A Light, distribuidora de energia elétrica no Estado do Rio, acionou a Justiça na noite de segunda-feira pedindo o congelamento de suas obrigações financeiras – pagamento de juros e do principal de suas dívidas. A empresa alegou “interesse público” e pediu a instauração de procedimento de mediação com os seus credores. No processo, que tramita em sigilo, a empresa pede a avaliação da ação cautelar em caráter de urgência.
Nesta semana, a companhia teria de amortizar R$ 435 milhões de debêntures que estão vencendo. Em junho, terá mais R$ 300 milhões a quitar. O valor total para os próximos meses chega a R$ 1,3 bilhão, apurou o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).
A medida foi considerada inédita por advogados especialistas no setor elétrico, por amoldar instrumentos previstos na lei de recuperação judicial, como a mediação entre as partes, ao regramento específico do setor, que proíbe pedidos de recuperação judicial pelas concessionárias de distribuição de energia.
A Light se queixa do rebaixamento de sua nota de crédito, de roubos de fios e de ligações clandestinas, bem como do impacto de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determina que o ICMS não pode compor a base de cálculo do PIS e da Cofins, o chamado tema n.º 69 do STF – o que implica devolução de créditos aos clientes.
A companhia informou no processo que tenta uma “solução consensual, por mediação coletiva, de forma isonômica com o grupo de credores financeiros”, o que a protegeria de “ataques prematuros e inesperados”. Para isso, disse a Light na ação cautelar, é necessária uma reunião com “o polo passivo” (credores).
Segundo o presidente da Light, Octavio Lopes, o pedido feito à Justiça ocorreu após a realização de “mais de 40 reuniões” com os credores sem haver um acordo (mais informações nesta página).
Pedidos
O pedido de tutela de urgência na ação busca que sejam suspensas as obrigações financeiras, ao menos até que se aguarde o julgamento de primeiro grau da ação da empresa. No processo, a concessionária de energia elétrica disse que a suspensão das obrigações com os credores financeiros se daria “enquanto não realizada a readequação temporal de tais obrigações”, ou seja, enquanto a concessionária tenta reequilibrar a sua contabilidade.
Há poucos dias, a Light informou prejuízo de R$ 5,5 bilhões em 2022. O balanço destacou as perdas da empresa com furtos e ligações clandestinas, sob o comando de milícias atuantes no Estado do Rio, e apontou que a situação “alheia à sua vontade e ingerência” levou a prejuízos de R$ 600 milhões em 2021. “Neste mesmo ano, a fim de frear tal sangria, 30% dos investimentos feitos pela Light – mais de R$ 450 milhões – foram destinados ao combate de tais ilícitos”, escreveram os advogados da empresa.
O processo movido pela Light ressaltou a falta de segurança no Estado. “Engana-se quem, diante do quadro que o Rio de Janeiro enfrenta – devolução de concessões, por exemplo, com a depredação do patrimônio público pelo próprio usuário -, afirma que esta, além de tantos outros serviços prestados por diversas concessionárias, não esteja passando por dificuldades”, afirmou a empresa na ação.
Questão tributária
A concessionária informou ainda que sofre com os impactos da Lei 14.385, de junho passado, que determinou a devolução integral aos consumidores de créditos tributários conquistados após a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins nas contas de luz de forma retroativa.
A legislação é amparada em julgamento de um recurso extraordinário pela ministra do Supremo Cármen Lúcia. A decisão criou o chamado tema n.º 69 de repercussão geral do STF e define as regras sobre a incidência do ICMS no cálculo do PIS e da Cofins.
Logo após a decisão de Cármen Lúcia, em maio de 2021, a companhia começou a devolver os créditos: R$ 374,2 milhões, no reajuste de 2021, e R$ 1,05 bilhão no reajuste de 2022. Ao fim de dezembro de 2022, houve revisão tarifária extraordinária negativa de 5,89% decorrente da devolução. Para 2023, há, em tese, montante expressivo a ser ressarcido aos clientes por meio de desconto nas tarifas.
Ainda no pedido, a Light citou “desafios”, entre furtos e ligações clandestinas, além da relação desses crimes com as milícias que atuam no Estado. Afirmou ainda que “a energia furtada nos 36 municípios atendidos pelo Grupo Light no Rio de Janeiro seria suficiente para abastecer, por quatro anos, a cidade de Nova Iguaçu, que tem mais de 820 mil habitantes”.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que o pedido de medida cautelar da Light a respeito de suas obrigações financeiras não teve impacto sobre as chamadas “obrigações intrassetoriais”.
“Nenhuma obrigação intrassetorial teve seus pagamentos suspensos ou postergados, o que inclui contratos da distribuidora com geradores, transmissores e o pagamento dos encargos setoriais. Também estão preservadas integralmente as obrigações com fornecedores de serviços, equipamentos, mão de obra e funcionários”, declarou a agência, em nota.
Sem processo, acordo seria ‘impossível’, diz presidente da empresa
O presidente do Grupo Light, Octavio Lopes, afirmou que a ação na Justiça se justifica porque “seria praticamente impossível” obter acordos com os credores dentro de um “prazo razoável”, de três a seis meses. “Ficou claro para a gente nas últimas duas semanas que não conseguiríamos 100% da via extrajudicial”, disse Lopes, em entrevista ao Broadcast.
Ele afirmou que, embora houvesse conversas preliminares com os credores, as negociações só foram intensificadas após a divulgação do balanço no quarto trimestre de 2022 da empresa, no fim de março, tendo em vista que a dívida da companhia está pulverizada entre detentores de debêntures e de bonds – que precisavam de “equidade de informações”, fornecida a partir da publicação dos resultados.
Segundo Lopes, o processo ajuizado foi a “alternativa viável” também tendo em vista o serviço de dívida que a companhia tem previsto para a próxima segunda-feira. “Sentimos concordância esmagadora dos credores com a nossa visão, que não poderíamos usar mais os recursos do grupo, muito limitados e muito inferiores às necessidades de caixa da companhia nos próximos dois anos, para fazer soluções paliativas”, disse o presidente do grupo. Ele comparou a Light a empresas de outros setores que pedem recuperação judicial. “Essas empresas têm fornecedor atrasado, atrasam impostos, a gente não tem nada disso.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Juliana Garçon. Colaboraram Luciana Collet e Ludmylla Rocha
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