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Entrevista: “Americana”, Marfrig prevê resultados fortes (também) em 2022

A produtora de carne bovina Marfrig (MRFG3) deve continuar em 2022 com um bom resultado operacional, após neste ano a reabertura da economia americana ter impulsionado o consumo de proteína animal, disse Eduardo Puzziello, diretor de Relações com Investidores, em entrevista ao Mercado News. De acordo com ele, os números em 2022 virão mais fortes do que em 2019, antes da pandemia do Covid-19.

No segundo trimestre de 2021, a América do Norte se destacou no balanço da Marfrig: a subsidiária National Beef registrou Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 3,7 bilhões, alta de 8,7% ante 2020. A reabertura por estado da economia americana, a recomposição de estoques dos restaurantes e a barbecue season (época de churrasco) fizeram com que houvesse uma disparada na demanda, mesmo com a oferta estabilizada, contou Puzziello.

“Essa discrepância acabou puxando muito a margem da indústria americana. Vimos isso no segundo trimestre e continua no terceiro trimestre. Isso está muito forte”, disse o diretor. “Provavelmente em 2023, já tenda a uma normalização de margens e uma indústria mais equilibrada.”

No mesmo período, o endividamento da Marfrig medido pela relação de dívida líquida sobre Ebitda foi para 1,45 vez, nível mais baixo de sua história. “Pela ciclicalidade do setor, a nossa tendência em termos de alavancagem sempre está trabalhando abaixo de 2 vezes dívida liquida sobre Ebtida”, explicou Puzziello. “A companhia vem gerando muito caixa que tem sido ou para investimento ou para redução de dívida bruta”, disse o diretor da empresa, que anunciou um programa de dividendos de quase R$ 1 bilhão.

A seguir, leia a entrevista completa:

Mercado News – Houve redução da alavancagem da empresa. Isso indica uma tendência, inclusive com distribuições de dividendos mais recorrentes?

Eduardo Puzziello – Estamos em um business de commodities. Toda commodity tem a sua ciclicalidade. Estamos em um momento muito positivo principalmente na operação América do Norte. Temos tido números até acima da normalidade. Eu sempre brinco que o que a gente está vendo atualmente não é o normal, assim como há 10 anos também tivemos um ciclo que foi totalmente adverso. Estamos nos beneficiando desse momento, gerando caixa para reduzir dívida bruta e para fazer nosso dever de casa.

A principal métrica de alavancagem é a dívida bruta sobre o Ebtida. Nosso Ebtida está muito alto por conta desse bom resultado dos EUA. E a gente não acredita que em 2022 a gente vai ter um resultado tão forte quanto a gente viu em 2020 e 2021 nos EUA. Mas a gente acredita que em 2022 os resultados vão ser mais fortes que 2019, que já foi um resultado muito bom.

É provável que o Ebtida no ano que vem já comece a tender para uma normalidade. Obviamente, esse Ebtida começa a reduzir. Com meu denominador reduzindo, minha alavancagem provavelmente vai subir um pouco. Então pela ciclicalidade do setor, a nossa tendência em termos de alavancagem sempre está trabalhando abaixo de 2 vezes dívida liquida sobre Ebtida. Esse é um nível confortável para a gente. Estamos bem cientes nas nossas projeções internas aqui. No ano que vem, com tudo mais constante, a alavancagem deve subir um pouquinho. Não deve ultrapassar as 2 vezes, mas deve subir um pouquinho.

Se continuar tendo geração de caixa, também aqui na América do Sul, e o ciclo começar a ser mais favorável, principalmente no Brasil e na Argentina, isso vai se traduzir em rentabilidade. E essa rentabilidade no fim da linha vai ser o lucro. O mínimo que temos no nosso estatuto é o pagamento de 25% de dividendos. Essa é nossa política de distribuição de dividendos.

Se a gente entender que em uma jornada de um ano estamos com uma situação positiva, confortável, que nada vai ameaçar a nossa alavancagem, temos que excluir a questão de capex estratégico – que temos que investir – e o restante vai ser traduzido em dividendo para o acionista. Mas isso tudo é muito bem delimitado, muito bem analisado, de acordo com o cenário. Não gostamos de prometer para o longo prazo porque nesse cenário de commodities, o longo prazo é muito curto.

Mercado News – Quais as perspectivas para a operação da América do Norte nesta retomada da economia?

Eduardo Puzziello – Neste ano, a reabertura da economia americana e o pacote de incentivos acabam dando mais tração para o consumo de carne bovina. A reabertura por estado da economia, a recomposição de estoques dos restaurantes e o efeito sazonal, a partir de abril, maio, e junho, você tem o que eles chamam de barbecue season [época de churrasco]. Quando começa o verão americano eles começam a comprar cada vez mais carne. Tudo isso fez com que houvesse uma disparada na demanda, mesmo com a oferta estabilizada. E hoje há uma limitação de produção de carne nos EUA. Então essa discrepância acabou puxando muito a margem da indústria americana. Vimos isso no segundo trimestre e isso continua no terceiro trimestre. Isso está muito forte.

Acreditamos que depois de passada a pandemia, no ano de 2022, vai haver uma tendência para normalização de rentabilidade dessa indústria. Ainda há muito animal para abate nos EUA. Criou-se aquela porção de animais que deveriam ser abatidos e não foram em 2019, por conta da Tyson [incêndio ocorrido em uma planta da Tyson Foods].

Em 2020 também se criou mais um backlog [acumulo] de animais que deveriam ser abatidos e não foram, entre maio e junho. E esse animal está sendo gradualmente disponibilizado para abate. Então tem bastante animal sendo disponibilizado, um limite na capacidade de abate na indústria, só que uma demanda muito forte. Em 2022, isso deve começar a ir para a normalidade, ainda com margens muito altas. E provavelmente em 2023, já tenda a uma normalização de margens e uma indústria mais equilibrada. Mas é provável que 2020, 2021 e 2022 sejam anos muito fortes para a indústria de carne bovina americana.

Esse ano, algumas consultorias estimam que haja uma redução no rebanho de corte nos EUA, em torno de 1% a 1,5%. E ano que vem, em torno de 1,5% a 2%. É uma tendência normal, tendência do ciclo do gado.

No ciclo nos EUA, agora, estamos vendo uma retenção de fêmeas. O que é normal, não vemos com maus olhos. Mas temos que estar sempre regulando isso com a indústria e o mercado. No Brasil e na Argentina, estamos no ciclo negativo, no período que estão retendo fêmeas para a produção de bezerro. Houve nos últimos anos uma retenção e redução no abate de fêmeas. E a expectativa é que nos próximos anos cada consultor também tenha uma estimativa. Que em 2022 ou 2023 esse ciclo comece a ser positivo porque há uma normalização na oferta de animais.

Provavelmente em 2021, 2022 as operações na América do Sul irão ser mais desafiadoras por conta dessa questão do preço do gado que está em um nível muito alto. A margem dessa indústria está no preço de compra do gado e no preço de venda da carne. A gente abate o gado, produz carne e vende. No caso da América do Sul, que é uma plataforma de exportação, há ainda o câmbio, que é uma outra variável da margem. No nosso caso 85% da produção fica nos EUA. Então o câmbio para a gente não é um fator decisivo, que é o caso da América do Sul.

O câmbio a R$ 5,30 é um câmbio bom para exportação. Os outros dois pontos são o preço do gado e o preço da carne. Para você repassar isso de maneira eficiente, você tem que ter uma demanda boa. Se não você acaba sofrendo, comprando caro e vendendo mais barato.

No nosso caso a gente tem uma plataforma de exportação, então 2/3 da produção da América do Sul nós exportamos. O principal destino é a Ásia, principalmente China, que é o grande motor do consumo de carne, principalmente da América do Sul.

E a China tem absorvido bastante esse aumento do preço do gado. A gente não tem conseguido equalizar totalmente. Mas o preço médio, que estava abaixo de US$ 5 mil a tonelada um ano atrás, hoje está acima de US$ 6 mil a tonelada. Então em dólar estamos conseguindo repassar isso e o câmbio acaba beneficiando também.

O Uruguai está em um momento positivo do ciclo. Passou por 3, 4 anos bem difíceis. Agora está em um momento positivo, tem uma boa oferta de animais. E o Uruguai é uma plataforma exportadora pura, cerca de 90% da produção é exportada. Então o preço do animal é dolarizado no Uruguai. Exportações são todas dolarizadas também. Acaba não influenciado muito a questão do dólar. No Brasil e Argentina o animal é negociado em moeda corrente, então você tem essa disparidade.

Mercado News – Como está o desempenho da joint venture para carne à base de plantas? E quais as perspectivas?

Eduardo Puzziello –  O mercado de plant based é novo. Começou nos últimos anos. A Marfrig e a ADM primeiro fizeram uma parceria em 2019. Tem desenvolvido desde 2016 alguns produtos. A partir de 2019 começou essa parceria. Principalmente aqui para o Brasil, para Burger King, outras cadeias de fast food. Se não me engano maio ou abril do ano passado anunciamos a joint venture que ficou efetiva a partir do fim do primeiro trimestre.

A PlantPLus iniciou a operação há pouco tempo. Lançamos nossa estratégia comercial. A princípio o foco está sendo na América do Sul, mas a sede fica em Chicago. O objetivo é no médio prazo também atingir o mercado americano. É um segmento bem interessante. Nossas pesquisas internas apontam que é um mercado que para 2030 deve atingir cerca de US$ 25 a US$ 30 bilhões.

No caso da PlantPlus, estamos juntando duas gigantes. A Marfrig é a maior produtora de hambúrgueres do mundo. E nós usamos nossa própria instalação para fazer a produção de plant based. Está sendo feita em Várzea Grande. Há linhas dedicadas para esses produtos: hambúrguer, almôndega e outros produtos que vão em processados.

E juntamos também a ADM, a maior provedora de tecnologia para esse segmento. Estamos sempre com a tecnologia mais avançada possível. E tem tudo para dar certo. Não abrimos nenhum número da PlantPlus, porque é nova. Tem alguns meses. As estimativas são bem animadoras. A princípio é focar principalmente na América do Sul. Estamos com Burguer King, Subway, Outback e outras redes de fast food. E está indo bem, estamos animados.

Mercado News – Haveria complementaridade em uma eventual união entre Marfrig e BRF (BRFS3)? Qual a estratégia nessas compras de participação?

Eduardo Puzziello – A estratégia da companhia ao fazer esse movimento em cima da BRF foi realmente uma posição passiva. A BRF é uma empresa que é parceira, que há uma complementaridade comercial. Esse é um dos principais pontos desse approach [aproximação] com a companhia e por isso que fizemos esse movimento. Hoje a BRF é uma grande cliente da Marfrig. Grande parte do que a BRF compra de carne bovina, de produtos, hambúrguer, quibe, almondegas, todos os fillings [recheios] que vão dentro dos processados de carne bovina são fornecidos pela Marfrig.

Então primeiro: a BRF é uma grande cliente da Marfrig. Segundo: a companhia e a BRF têm desenvolvido parcerias comerciais em algumas frentes. Hoje vendemos os produtos da BRF nos nossos canais de distribuição. E a BRF também vende os produtos da Marfrig nos canais de distribuição deles. Por exemplo, na nossa distribuição no Chile, que é forte, estamos oferecendo produtos BRF. Se você vai em um mercado ou loja da BRF, e vai na parte de carne bovina é tudo Marfrig. É uma coisa que tem sido desenvolvida nos últimos 2, 3 anos. E entendemos que a BRF tinha ou tem um valuation barato. Nós temos gerado bastante caixa. Uma das partes da alocação de capital foi investida em uma empresa do setor que conhecemos e temos uma relação comercial muito forte. E tem também essa questão do ponto de vista do cliente e que eventualmente poderia se tornar um target [alvo].

Mas é um investimento passivo. Não temos a intenção de fazer um movimento para adquirir a BRF ou fundir a BRF. Tanto é passivo que hoje as ações da BRF estão sendo contabilizadas como caixa equivalente. São ações que estão lá no quesito de investimento. Hoje a Marfrig não tem nenhuma influência direta na companhia ou na administração da companhia.

É uma influência indireta, via aquisição. Somos um investidor relevante dentro da BRF. Não temos mais nenhum tipo de intenção. Pelo menos não temos nada para divulgar para o mercado relacionado a esse tema.

Mercado News – Qual o cenário e as perspectivas de exportações para a China?

Eduardo Puzziello – A tendência é que a China continue crescendo e consumindo mais carne bovina no mundo. Não temos ideia de qual vai ser o tamanho desse crescimento, mas a partir do momento que você tem uma migração, principalmente da população da China mais para a classe-média e urbanização, o consumo acaba crescendo. A China vai ser o grande vetor de crescimento de carne bovina no mundo.

E entra aquela questão do supply demand mundial, você tem uma demanda que está crescendo muito forte. Se alguém está consumindo demais, alguém está deixando de comer, porque você tem uma situação de limitação de produção de proteínas. E onde vai impactar isso? No preço. Quem pagar mais leva. E é isso que está acontecendo agora.

Por isso o preço da carne bovina na China cresceu muito forte. Era abaixo de US$ 5 mil a tonelada e agora está acima de US$ 6 mil a tonelada. Está acontecendo exatamente por esse jogo de soma-zero, por esse efeito de maior demanda de carne bovina em uma retomada econômica mundial.

Mercado News – Como você definiria o principal objetivo da companhia daqui para frente?

Eduardo Puzziello – Operar bem. Operar do ponto de vista industrial, de maneira eficiente, não só na América do Norte como na América do Sul. A administração da companhia está focando muito nesse lema de ser muito eficiente, medir todos os indicadores e tentar ser o mais eficiente possível dentro de uma operação industrial. Paralelamente a isso, a companhia está muito focada na disciplina financeira. E junto com essa melhora operacional, ela se traduz em uma melhora de alocação de capital para os stakeholders da companhia como um todo. Iremos ver investimentos estratégicos e crescimento continuando. Nunca podemos perder o foco da questão financeira, alavancagem.

Estamos superatentos a oportunidades de mercado, para cada vez mais tentar reduzir esse consumo de caixa via juros, financiamento. E ao mesmo tempo devolvendo dinheiro para o acionista.

A companhia, depois de 10 anos, fez o pagamento de dividendos no início do ano. Atualmente, anunciou o novo programa de dividendos antecipados para 2021. Depois de todo esse período de ajustes e de melhoras constantes a companhia começa a entregar valor para o acionista, por conta de todo esse esforço que a administração da companhia fez.

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Ana Macedo

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