O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) anunciou nesta quinta-feira, 6, que teve de paralisar os julgamentos por causa do movimento dos servidores públicos da Receita Federal em defesa da regulamentação do bônus de eficiência da categoria. O Carf, última instância para recorrer de autuações do Fisco antes da Justiça, tem um estoque tributário de processos a serem julgados que totaliza quase R$ 1 trilhão.
A razão é a falta de quórum regimental para instalação e deliberação do colegiado, motivado pela adesão de conselheiros representantes ao movimento da categoria. De acordo com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), mais de 60 conselheiros representantes da Receita, de um total de 90, anunciaram que não vão participar dos julgamentos em janeiro.
Segundo comunicado divulgado hoje, ficam suspensas as sessões de julgamento das Turmas Ordinárias da 2ª Seção de Julgamento e 1ª e 2ª Turmas Extraordinárias da 1ª Seção de Julgamento, além das sessões da 3ª Turma Extraordinária da 1ª Seção. Ficam mantidas as sessões de julgamento da 1ª Turma da CSRF.
O Carf é um órgão colegiado do Ministério da Economia que julga os recursos apresentados pelos contribuintes contra a cobrança de tributos pela Receita Federal. O órgão é paritário e conta com 180 membros – 90 representantes da Receita, 90 dos contribuintes.
O órgão previa o retorno de seus trabalhos para a próxima semana. Desde o início da pandemia, o Carf julga apenas processos de pequeno valor, de forma virtual. Os grandes casos seriam retomados no dia 10, presencialmente.
Nos bastidores, os membros da Receita pressionavam a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, para suspender os trabalhos desde a última semana de 2021. A presidente resistia, mas cedeu nesta quinta.
Hoje, a diretoria do Sindifisco se reuniu com Diogo Denny, Giovana Paiva, Gustavo Garcia, Larissa Girard e Daniel Bezerra, auditores-fiscais conselheiros do Carf, para discutir a mobilização.
Na avaliação do advogado tributarista Breno Vasconcelos, a decisão de suspender as sessões é acertada. “Se fossem mantidas, corria-se o risco de não acontecerem, na prática, por falta de quórum ou por ausência dos relatores de processos pautados, gerando custos desnecessários aos contribuintes e advogados, que se deslocariam a Brasília sem necessidade”, afirmou.
Já a tributarista Lina Santin, sócia de Salusse Marangoni Advogados, destacou que a suspensão também é positiva do ponto de vista sanitário. “A suspensão das sessões é medida necessária, especialmente diante do recente aumento de contaminação pelo vírus da covid, influenza e outros”, considerou.
Grandes processos
Dados de setembro de 2021 do órgão indicam que o Carf tem um estoque de R$ 940 bilhões em créditos tributários a serem julgados. Desse total, R$ 384 bilhões estão reunidos em 134 processos envolvendo companhias abertas.
Não é possível saber, pelo Carf, o valor dos processos que seriam julgados a partir da próxima semana, já que os casos são cobertos por sigilo fiscal. Por outro lado, levantamento realizado pelo Estadão/Broadcast com ajuda de advogados tributaristas aponta que o Itaú, por exemplo, enfrenta processos que totalizam R$ 57,2 bilhões no Carf. A Petrobras, por sua vez, tem R$ 29 bilhões pendentes de julgamento no órgão. Casos tributários da Ambev, por sua vez, chegam a mais de R$ 50 bilhões. A B3 tem R$ 11 bilhões a serem julgados no órgão.
Advogados tributaristas apontam que o órgão já atrasava esses processos há dois anos, por conta da pandemia. Agora, os processos tendem a demorar ainda mais para serem julgados, tendo em vista que não há, no momento, nenhuma previsão de desfecho para o movimento dos auditores fiscais.
Mas não são somente grandes empresas que podem ser afetadas pela suspensão do órgão. Dados do Carf mostram que há quase 38 mil processos no órgão de valor abaixo dos R$ 66 mil. Geralmente, esses casos envolvem processos “menores”, de pessoas físicas que foram autuadas pela Receita Federal e agora aguardam recurso na esfera administrativa. Esses processos são responsáveis por R$ 700 milhões no estoque.
Há, ainda, 50 mil processos pendentes de julgamento em processos entre R$ 66 mil e R$ 15 milhões, que geralmente envolvem pequenas e médias empresas.
A advogada Luciana Aguiar, advogada tributarista e professora, ressaltou que aguarda uma solução rápida para o órgão voltar a funcionar regularmente. “Na pandemia, por mais que os conselheiros tenham se esforçado nos julgamentos virtuais, houve algum prejuízo de tempo/qualidade na interação. Todos sabemos dos enormes volumes envolvidos nos julgamentos, então seria bom para o país se os casos pudessem ser julgados”, considerou.
Por Guilherme Pimenta e Adriana Fernandes
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