garante que eles não vão, por exemplo, cercear críticas políticas ou à própria instituição, que é direito de nós, cidadãos?”, questionou.

Segundo integrantes do Exército, a moderação em hipótese alguma representará censura, mas uma forma de dar transparência a eventuais exclusões e bloqueios de radicais. As críticas feitas com “urbanidade”, ainda que duras, não serão excluídas e os responsáveis não serão bloqueados.

Por Karina Ferreira e Vinícius Valfré

Estadão Conteúdo

Recent Posts

País pode virar referência em pagamentos internacionais com uso de cripto, dizem especialistas

O Brasil tem a oportunidade de ser referência em pagamentos internacionais, assim como já é…

13 horas ago

Deputado do agro quer comissão externa para ‘colocar dedo na ferida’ do Carrefour

Lideranças do agronegócio estão indignadas com a decisão do Carrefour de boicotar a carne do…

14 horas ago

Federação de Hotéis e Restaurantes de SP organiza boicote ao Carrefour

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) convocou empresários…

1 dia ago

Gol anuncia nova rota semanal entre Curitiba e Maringá

A Gol Linhas Aéreas anunciou o lançamento de uma nova rota que liga Curitiba (PR)…

1 dia ago

Governo de SP prevê R$ 1,3 bi em segurança viária para concessão da Nova Raposo

A concessão rodoviária do Lote Nova Raposo (São Paulo) vai a leilão na próxima quinta-feira,…

1 dia ago

Petróleo pode cair de US$ 5 a US$ 9 em 2025 com grande oferta e problemas da demanda

O preço do barril do petróleo tipo Brent tende a cair de US$ 5 a…

1 dia ago