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Entrevista: Jalles Machado investe em cogeração de energia e açúcar orgânico

A Jalles Machado (JALL3) admite que a safra atual 2021/22 está sendo “menos açucareira do que o esperado” devido à alta de preços do etanol em um cenário de menor oferta pela seca, que não afetou a empresa goiana do setor sucroenergético, afirmou ao Mercado News o CFO e diretor de Relações com Investidores, Rodrigo Penna. Assim, o guidance divulgado em maio prossegue intacto, com projeção de produção entre 5,26 milhões e 5,4 milhões de toneladas e produtividade de 93% a 96%.

“Muita gente privilegiou o açúcar, na safra passada, então ele [etanol] deu essa recuperada forte e em vários pontos do Brasil, em vários momentos, passou a valer a pena fazer mais etanol que açúcar”, disse o executivo sobre a produção da Jalles Machado, que é “mais sustentável e amiga do meio ambiente“ por não utilizar fertilizantes químicos em sua agricultura. Graças a isso, segundo ele, a companhia tem a melhor nota de conversão de Cbios (crédito de carbono) do mercado no contexto Programa Nacional de Biocombustíveis (Renovabio). Acumulando a experiência de 38 safras desde a primeira em 1983, a Jalles Machado possui hoje 34% de sua receita advinda de produtos com valor agregado, cujo destaque principal é o açúcar orgânico.

Pioneira em cogeração de energia, a empresa anunciou um investimento de R$ 517 milhões para a expansão do volume de moagem das unidades industriais com os recursos obtidos no IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês), realizado em fevereiro. O aporte veio maior do que o previsto inicialmente (R$ 350 milhões) devido ao aumento de custos e ao investimento na cogeração de energia, que irá reduzir despesas da empresa e preparar a Unidade Otávio Lage para, futuramente, produzir até 3,5 milhões de toneladas por ano por meio de geração de vapor.

De acordo com o CFO, a alta de preços dos produtos vendidos pela Jalles Machado, como o açúcar e o etanol, ajuda a equilibrar a conta do investimento mais elevado. Além disso, Penna mencionou que o outro projeto da empresa é adquirir uma nova usina ainda nesta safra (2021/22).

A seguir, leia a entrevista completa:

Poderia falar um pouco sobre o investimento anunciado de R$ 517 milhões para ampliar o volume de moagem de suas unidades fabris?

No IPO comentamos bastante que tínhamos dois objetivos principais, dentre alguns outros que fazem parte da estratégia da empresa. Mas os dois usos do recurso do IPO eram: fazer uma expansão nas nossas unidades de 1 milhão de toneladas, que anunciamos, e o outro projeto era buscar um M&A fazendo uma aquisição de uma nova unidade, em uma nova região, para a Jalles Machado ter espaço para continuar crescendo como sempre cresceu.

A taxa de crescimento composta (CAGR) que a Jalles Machado teve ao longo da sua história foi de 9,3% ao ano, ou seja, todo ano a gente cresceu em média 9,3% desde 1983, que foi nossa primeira safra. E depois de fazer esse crescimento nas nossas unidades, a gente vai ficar com uma condição mais limitada de crescer na nossa região, por falta de terra, pois a gente já vai ter preenchido a nossa região com as nossas unidades. Vai ter crescimento mas vai ficar mais limitado.

Por isso, iniciar um novo polo de crescimento, que é o M&A, que está em análise e avanço pela empresa, e que era outra parte do uso dos recursos.

O IPO acabou sendo menor, mas estamos passando por um momento muito positivo do setor, com preços das nossas commodities valorizadas. Então a gente manteve a meta, mesmo com o volume da oferta reduzindo um pouco do inicialmente proposto lá atrás. Anunciamos o investimento desse crescimento e ele mudou um pouco o escopo daquilo que a gente imaginava inicialmente durante o IPO.

Nós falávamos em investir R$ 350 milhões nesse crescimento orgânico – que a gente chama de “brownfield” que são as plantas já existentes – acabamos fazendo um investimento adicional em uma parte de cogeração para deixar de ter um custo de coleta de palha, essa unidade [Unidade Otávio Lage] ter mais flexibilidade para fazer mais açúcar, para ser mais açucareira do que ela é hoje, e também fazer o açúcar orgânico. Vamos crescer de 2,3 milhões de toneladas para 3 milhões de toneladas, mas ela já terá condição na parte de vapor, com esse investimento, em chegar a 3,5 milhões de toneladas em alguma expansão futura.

E esse aumento de escopo, que está custando por volta de R$ 90 milhões a mais, aumenta a flexibilidade da planta de ser mais açucareira, deixa de coletar palha, e isso vai reduzir o custo anual em R$ 10 milhões, porque hoje eu coleto palha para termelétrica que eu vou deixar de recolher. Então esse aumento do escopo foi em função disso.

E a gente chegaria, sem essa parte no investimento, de acordo com o escopo inicial, em R$ 425 milhões praticamente, que aumentou um pouco em relação ao que a gente tinha em novembro por conta do aumento de custos de materiais, dado o câmbio atual, e até esse aumento dos preços das commodities em dólar, principalmente os derivados de aço. Então a gente percebeu um aumento nos custos dos materiais, nos orçamentos que fizemos mais recente, que foi na ordem de 20%.

Então o custo no mesmo escopo anterior subiu de R$ 350 milhões para R$ 425 milhões, por volta de 20%, e a gente aumentou um pouco esse escopo que se paga por si só com essa redução de custos, e essa condição de ter mais flexibilidade para fazer açúcar convencional e orgânico.

E outro ponto no aumento de 20%: também teve os preços das nossas commodities que valorizaram de lá para cá, que compensaram esse aumento de custos não atrapalhando o retorno do investimento. O conselho aprovou exatamente porque está bem acima dos valores mínimos de retorno que a gente exige de um investimento.

Como tem sido a safra atual até o momento em termos de produção e vendas, considerando o efeito de falta de chuvas em algumas regiões?

Divulgamos um guidance em maio da nossa moagem. A empresa não foi afetada, não tivemos reflexo da seca. Esse ano teve na região um pouco menos de pluviosidade, mas foi bem distribuída. E a gente tem uma capacidade de ação grande – o que mitiga um pouco também o risco climático. A gente não está tendo qualquer problema em relação a seca.

Na nossa região não tem geada. Esse foi o ano mais frio que a gente teve na região, e a temperatura mínima que chegou foi 12 graus de madrugada, então ficamos longe de zero grau.

Na nossa região tem uma seca rigorosa, ficamos de 15 de abril até início de outubro praticamente sem chuva e temos esse modelo de irrigação de salvamento naquelas áreas que precisam de irrigação na seca, e fomos aumentando a irrigação para fazer uma irrigação plena e suplementar que joga mais água do que só no salvamento.

Esse nosso setor tem dois riscos importantes: o risco de clima, que impacta demais nosso negócio, o clima está super ligado à nossa produção, e o risco de commodities, que tem altos e baixos. A empresa tem esses riscos, mas ela consegue amortecer um pouco isso, com irrigação, da parte climática, e o fato de nós termos 34% da receita do produto de valor agregado que de certa forma mitiga o risco de oscilação dos preços de commodities. São dois pontos importantes no nosso modelo de negócios em relação a esses dois grandes riscos que são inerentes ao nosso setor.

Soltamos o guidance, que está valendo, que é uma produtividade entre 93% e 96% toneladas de cana por hectare para esse ano, e uma ATR [índice que mede o teor de açúcar na cana] maior do que a gente teve ano passado. Isso faz a gente ter uma safra esse ano que vai variar entre 5,26 e 5,4 milhões de toneladas. Estamos mais próximos do top range do que do low range.

Em geral essa é uma safra para ser açucareira, mas isso é dinâmico. A gente começou a safra com perfil de ser mais açucareira, mas em alguns momentos o mercado tem sido favorável ao etanol. Então temos essa flexibilidade, nós idealizamos uma safra mais açucareira, mas ela vai ser um pouco menos açucareira do que foi imaginado no início porque o etanol tem tido uma equivalência no mercado interessante, melhor que o açúcar, em alguns momentos, mas na maior parte do tempo tem prevalecido o açúcar.

Quais as perspectivas para as exportações de açúcar na safra atual?

Isso eu não posso comentar. Porque não podemos falar de nenhuma expectativa e projeção que a gente já não tenha soltado no mercado.

Mas falando do panorama de mercado, esse mercado desse ano de açúcar e etanol tem sido bastante construtivo, até melhor do que os analistas esperavam que fosse, principalmente o etanol, o açúcar já estava em um patamar bom.

Todo mundo imaginou que esse ano todo mundo ia tentar fazer o máximo de açúcar possível. Todo mundo imaginou a safra dessa forma, mas o etanol reagiu tão bem devido aos preços de petróleo, por consequência a gasolina, e uma oferta menor de etanol também por causa da seca, geada. Muita gente privilegiou o açúcar na safra passada, então ele [etanol] deu essa recuperada forte e em vários pontos do Brasil, em vários momentos, passou a valer a pena fazer mais etanol que açúcar, então os dois produtos estão com um preço acima dos níveis históricos.

A Índia anunciou que vai antecipar a entrada de mais etanol na mistura com a gasolina, então isso tira açúcar do mercado mundial também, é construtivo para preços. A nível mundial o Brasil é o maior produtor e depois é a Índia. Com a Índia transformando parte do que seria açúcar para etanol para substituir a gasolina no mercado deles, ajuda [a valorizar os preços do açúcar]. O estoque mundial de açúcar já está baixo, e deve continuar assim por algum tempo, tanto pelas questões externas quanto pelo Brasil que está tendo uma seca relevante e essas questões de geada.

Então o cenário está bem positivo. As telas de mercado futuro de açúcar estão boas tanto para essa safra 2021/22, 2022/23 e 2023/24 em todos os níveis acima dos níveis históricos.

Como a empresa observa essa guinada em prol do etanol, motores híbridos, no contexto global de redução de emissões de CO2?

Teve uma febre do carro elétrico, e recentemente temos visto o pessoal começando a perceber as dificuldades do carro elétrico: você tem que ter essa produção de energia elétrica, que a fonte de onde ela vem é um problema.

Temos visto montadoras como a Toyota, Volkswagen, com várias declarações, tanto do etanol como híbrido (elétrico com etanol) que emite muito menos gramas de CO2 por quilômetro rodado do que o elétrico puro. O etanol é mais amigo do meio ambiente do que o carro elétrico, quando a gente considera desde a obtenção da energia elétrica até o uso dela. E agora, estão começando a falar também do hidrogênio verde, e o etanol também é uma das formas mais baratas de se extrair hidrogênio, da molécula do etanol. A Nissan já tem um carro em teste sobre isso, a Volkswagen parece que está começando a trabalhar nesse assunto, a Unicamp tem essa parceria com a Nissan. E o presidente da Volkswagen anunciou que o Brasil vai ser o polo de desenvolvimento dessas tecnologias com o uso de etanol mais eficientes, seja para extrair hidrogênio, seja híbrido.

Então para o Brasil e alguns países produtores de etanol tem um futuro muito promissor, porque é uma energia renovável e emite menos poluição do que o carro elétrico, quando a gente considera da produção até o uso. E tinha uma preocupação dos investimentos não irem para esse lado e agora começou a aparecer, porque a bateria tem seus entraves, os materiais que são utilizados estão subindo bastante, materiais nobres. E o etanol, com todas essas qualidades, seria uma solução espetacular para países como o Brasil.

E essa questão do hidrogênio é: você abastece o carro de etanol, o próprio carro transforma através de um reformador o etanol em hidrogênio mais água e CO2, e ele pega esse hidrogênio, que vira célula de combustível para acionar os motores elétricos das rodas. Então é um carro elétrico, mas ao invés de você ter que abastecer ele de bateria, abastece de etanol, um combustível muito mais limpo do que aquela energia elétrica que está sendo produzida.

Como vocês pretendem elevar o grau de sustentabilidade daqui para frente?

Temos várias ações junto à comunidade local. Na pandemia fizemos doações enormes de etanol para o estado e município. Isso sempre fez parte da companhia.

Além disso, temos um programa de reflorestamento no qual já plantamos mais de 5 milhões de árvores ao longo dos anos em todas as áreas – matas ciliares, APPs [Área de Preservação Permanente] –  que precisavam ser recompostas em parcerias de cana. E temos trabalhado forte nos últimos 5 anos, reduzindo bastante o uso de água nas indústrias, fazendo um ciclo fechado para o reúso da água.

A nossa agricultura orgânica é super sustentável, porque outra força grande da Jalles é o RenovaBio. A Jalles Machado tem a melhor nota de conversão de Cbio [crédito de carbono] do mercado porque a gente emite menos CO2 durante nossa produção. Além de sequestrar carbono, eu faço melhor que a média. Mais de 20% da nossa parte agrícola é orgânica, e um dos maiores poluidores na nossa operação (mais que o óleo diesel usado nas máquinas) são os nitrogenados, fertilizantes que se usam no solo. Na nossa agricultura orgânica não usamos fertilizantes químicos, então começamos a ter uma produção mais sustentável e amiga do meio ambiente. E vai colocando matéria orgânica no solo, então ele vai ficando mais balanceado, e você não gera desequilíbrio químico nas microbactérias.

Estamos de cabeça nas questões de ESG até pelo modelo que a gente buscou, de filosofia de trabalho, uma produção orgânica sem produto químico, só com matéria orgânica.

A empresa tem a intenção de realizar algum tipo de movimento para crescimento inorgânico, via fusões e aquisições?

Essa é a outra parte do uso dos recursos do IPO [aquisição de uma nova unidade]. A empresa tem a ideia de concluir esse plano nesta safra, que vai de abril de 2021 até março de 2022, e a gente pretende concluir essa aquisição, estamos trabalhando nesse assunto há alguns meses.

Qual o principal objetivo da empresa de agora em diante?

Sempre buscamos crescer com bastante responsabilidade, pé no chão, fazendo as coisas bem-feitas, buscando ter um retorno para o acionista, então a gente tem esse projeto de crescimento e não para aí. A empresa tem esse interesse de se tornar o player mais relevante do setor, mas sempre com muita qualidade. Com muita qualidade na operação, trabalhando bastante o uso de tecnologia, fazendo uma produção cada vez mais sustentável, aumentando esses produtos de valor agregado que seriam mais saudáveis para o nosso consumidor. E a Jalles enxerga que tem um papel muito importante na sociedade que nós estamos, então a gente sempre procura apoiar não só o nosso público interno, mas toda a sociedade que faz parte do nosso meio.

A gente quer continuar crescendo, inovando. Fomos pioneiros em várias ações do setor como cogeração, agricultura orgânica, esse cuidado com meio ambiente. Na década de noventa a gente já fazia plano de participação e resultados com nossos colaboradores, uso de tecnologia 4g no campo, foi a primeira usina a ter mais de 90% da área agrícola coberta com 4g+.

E nesse mundo, cada vez mais digital e autônomo, a tecnologia vai impactar cada vez mais. A gente tem trabalhado bastante isso na equipe, de estar com um olhar muito voltado para oportunidade de inovar, de fazer melhor, de usar tecnologia. Com uma grande atenção para frente. Com um olhar muito grande na inovação, para a gente poder fazer mais e melhor com custo mais baixo e procurando sempre estar na frente da maioria, porque é importante.

Qual impacto que a venda de 64 GWh de energia da Albioma Codora Energia, no leilão de Aneel, terá na Jalles e nos futuros planos da empresa?

A Albioma é uma empresa que a Jalles é minoritária, nós temos 35%, eles [Albioma Participações] 65%, e esse projeto tem impacto via equivalência patrimonial. E ela está no nosso parque industrial.

Foi uma concessão [da Codora Energia para a Albioma] que equivale 20 anos, passaram 6 e meio, e depois volta tudo para a gente. 100% volta a ser da empresa, a não ser que a gente queira manter ou faça uma nova venda.

Nesse projeto que ela vendeu, parte dessa energia é vinda do biogás, uma nova contribuição ambiental também. A gente irá entregar vinhaça para eles e vai transformar essa vinhaça em biogás, mais o resíduo, que iremos continuar usando como fertilizante, mas antes vamos capturar o biogás e injetar na caldeira, isso vai gerar mais energia que vai ser exportada. Mas no complexo: vamos estar tirando biogás para transformar em combustível, biogás que ia direto para a atmosfera e poluía, e agora ele vai substituir o combustível, então é um ponto positivo pro meio ambiente. Mas na companhia [Albioma Codora Energia] nós somos um investidor minoritário, temos 35%.

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Ana Macedo

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