No mesmo dia em que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), acusou a Petrobras de negligência por reinjetar grandes volumes de gás natural em campos de petróleo, executivos graduados do setor minimizaram publicamente o potencial gasífero do País.
O diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da própria Petrobras, Mauricio Tolmasquim, e o presidente da Shell no Brasil, Cristiano Pinto da Costa, descartaram a possibilidade de o Brasil basear largamente sua matriz energética no insumo. As razões? Baixo volume relativo de reservas e alto custo de produção.
“O Brasil não tem tanto gás assim. Somos um País petrolífero, não gasífero. Precisamos entender isso, se não cria-se frustrações. Queremos fazer algumas coisas que outros países com muito gás fazem, mas não temos como fazer”, disse Tolmasquim.
Já o presidente da Shell disse que é preciso desmistificar a questão. “Temos que desmistificar a questão do gás reinjetado no Brasil. Um gás extraído a 250 km da costa nunca vai ser competitivo”, disse Pinto da Costa em complemento a Tolmasquim. Ambos fizeram a afirmação no início da tarde desta quinta-feira, 15, em evento na Coppe/ UFRJ, no Rio de Janeiro.
Enquanto os executivos falavam, Silveira teve uma entrevista publicada na imprensa na qual acusava o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, de negligência por reinjetar gás em campos do pré-sal em vez de trazê-lo para a costa a fim de alimentar a malha nacional de gasodutos. A alternativa, nas palavras de Silveira, poderia derrubar os preços do insumo usado pelos chamados grandes consumidores em 30%. Era uma resposta a declarações de véspera de Prates sobre a impossibilidade de escalar muito mais a oferta de gás da Petrobras.
Na Coppe/ UFRJ, o banho de água fria seguia. “Nosso gás está localizado a uma distância da costa e profundidade muito grandes. Não tem como competir com shale gas (dos EUA), o gás da Rússia ou outros de fácil extração. É uma decepção, mas o Brasil é rico em petróleo, energia eólica, solar e biomassa. No gás, Deus não botou tudo para a gente”, continuou Tolmasquim.
O presidente da Shell colocou a disparidade em números. “O Brasil tem reservas de gás de 12 Tcf (trilhões de pés cúbicos, na sigla em inglês), enquanto a América do Norte tem 400 Tcf e, a Rússia, mais de mil. Só o campo na divisa do Catar com o Irã tem mais de 900 Tcf. A competitividade do gás brasileiro nunca vai chegar perto de outras regiões”, disse Costa.
Gás reinjetado
Ambos defenderam que o melhor uso econômico do gás, na maioria das vezes, é mesmo o da reinjeção, por tratar-se de um gás associado a óleo e extraído longe do território. O gás reinjetado nos campos de petróleo otimizam sua produtividade, ao aumentar a pressão interna dos reservatórios. Costa destacou o pagamento de royalties e participações especiais da produção de óleo bruto, que despencaria em alguns casos se o foco principal fosse produzir o gás ora reinjetado.
Segundo os executivos, 40% do gás reinjetado hoje no Brasil é gás carbônico (CO2), operação com forte benefício ambiental. Outros 40% é de gás que poderia de fato ser utilizado pela indústria em geral, mas tem aplicação econômica na produção de petróleo. Uma fatia de 10% é do Campo de Urucu, no Amazonas, que é reinjetado por falta de mercado próximo e os 10% restantes aguardam o gasoduto da Rota 3 para ser comercializado como insumo energético.
A Rota 3 vai escoar 18 mm?/dia, dos quais 15 mm? secos a partir do ano que vem. Esse gás será produzido nos campos do pré-sal da Bacia de Santos e entregue no Polo Gaslub da Petrobras, em Itaboraí.
“Sendo bastante sintético, temos algum gás, mas não temos tanto gás como gostaríamos de ter. E o gás que temos não é exatamente no preço que gostaríamos de ter, essa é a realidade”, disse Tolmasquim.
Ainda assim, ele defendeu o debate sobre a escolha do melhor uso do gás brasileiro: se é a reinjeção, GNV para automóveis, geração elétrica ou aplicações industriais. “Governo e sociedade têm que debater qual é a prioridade”, disse.
O executivo, que acumula o gás da Petrobras no guarda-chuva de sua diretoria, disse que, ainda assim, a companhia tem feito o máximo de esforço para reduzir preços e melhorar contratos. “Tínhamos contratos com dois prazos, agora temos 5 prazos, dois indexadores. Aumentamos as opções do mercado. Quanto mais longo (o contrato), menor o preço”, disse.
Choque de gás
Na saída do evento, Tolmasquim foi questionado por jornalistas porque, em maio, havia falado em um choque de gás nos próximos anos devido a entrada na malha nacional de cerca de 50 milhões de metros cúbicos do insumo.
Esse volume adicional virá da ativação da Rota 3 em 2024 (15 milhões m?/ dia); do gasoduto BM-C-33 (16 milhões m?/dia), da norueguesa Equinor, a partir de 2028, além das futuras operações da Petrobras em Sergipe Águas Profundas, na Bacia de Sergipe e Alagoas, que devem perfazer mais 18 mm?/dia, segundo o diretor.
“Será um choque de oferta dado a nossa quantidade, mas em relação ao que a gente demanda, não é isso que vai fazer a gente ficar ‘boiando’ no gás ou atender todas as nossas necessidades”, explicou Tolmasquim.
Ele acrescentou que parte desse gás previsto vai substituir fontes que estão caindo e, além disso, esse volume será efetivado de forma escalonada ao longo do tempo.
“Nossas reservas não são grandes comparadas às de outros países produtores. O gás que a gente tem está situado longe da costa e custa caro escoá-lo. Por isso, é importante a gente ter opções e trabalhar com a realidade”, reiterou.
Por Gabriel Vasconcelos
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