A Justiça do Trabalho de Santa Catarina mandou a JBS recontratar 43 funcionários indígenas demitidos de um frigorífico no município de Seara, na região oeste do Estado, durante a pandemia. A empresa também foi condenada a pagar indenização de dez salários mínimos a cada um dos trabalhadores, além de uma multa de R$ 250 mil por danos extrapatrimoniais coletivos.
A decisão foi tomada pelo juiz Adilton José Detoni, da Vara de Concórdia, em uma ação civil pública movida em conjunto pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Instituto Kaingan. O magistrado entendeu que houve discriminação indireta da empresa na dispensa dos funcionários indígenas.
“A discriminação manifesta-se de forma direta, indireta ou oculta. O caso dos autos é de discriminação indireta consistente no impacto desproporcional da medida da empresa que, preexistente a situação de desigualdade, recrudesce tal quadro”, diz um trecho da sentença.
O grupo, demitido em maio do ano passado, mora na Terra Indígena Serrinha. De acordo com a JBS, eles foram demitidos por motivos ‘puramente econômicos’ em razão do custo operacional do transporte até a empresa. Isso porque a capacidade dos ônibus fretados precisou ser reduzida para respeitar as recomendações sanitárias durante a pandemia. O trajeto de ida e volta até o frigorífico dura cerca de cinco horas. Em sua decisão, o juiz ainda lembrou que, apesar da justificativa, a JBS chegou a anunciar ‘vultosas doações’ para ajudar no enfrentamento da pandemia.
Quando os funcionários foram demitidos, Santa Catarina estava em estado de calamidade pública: o governo havia proibido atividades não essenciais e os frigoríficos, que continuaram funcionando, enfrentavam um surto de contágio do novo coronavírus. O cenário levou a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, a determinar o monitoramento clínico de todos os trabalhadores indígenas que usavam transporte coletivo para se deslocar até os frigoríficos catarinenses. O cacique da Terra Indígena Serrinha decidiu então impedir a entrada de civis na aldeia e determinou que os trabalhadores da comunidade ficassem em casa por duas semanas, como determinam os protocolos sanitários em caso de suspeita de contágio.
“As empresas foram comunicadas. Todas acataram, exceto a ré, que no dia imediato informou a demissão dos trabalhadores”, escreveu o juiz. “Os outros frigoríficos dialogaram, suspenderam os contratos por sessenta dias ou deram férias coletivas e não demitiram. A ré não suspendeu os contratos e ignorou a tentativa de diálogo”, destacou o juiz.
A advogada Lúcia Fernanda Inácio Belfort Sales, que representa o Instituto Kaingang, disse que a decisão é ‘histórica’. Ela considera, no entanto, que o valor da indenização ficou aquém do esperado. “Considerando tratar-se da maior multinacional de carnes do mundo, são irrisórios em face do dano causado e amplamente comprovado”, afirma.
O advogado Breno Cavalcante, que também prestou assessoria jurídica na ação, disse que a decisão de demitir os funcionários no auge da primeira onda da crise sanitária foi ‘um ato cruel’. A colega Catherine Coutinho, outra advogada da equipe, lembra que a JBS fez uma doação de R$ 21 milhões ao Rio Grande do Sul. “O compromisso anunciado não se estende aos povos indígenas e configura prática de racismo, agravada pelas circunstâncias de calamidade pública em que o País está mergulhado”, afirma.
Ministério Público do Trabalho e Instituto Kaingang devem recorrer da sentença. A Procuradoria pedia que a JBS fosse condenada a pagar indenização por dano moral coletivo de R$ 8 milhões e uma indenização individual e em valor não inferior a R$ 50 mil, totalizando R$ 2 milhões para os trabalhadores demitidos.
Por Rayssa Motta e Fausto Macedo
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