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Fumar enfraquece o sistema imunológico, e as consequências podem durar anos, diz estudo

O tabagismo prejudica o sistema imune, com efeitos que podem durar anos após a interrupção do hábito, de acordo com estudo feito pelo respeitado Instituto Pasteur, na França, e publicado na revista científica Nature. Os pesquisadores apontam que tanto a imunidade inata (aquela com a qual nascemos e se desenvolve nos primeiros anos de vida, servindo como primeiro “exército” de defesa do corpo) quanto a adaptativa/adquirida (que evolui com o tempo, após infecções ou por meio de vacina) são rebaixadas.

O peso do tabagismo na variabilidade da resposta a desafios imunológicos foi tão importante quanto idade, sexo e características genéticas – explicações mais conhecidas e estudadas para essa diversidade. “Todas elas tem implicações no risco de doenças”, escreveram os pesquisadores.

Ao comparar fumantes e ex-fumantes, os pesquisadores perceberam que a imunidade inata, essa primeira camada de defesa imunológica, voltou ao normal após a cessação do tabagismo. “O impacto na imunidade adaptativa persistiu durante 10 a 15 anos. Esta é a primeira vez que foi possível demonstrar a influência em longo prazo do tabagismo nas respostas imunológicas”, afirmou Darragh Duffy, chefe da Unidade de Imunologia Translacional do Instituto Pasteur e um dos autores do estudo, em comunicado.

É quase como se o sistema imunológico desenvolvesse uma memória de longo prazo dos efeitos deletérios do tabagismo. De acordo com Violaine Saint-André, bioinformática na Unidade de Imunologia Translacional do Instituto Pasteur e principal autora do estudo, foi possível demonstrar que o hábito de fumar pode modificar a expressão de genes envolvidos no funcionamento de células do sistema imune.

Especialistas ouvidos pelo Estadão, que não estiveram envolvidos no estudo, destacam que a possibilidade de impacto do tabagismo em nossas defesas já era ventilada, e a nova pesquisa é um passo importante para esclarecer melhor o que acontece nesse sentido.

O cigarro está associado diretamente ou indiretamente a mais de 52 doenças, segundo Oliver Augusto do Nascimento, médico assistente da Disciplina de Pneumologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador da pós-graduação em Pneumologia da mesma instituição. Ele cita diversos tipos de câncer, como de boca, laringe, pulmão, mama, bexiga e colo de útero, além de enfisema e problemas cardiovasculares.

Já se sabia, por exemplo, que fumantes tem de duas a três vezes mais risco de desenvolver tuberculose do que os não fumantes, e aqueles que tiveram covid-19 apresentam mais chance de enfrentar um prolongamento da doença, lembra Ubiratan de Paula Santos, médico assistente da Divisão de Pneumologia do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “As pessoas (que fumam) correm mais risco de ter infecções em geral”, resume.

“O tabaco contém, por tragada, uma infinidade de radicais livres (moléculas instáveis que, em excesso no corpo, podem lesar nossas células), uma quantidade enorme de material particulado, além de outras substâncias gasosas e químicas”, descreve o médico.

A “epidemia do tabaco”, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das “maiores ameaças à saúde pública que o mundo já enfrentou”. Ela mata mais de 8 milhões de pessoas por ano – sendo que 1,3 milhão são indivíduos expostos ao fumo passivo.

Embora o estudo demonstre danos duradouros do tabagismo, os médicos destacam que nunca é tarde para parar de fumar, pois sempre haverá diminuição de risco das várias complicações ligadas ao hábito. O ideal é nunca fumar ou cessar até os 35 anos.

Cuidado com promessas para aumentar a imunidade
Vitaminas e minerais têm um importante papel na imunidade. Por isso, há um grande apelo em torno dos suplementos multivitamínicos no que diz respeito a aperfeiçoar as defesas naturais do corpo. No entanto, recorrer ao uso de cápsulas sem indicação e orientação de um especialista pode ser perigoso.

O ideal, antes de ingerir qualquer suplemento, é investigar se de fato há carência de algum micronutriente no corpo. Afinal, se não for o caso, o suplemento pode contribuir para um quadro de excesso – daí, as substâncias são eliminadas pela urina ou ficam acumuladas no organismo. “Neste cenário, pode causar até uma doença chamada hipervitaminose”, diz Nascimento.

“Suplementação é apenas para quem tem deficiência (de vitaminas e minerais) no organismo”, reforça o médico. Ele ainda aponta que manter um alimentação equilibrada e tomar sol são hábitos que costumam garantir as doses adequadas de nutrientes.

No caso dos fumantes, a suplementação com betacaroteno (associado ou não à vitamina A) é particularmente arriscada. De acordo com a Força-Tarefa de Saúde Preventiva dos Estados Unidos, em uma ampla revisão da literatura médica sobre vitaminas e minerais, tabagistas que recorreram a esse tipo de suplemento mostraram um “risco significativamente aumentado de câncer de pulmão”.

O estudo
A maneira como o corpo de cada um de nós se organiza para atacar invasores difere muito. Entender quais fatores interferem nisso mobilizou pesquisadores do Pasteur a avaliarem mil pessoas saudáveis, de 20 a 70 anos. Trata-se de um número significativo de indivíduos para um estudo desse tipo. Eles investigaram 136 variáveis – entre elas, o tabagismo – e a relação de cada uma na resposta imune dos indivíduos.

O estudo é experimental, ou seja, embora tenham usado amostras de sangue humano, os cientistas não acompanharam as pessoas ao longo da pesquisa.

Essas amostras de sangue foram expostas a um grande número de micro-organismos, como vírus e bactérias, e, na sequência, os pesquisadores observaram os níveis de citocinas liberadas. Elas são substâncias que funcionam como mediadores inflamatórios. “Se eu tenho citocina presente, tenho inflamação”, explica Nascimento.

De todas essas centenas de variáveis, três chamaram atenção: tabagismo, infecção latente por citomegalovírus (um vírus da família do herpes) e o índice de massa corporal. Mas o artigo acabou mirando no primeiro fator, isto é, o cigarro, que mostrou efeitos duradouros.

É importante destacar que, como qualquer estudo, ele apresenta limitações, destacam os especialistas ouvidos pela reportagem e os próprios pesquisadores. Para começar, é preciso investigar essa relação na “vida real”, já que o trabalho foi experimental. Fora isso, é preciso contar com mais diversidade étnica e racial, algo que os estudiosos já estão correndo atrás, conforme relataram à Nature. O grupo analisado é de moradores da França.

Por que os resultados preocupam?
De forma bem simples, a função do sistema imunológico é responsável por nos defender de invasores, impedindo que eles se multipliquem e provoquem doenças. Para isso, ele conta com a imunidade inata e com a imunidade adaptativa.

Já nascemos com essa primeira, que se consolida nos primeiros anos de vida. Ela funciona de forma inespecífica e é um primeiro exército de defesa contra qualquer invasor. A segunda tem a ver com infecções passadas e com a capacidade de o nosso corpo lembrar como combater um invasor específico. Essas duas barreiras vão combater todos os micro-organismos que ingerimos, inalamos ou que conseguem ultrapassar a pele.

“Um adulto inala, em média, 10 mil litros de ar por dia. Imagine o que vem de ‘porcaria’! Vem poluente, pólen, fungo, vírus e bactérias”, lista Santos. As nossas imunidades trabalham bastante – e bem – quando estamos saudáveis. É só lembrar que, mesmo em contato com muitos patógenos a todo momento, não ficamos doentes todos os dias.

O novo estudo mostrou que, em pessoas que fumam, ambas as imunidades estão “deprimidas”. E, mesmo quando alguém larga o cigarro, a segunda, relacionada à memória do nosso organismo, segue alterada por anos.

“O tabagismo altera a velocidade de resposta, tornando-a mais lenta, e faz produzir menos substâncias para combater as infecções”, explica Santos. “O que torna a pessoa mais suscetível a desenvolver uma infeção. Porque se eu tenho uma resposta mais lenta a um agente que está me agredindo, dou mais tempo para ele se multiplicar no organismo”.

Como esses micro-organismos ficam mais tempo circulando e se multiplicando, consequentemente as infecções podem se tornar “mais longevas” e “mais graves”, destaca o pneumologista.

O estudo também acende um alerta sobre a maneira como fumantes respondem aos medicamentos, como antibióticos e antivirais. É preciso salientar que, antes de aprovados, todos passam por estudos que, muito provavelmente, contaram com pessoas fumantes. Mas nem todo mundo reage da mesma maneira aos remédios. Esse abalo nas imunidades causado pelo cigarro pode – e precisa – ser melhor estudado para averiguar a hipótese de uma resposta menos vigorosa aos tratamentos.

Por Leon Ferrari

Estadão Conteúdo

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