O duelo é de titãs. Após 15 dias do anúncio do desenho do novo arcabouço fiscal e à espera dos detalhes do texto final do projeto – que será encaminhado amanhã ao Congresso -, economistas e especialistas em contas públicas estão divididos sobre a qualidade da nova regra de controle das contas públicas.
No grupo dos que receberam bem a proposta estão o Fundo Monetário Nacional (FMI); o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto; o banqueiro Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco; o ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo Felipe Salto; e o coordenador do Observatório Fiscal da FGV, Manoel Pires.
Na mesma linha do presidente do BC, que avaliou o arcabouço como “superpositivo”, Nigel Chalk, diretor-adjunto do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, elogiou o projeto: “Estamos bem impressionados com o ajuste fiscal proposto para o médio prazo, no sentido de aumentar o resultado primário. Isso permitirá um bom equilíbrio”. Trabuco disse que as regras oferecem um avanço ao País ao combinar criatividade, flexibilidade e simplicidade.
No grupo dos economistas com as críticas mais ácidas estão Affonso Celso Pastore (ex-presidente do BC), Carlos Kawall (ex-secretário do Tesouro, hoje na Oriz Partners), Marcos Lisboa (ex-secretário de Política Econômica e sócio da Gibraltar Consultoria), Marcos Mendes (pesquisador associado do Insper), Elena Landau (coordenadora do programa econômico da então presidenciável Simone Tebet) e Rogério Werneck (professor da PUC).
Lisboa e Mendes fizeram simulações e escreveram um artigo em conjunto, logo após o anúncio do arcabouço, no qual apontam que a proposta apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está baseada em parâmetros inconsistentes. “A receita vai ter de estar lá em 2026, em valores de hoje, uns R$ 380 bilhões acima do que é atualmente. São 2,7 pontos porcentuais a mais em termos de PIB”, disse ao Estadão. Mendes contou que segue fazendo simulações com a equipe e aguarda a divulgação do texto.
Pastore avaliou que a equação do novo arcabouço só fecha com “aumento brutal de carga tributária”. Werneck também foi duro: “A verdade é que não há como enxergar na proposta de arcabouço fiscal algo que, mesmo remotamente, possa ser associado à ideia de ajuste fiscal.”
Kawall questionou, em artigo publicado no Estadão/Broadcast: “Se a regra por si só não garante a sustentabilidade da dívida pública, a qual virá com a elevação das receitas, via redução de jabutis tributários ou qualquer outra medida de aumento de arrecadação, qual é então o papel disciplinador da regra?”
CAUTELA
Há também o grupo dos cautelosos, que aguardam a linha fina dos detalhes do texto. Entre eles, o experiente José Roberto Mendonça de Barros, que foi da equipe econômica de FHC. “Finalmente, chegou a proposta de arcabouço fiscal. Antes de tudo, ela significa que o governo poderá ter um rumo que busque conciliar sustentabilidade e melhoria social. E não uma guerra de posições que apenas resulte na aceleração do processo inflacionário e em estagnação.”
Com larga experiência na gestão das contas públicas, a dupla de ex-secretários do Tesouro Ana Paula Vescovi (diretora do Santander) e Jeferson Bittencourt (ASA Investments) fez alertas sobre a dificuldade de cumprimento das metas fiscais e a dependência da regra ao crescimento da arrecadação, com medidas ainda não anunciadas.
“Quem já passou pelo governo e administrou Fiscos federal, estaduais ou municipais sabe que é muito difícil você, em um ciclo de desaceleração econômica, conseguir aprovar medidas, ainda que sejam para aparar arestas do sistema tributário”, disse Vescovi ao Estadão/Broadcast. Já Bittencourt avaliou que vincular o crescimento das despesas ao aumento das receitas dificulta o ajuste.
Outro renomado especialista em contas públicas, Fabio Giambiagi, fez contas que mostram “tudo para cima”: gasto, receita e resultado. “O arcabouço fiscal é a banda diagonal endógena de Fernando Haddad. De qualquer forma, ele merece ser apoiado, porque ele será bombardeado pelos tonton macoutes, quando perceberem o que a regra implica para 2024”, ironizou.
PISO DE DESPESAS
Giambiagi não diz, mas sua fala é uma referência indireta ao valor que a nova âncora vai permitir aumentar de gasto em 2024, no primeiro ano da sua vigência. A depender do comportamento da regra, ela pode ficar mais próxima do piso de 0,6% acima da inflação previsto no arcabouço. Um “mau começo”, na visão dos petistas – o que pode provocar uma alta rejeição entre seus parlamentares.
O governo mudou, inclusive, o cálculo de referência da receita que servirá de base para definir o crescimento da despesa. Vai abater da receita a arrecadação com royalties, concessões e dividendos, na tentativa de um cenário mais favorável.
No partido do presidente Lula, as críticas têm aumentado. Lideranças veem a regra de Haddad como um “novo teto de gastos”. O ministro e sua equipe saíram em defesa da regra numa mobilização junto às lideranças do Congresso, empresários, investidores internacionais e nacionais. Em meio a esse trabalho e aos problemas de comunicação com as medidas tributárias para garantir R$ 150 bilhões de receitas – e sustentar a trajetória de metas fiscais e a volta do superávit -, a equipe econômica viu a Bolsa ter a melhor semana do ano e o dólar fechar abaixo de R$5. (COM BROADCAST)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Adriana Fernandes e Anna Carolina Papp
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