O produtor Emilio Kenji Okamura, de Capão Bonito, município do sudoeste de São Paulo, já comprou o fertilizante que usará para o plantio do milho em fevereiro. “Como está se falando muito em possível falta, decidi antecipar, mas paguei caro”, conta. Para muitos produtores, a crise na oferta dos fertilizantes para a segunda safra de milho, a “safrinha”, a ser semeada entre janeiro e março no Centro-Sul do País, já é real. O impacto não ficará restrito ao campo: deve bater no prato do brasileiro e na inflação.
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro previu desabastecimento de alimentos em 2022 por causa da falta de fertilizantes. Em vez de desabastecimento, especialistas acreditam que o impacto tende a ser na forma de inflação.
A grande prejudicada, a segunda safra de milho, chamada de safrinha, na prática é uma “safrona”. Das 118 milhões de toneladas de milho esperadas para o ano 2022, a safrinha deve responder por 75%. Como o milho é base da alimentação de suínos e aves, qualquer quebra na oferta resulta em alta de preços do grão e dessas carnes.
O problema é que o Brasil depende das importações de insumos, como fosfato, cloreto de potássio e ureia, por exemplo. De janeiro a julho, dos 23,8 milhões de toneladas de fertilizantes entregues aos agricultores, 20 milhões foram de produtos importados e 3,8 milhões de toneladas produzidas nacionalmente, segundo a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda).
E o cenário internacional de suprimentos é desfavorável. Com a retomada das economias, as compras de fertilizantes aumentaram, puxadas pela alta das commodities agrícolas (matérias-primas cotadas em dólar). Somado a isso, há restrições na oferta dos insumos.
Em comunicado, o diretor executivo da Anda, Ricardo Tortorella, explica que o potássio, por exemplo, sofre as incertezas do fornecimento pela Belarus, em razão de sanções aplicadas pela União Europeia, pela Suíça, pelos Estados Unidos, pelo Canadá e pela Inglaterra àquele país que responde por 20% da oferta, enquanto, no fósforo, os gargalos estão nos atrasos no embarque em portos de alguns tradicionais produtores.
Além disso, há incertezas quanto aos novos efeitos das restrições na oferta chinesa de nitrogênio e de fósforo em razão da alta no custo de gás natural e do aumento do consumo desses nutrientes pelo gigante asiático. “A China é uma grande produtora e também uma grande consumidora de fertilizantes”, diz o pesquisador Felippe Serigati, da FGV Agro.
Com risco de não conseguir entregar o produto pelas restrições na disponibilidade de fertilizantes no mercado internacional, em algumas regiões, contratos já firmados estão sendo cancelados. “A indústria de fertilizante não está enviando a cotação de preço para os produtores por causa do risco de não conseguir entregar o produto”, diz.
Mercado parado
O gerente da consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti, diz que, para a compra de insumos da safra de verão 2022/2023, o mercado está parado. “Tem uma incerteza muito grande em relação ao preço desses insumos.”
A margem de manobra do governo para conter os preços praticamente não existe. “Os estoques são marginais, não são significativos”, diz Silvio Farnese, diretor do Departamento de Comercialização e Abastecimento do Ministério da Agricultura.
Ele explica que a Política de Garantia de Preços Mínimos foi desenhada em 1966. Quando os preços de mercado ficavam abaixo do mínimo, o governo entrava, comprando os produtos. Mas faz anos que os preços de mercado dos produtos agrícolas estão acima do mínimo, e “o mundo abandonou a política de formação de estoques, exceto a China”.
“O foco do ministério hoje é concentrar esforços no sentido de aumentar a produção agrícola, fornecendo seguro, crédito rural, e foi isso que aconteceu nos últimos anos”, observa. Quanto à afirmação do presidente de que haverá falta de alimento, Farnese diz que não é esse o cenário que a pasta está vendo. “O presidente teve uma posição de alerta”, afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Márcia De Chiara e José Maria Tomazela
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