Economia

Pix já conquista o pequeno comércio

Com uma cesta de doces pendurada no pescoço e um QR Code do Pix colado na frente, Gustavo Colucci Borges percorre 20 quilômetros por dia para realizar o sonho de se tornar um empresário de sucesso. Desde junho, ele vende chocolates na Avenida Paulista para arrecadar dinheiro e patrocinar posts na internet. Aos 18 anos, ele vende produtos digitais, como cursos online, no chamado boca a boca.

Para atingir mais clientes, usa o dinheiro conseguido com a venda dos chocolates para fazer posts na internet. O jovem morador de Itaquera pretende continuar vendendo doces até agosto para impulsionar os negócios nas redes. Como se trata de um trabalho temporário, ele não tem maquininha de cartão. Aceita só dinheiro e Pix, que é a transferência instantânea. Borges diz que 40% das suas vendas são feitas no Pix, com o tíquete médio de R$ 7,50. Quando as vendas são feitas em dinheiro, a média cai para R$ 5.

O jovem segue uma tendência que caiu na graça do brasileiro desde o fim de 2020. Lançado em novembro, o Pix já superou o boleto bancário, o cheque e as transferências por meio de Doc, Ted e Tec, em número de transações. Pelos dados do Banco Central (BC), em maio, foram feitas 649,1 milhões de transações ante 342 milhões de boleto bancário, 126 milhões de transferências tradicionais e 18 milhões, de cheques.

Quem mais sofreu com essa expansão do Pix foram as transferências feitas por meio de Doc, Ted e Tec. De novembro do ano passado até maio o número de transações mensais nessas modalidades caiu 41% enquanto o Pix avançou 1.733%, segundo o BC. “A grande sacada do Pix é que tira a hegemonia do banco para processar o pagamento, aumenta o nível de concorrência e representa uma grande vantagem para o consumidor”, afirma o presidente da Trevisan Escola de Negócios, VanDick Silveira.

Para alguns especialistas, o crescimento acelerado do Pix pode ser uma ameaça tanto para bancos quanto para empresas de cartão e de maquininhas. Em tempos de juros baixos, as instituições financeiras ganham muito com as receitas de serviços, composta por tarifas pagas pelos clientes, entre elas as de Doc e Ted, cuja operações estão em queda.

Hoje as transações de Pix feitas por pessoa física são isentas, mas a pessoa jurídica paga uma taxa – menor do que a das transferências tradicionais. Mas isso também pode mudar dependendo do mercado. “Se uma fintech fizer ação para isentar as taxas como forma de atrair clientes, outros bancos podem ter de seguir o movimento ou reduzir as tarifas”, diz Rone Charles, presidente da Landlojas – uma startup de soluções para e-commerce da Woli Ventures.

O diretor de inovação, produtos e serviços bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Leandro Vilain, diz que inicialmente houve uma preocupação de que ocorresse uma migração muito forte de outros meios de pagamento para o Pix. Mas, apesar dos números do BC, ele vê como marginal a queda do volume de transações de Ted (as de Doc já vinham caindo).

Segundo ele, um estudo de 2014 mostrava que 38% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro era de transações em dinheiro. Esse trabalho foi reforçado por outro que mostra que 40% dos gastos das famílias brasileiras são em espécie. “Isso me faz concluir que o Pix ocupou o espaço das transações em espécie, o que é uma boa notícia, pois melhora a arrecadação de impostos e reduz custos para o consumidor.”

Segundo os dados do BC, 79% das transações de Pix são feitas entre pessoas físicas. E a maior parte tem idade entre 20 e 29 anos, como ocorre na banca da Ana Lucia Pereira da Silva, de 52 anos, que vende vários tipos de gorros. Ela adotou o Pix exatamente para atender a “garotada” que está sempre com o celular na mão e correndo. Assim, não perde a venda.

As transações entre pessoas físicas e empresas ainda são baixas, mas tendem a avançar bastante nos próximos meses com a adesão de redes de varejo. A comerciante Fernanda Baraldi, que tem um show room de flores artificiais na Lapa e um box no Ceagesp, conta que adotou o Pix no começo do ano, mas só agora está divulgando mais e incentivando os clientes a pagarem de forma instantânea.

“Temos priorizado essas transferência pelo fato de não ter taxa (das máquinas de cartão) e o dinheiro cair na hora. Damos descontos que variam de 5% a 10% para pagamento nessa modalidade”, diz ela, destacando que o Pix representa cerca de 15% dos pagamentos da loja. Ela conta que, no passado, tinha conta em vários bancos para que os clientes pudessem fazer transferência, sem taxa. “Mas fomos diminuindo as contas nos bancos e sentimos uma certa resistência dos clientes em fazer transferência. Com isso, a maioria foi preferindo pagar com cartão.”

Cartão de crédito

Do lançamento do Pix em novembro do ano passado até março, a participação do meio de pagamento instantâneo subiu de 7% para 30%, segundo dados da Federações Brasileira de Bancos (Febraban). Isso considerando apenas as transferências por Doc/Ted e maquininhas de cartões. A fatia desses dois meios de pagamento caiu, respectivamente, de 25% para 19% e de 68% para 51%.

Apesar dos números, o diretor da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviço (Abecs), João Pedro Paro Neto, diz que a indústria de cartões cresce a uma média de 18% ao ano e faz 45 mil transações por minuto. Para ele, o Pix é uma forma de transferência bancária, não um meio de pagamento. “Além disso, nossas soluções são completas, com segurança e vários formatos, com compras à vista, parceladas e, em breve, em forma de crediário.”

Para ele, cabe ao cliente escolher a melhor forma de fazer seus pagamentos. “No Brasil, os consumidores têm a tradição de fazer compras a prazo”, diz Eduardo Dotta, professor do Insper. Nesse ponto, o Pix não deve provocar muitas alterações, como mostram os microempreendedores Rosangela Aparecida Teixeira de Oliveira, de 54 anos, e Aparecido “Shidon” Soares Filho, de 66 anos.

Eles oferecem praticamente todas as modalidades de pagamento: crédito, débito, dinheiro e, agora, Pix. Para eles, seria mais vantajoso o Pix, já que não há taxas. Mas, segundo Rosangela, que faz artesanato em crochê, 90% das vendas ainda são feitas na maquininha – ela tem três, de diferentes marcas. As taxas cobradas pelas empresas de meios de pagamento são diferentes, mas, no geral, os valores são maiores quando a opção escolhida é o crédito.

Débito

Se para o cartão de crédito o Pix não representa uma ameaça, o mesmo não ocorre com os cartões de débito, diz o presidente da fintech Jazz, José Roberto Kracoskanky. Na avaliação dele, o avanço da nova modalidade vai exigir um reposicionamento das empresas de maquininhas, uma vez que o Pix deve ser incrementado daqui para frente com novas funcionalidades, como o Pix agendado, Pix Saque e Pix Troco.

Uma pesquisa da consultoria GMattos com lojas online mostra que a aceitação do Pix nas operações pela internet triplicou de janeiro para cá. Além disso, a conversão do Pix é de 90% enquanto numa compra com débito é de apenas 30%. Isto significa que 70% dos consumidores que tentam pagar uma compra online com débito não concluem a operação, diz o presidente da GMattos, Gastão Mattos. De acordo com a pesquisa, para a loja, “se o consumidor tiver Pix e débito, a opção pelo Pix é mais favorável, implicando receitas três vezes superiores dado o ganho na conversão do pagamento”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Renée Pereira e Érika Motoda

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Estadão Conteúdo

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