O real liderou as perdas entre as moedas emergentes em relação ao dólar nesta segunda-feira (04), dia marcado por movimento de fuga de ativos de risco em todo o mundo. Sinais de inflação persistente nos Estados Unidos e Europa, em meio à crise energética global e à disrupção das cadeias produtivas, o impasse em torno da elevação teto da dívida americana e os problemas de solvência da incorporadora chinesa Evergrande – após suspensão de negócios com suas ações em Hong Kong – mantiveram os investidores na defensiva.
Mais uma vez, os ativos domésticos estão entre os mais castigados por causa dos problemas locais. Além da novela em torno dos precatórios e do auxílio emergencial, pesa sobre o sentimento dos investidores o avanço da crise hídrica, que ganhou um novo capítulo com a inclusão de “jabutis” da MP que lida com o tema e suas repercussões nas expectativas de inflação e crescimento. O Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) revelou que, segundo cálculos da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), alguns “jabutis” terão um custo de até R$ 46,5 bilhões a serem bancados por consumidores.
A revelação de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem recursos em empresa offshore mantida no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas causa desconforto, por minar o já abalado prestígio dele. Mas, segundo operadores, não tem, por ora, peso decisivo nos rumos do mercado. A série de reportagens batizada como “Pandora Papers” revelou que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também mantém contas no exterior.
Em alta desde a abertura dos negócios, quando registrou a mínima a R$ 5,3744, o dólar operou acima da linha de R$ 5,40 a maior parte da sessão e chegou a flertar com o patamar de R$ 5,45, ao correr até a máxima de R$ 5,4565 à tarde. No fim do pregão, o dólar à vista subia 1,44%, cotado a R$ 5,4465 – maior valor de fechamento desde 27 de abril (R$ 5,4612). O dólar futuro para novembro subia 1,53%, a R$ 5,4670, em dia de liquidez reduzida (na casa de US$ 10,8 bilhões), o que denota pouco apetite por novas apostas.
Lá fora, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes – recuava cerca de 0,20%, na casa dos 93,800 pontos, em correção após as altas recentes e avanço do euro. A moeda americana avança em bloco frente a divisas emergentes, com ganhos mais acentuados frente ao real e ao rand sul-africano (+1,03). Entre países exportadores de commodities, destaque para o rublo, que avança na esteira dos ganhos do petróleo, após a Opep+ se recusar a aumentar o volume de oferta (atualmente em 400 mil barris), mesmo com pressão dos Estados Unidos.
O quadro de inflação em alta na Europa, às voltas com a crise energética, e nos Estados Unidos – aliado a temores de desaceleração da economia chinesa – jogam dúvidas sobre o crescimento global no próximo ano. Isso tudo em meio à expectativa de redução da liquidez com o Federal Reserve dando início a redução da compra mensal de bônus em novembro ou dezembro, o que eleva a expectativa para a divulgação do relatório de emprego (payroll) americano de setembro, na sexta-feira, 8.
“O mercado já vem nessa dinâmica de ‘risk off’ faz alguns dias e isso se acentuou hoje. O Fed já praticamente anunciou o tapering para a sua aproxima reunião, as taxas dos Treasuries estão em alta e o dólar está se fortalecendo no exterior”, afirma o head de câmbio da head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto. “Aqui continuamos com todas as nossas preocupações fiscais e essa tendência populista do governo Bolsonaro”.
Para Netto, a revelação das contas offshore de Guedes e Campos Neto, embora não chegue a ser uma surpresa, incomoda ao mercado ao mostrar que as duas principais autoridades responsáveis pela condução da política econômica têm “um viés comprado em dólar”. Ele ressalta que, apesar de não haver nada que sugira que Guedes ou Campos Neto tenham agido de má-fé ou de forma imprópria, a credibilidade de ambos fica arranhada.
No front doméstico, ganha cada vez mais força a ideia da estagflação em 2022, com redução das estimativas de crescimento e aumento das expectativas de inflação. Já há quem veja a taxa Selic perto de 10% no ano que vem. Isso em meio à pressão por expansão de gastos em plano ano eleitoral. Não é à toa que parte do mercado vê nas intervenções do BC no mercado de câmbio – via swaps cambiais – o desejo de suavizar a alta do dólar e evitar, assim, aumento ainda maior das pressões inflacionárias.
Pela manhã, o BC colocou no mercado a oferta integral de 14 mil contratos (US$ 700 milhões) de swap cambial extra, relacionado ao overhedge dos bancos. Também foi absorvida pelo mercado a oferta total de 15 mil contratos (US$ 750 milhões) da rolagem de vencimentos programados para dezembro.
Em evento na Associação Comercial do Estado de São Paulo, Campos Neto disse que o BC atua o mercado de câmbio para evitar ruptura de liquidez, manter a conexão com os preços e tirar o incentivo para que investidores migrem para outros instrumentos de hedge. Ao ser indagado em relação ao fato de o dólar não ter caído em resposta ao choque de aumento de commodities, Campos Neto disse que “em parte é o fiscal”.
“Precisamos ter certeza de que arcabouço fiscal será mantido. Se agentes tiverem percepção de que não existe mais teto nem Lei de Responsabilidade Fiscal, haverá reprecificação de ativos”, advertiu o presidente do BC.
O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, discorda da avaliação (de parte do mercado) de que as intervenções do BC no mercado de câmbio tenham como motivo tentar deter a depreciação do real para conter a inflação. “As intervenções da política cambial não têm ocorrido para mexer em patamar nos últimos tempos e nada mudou no tocante a isso”, comenta, em nota, Sanchez, que estima Selic em 9,25% no fim do ciclo de aperto monetário, em fevereiro de 2022, e dólar a R$ 5,35 no fim do ano.
Por Antonio Perez
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