O ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) neste domingo, 25, reuniu milhares de manifestantes na Avenida Paulista. As principais estimativas quanto ao público presente divergem entre si: a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirma que 600 mil pessoas estiveram na via e, se considerados os presentes na região adjacente à Paulista, a projeção vai a 750 mil; já o Monitor do Debate Político no Meio Digital, projeto de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), calculou que cerca de 185 mil pessoas estavam na avenida durante o pico do protesto.
Os índices garantem ao ato uma das maiores presenças já registradas em uma manifestação política na Paulista. Mas setores do bolsonarismo não se sentiram satisfeitos com as estatísticas divulgadas tanto pela Secretaria quanto pelo grupo da USP. Esperava-se que os dados superassem a marca atingida no ato pró-impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016, o que não ocorreu.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro compartilhou no X (antigo Twitter) uma publicação de um perfil polonês que diz que “mais de um milhão de pessoas” estiveram na Paulista, um dado que não tem lastro nem mesmo na projeção da Secretaria de Segurança. A publicação não menciona a fonte do número e Eduardo Bolsonaro, que não foi ao protesto, tampouco cita a origem do levantamento.
Em outra publicação no X, o filho do ex-presidente fez uma crítica direta à USP, cujo grupo de estudos projetou o número de presentes em 185 mil. “A USP sabe contar tão bem quantas pessoas tem na rua, quanto a maquininha conta voto”, disse Eduardo Bolsonaro, referindo-se à urna eletrônica.
O Estadão questionou as duas fontes para compreender a metodologia de cada levantamento. O professor Pablo Ortellado, coordenador do grupo da USP, explicou que a ferramenta utilizada processa dados a partir de inteligência artificial. Com o auxílio de imagens aéreas, os pesquisadores quantificam o número de cabeças (portanto, de indivíduos) em uma determinada multidão.
A Secretaria também utiliza imagens aéreas, mas o cálculo não é feito contando cabeças, e sim multiplicando a área observada por um “coeficiente de ocupação”.
Cultura de ‘números grandiosos’
O Monitor do Debate Político realiza estimativas de público em protestos políticos desde agosto de 2022. O cálculo do grupo da USP sempre difere das projeções divulgadas por outras entidades, como secretarias ou órgãos de policiamento. Segundo a coordenação da iniciativa, a diferença está no critério adotado.
“Criou-se uma cultura política de números grandiosos, não só em manifestações políticas como em outras ocasiões, como a Virada Cultural ou os blocos de carnaval”, afirmou Pablo Ortellado, professor de Gestão de Políticas Públicas da USP. “São números muito grandiosos que não se sustentam quando você vai contar com algum critério”, disse o coordenador do estudo que estimou o público no ato de domingo.
Para Ortellado, a diferença reside em um critério mais apurado e com maior precisão no cálculo. “Precisamos nos habituar a réguas metodologicamente validadas que vão fornecer números menores”, afirmou. O professor pondera ainda que “números menores” não significam atos públicos reduzidos. “Cinquenta mil é uma manifestação enorme; cem mil, uma gigantesca.”
Entenda o método da USP
O cálculo do grupo da USP foi feito com 43 fotografias do protesto. Dessas imagens, foram selecionados oito registros, de forma a cobrir a Avenida Paulista em toda a sua extensão, sem sobreposição das áreas compreendidas em cada foto. Em seguida, empregou-se um método denominado “Point to Point Network”, que consiste em contar o número de cabeças presentes em cada fotografia.
Como são feitos vários registros ao longo da duração do protesto, também é possível calcular qual foi o instante com a maior concentração de pessoas no evento, o chamado pico da manifestação. No caso do protesto de domingo, o grupo calculou que o pico ocorreu às 15h. Assim, é estimada a quantidade de pessoas em cada trecho da via pública e quantos indivíduos estavam no local no momento de maior aglomeração.
A tecnologia utiliza inteligência artificial. Apesar de contar com o que há de mais moderno no âmbito do processamento de dados, a ferramenta precisou ser “treinada” manualmente para reconhecer cabeças em imagens de multidão. Segundo Ortellado, o esforço contou até com um mutirão de alunos da USP para realizar marcações de modo manual.
Nas primeiras vezes que o método foi implementado pelo grupo da USP, a margem de erro passava de 30%. A tecnologia é a mesma mas, após dois anos de medições das principais mobilizações políticas do País, o programa de computador performa em índices de precisão mais satisfatórios para os pesquisadores. Hoje, a margem de erro está em 12%.
Secretaria utiliza ‘coeficiente de ocupação’
Procurada para detalhar o índice divulgado na noite de domingo, a Secretaria de Segurança Pública afirma que se baseia em informações que combinam “imagens aéreas” com “informações das equipes em terra”. Em posse de um coeficiente que indica a densidade de pessoas em uma determinada área, o policiamento calcula quantas pessoas estiveram na região. “A técnica consiste basicamente na multiplicação da área ocupada pelo coeficiente de ocupação”, diz a nota da SSP.
O cálculo é realizado pelo Centro de Operações da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Copom) e o software utilizado para a projeção se chama Copom Online, uma ferramenta de uso interno da corporação. A Secretaria não informou a margem de erro da metodologia, mas disse que as estimativas de público são feitas em todo tipo de aglomeração pública, “para subsidiar decisões operacionais”.
Por Juliano Galisi
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