Mercados

Dólar sobe 2,39% com aversão externa ao risco e quadro político doméstico

Em dia de forte correção nos mercados globais, com queda das Bolsas e fuga de ativos de risco, o dólar à vista subiu mais de 2%, superando o patamar de R$ 5,20. Segundo analistas, dados mais fracos da economia americana e europeia, aliados ao mergulho do petróleo e das demais commodities, teriam levado investidores a correrem para se abrigar no dólar e nos Treasuries, cujas taxas desabaram, na véspera da divulgação da ata do Federal Reserve (Fed, o banco central americano).

O real mais uma vez liderou o ranking das perdas entre as divisas emergentes, fenômeno atribuído à deterioração do ambiente político doméstico. Com mínima de R$ 5,0765 e máxima de R$ 5,2127, já na reta final dos negócios, o dólar à vista encerrou a sessão em alta de 2,39%, a R$ 5,2092 – maior alta porcentual desde 24 de março e maior cotação desde 31 de maio. No acumulado de julho, a valorização chega a 4,75%.

Operadores e analistas atribuem o quadro político conturbado a uma combinação de fatores: avanço das investigações da CPI da Covid sobre propina em compra de vacinas, mal-estar com a proposta da reforma tributária e temores de uma “guinada populista” do governo Jair Bolsonaro, sobretudo após a Petrobras anunciar um aumento nos preços dos combustíveis em meio à ameaça de paralisação dos caminheiros, que programam greve geral para 25 de julho. Há preocupações também com o andamento da agenda de reformas e uma possível deterioração do quadro fiscal. Ontem à noite, o governo anunciou a prorrogação do Auxílio Emergencial por mais três meses.

Bolsonaro é alvo de um superpedido de impeachment, sofre acusações de receber parte do salário de assessores quando era deputado federal, a chamada “rachadinha”, e aparece atrás do ex-presidente Lula nas pesquisas para as eleições presidenciais de 2022.

Em depoimento à CPI da Covid, a servidora do Ministério da Saúde Regina Célia Silva Oliveira, fiscal para o contrato para aquisição da vacina indiana Covaxin, negou que haja influência do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), na pasta. Ela disse não ter visto nada de “atípico” no processo de aquisição da Covaxin, mas admitiu que o contrato ficou um mês sem fiscalização.

A economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ouroinvest, atribuiu o desempenho pior do real em relação a outras dividas emergentes à percepção de aumento do risco político interno. “Hoje o dia foi muito ruim para as moedas emergentes. E o real tende a sofrer mais porque o nosso mercado é mais líquido. Mas eu acho que o comportamento da moeda hoje é muito explicado pelo nosso quadro político”, afirma a economista. “A expectativa de melhora da economia, com o avanço da vacinação, e aumento dos juros haviam contribuído para a queda do dólar em junho. Agora, vemos o risco político tomar conta e uma expectativa de inflação mais alta, que também prejudica”, acrescenta Cristiane.

Lá fora, o índice DXI – que mede o desempenho do dólar em relação a uma cesta de seis moedas fortes, tinha alta firme e trabalhava na casa de 92,5 pontos. Entre as demais divisas emergentes, a moeda avançava com mais força frente ao peso colombiano, o peso mexicano e o rand sul-africano.

O economista-chefe do Instituto Internacional de Finanças (IFF), Robin Brooks afirmou, no Twitter, que os dados fracos da economia americana levaram a um temor em relação ao crescimento global, o que acabou pesando nos ativos emergentes. “É uma bobagem. A economia americana está se recuperando. A pior bobagem de todas é a queda aguda do real. Mantemos nosso valor justo de R$ 4,50”, escreveu Brooks. “A venda de real não é remotamente justificada. O Brasil tem problemas com corrupção, mas que país emergente ou do G10 não tem”.

A cautela também foi reforçada pela expectativa em torno da divulgação, amanhã, da ata do mais recente encontro de política monetária do Federal Reserve, o que pode mexer com as expectativas para o início da redução da compra de ativos (‘tapering’) e, por tabela, com a liquidez global.

O head de moedas globais do Brown Brother Harriman, Win Thin, avalia como “equivocada” a leitura de que o relatório de emprego (payroll) nos Estados Unidos em junho, divulgado na sexta-feira, vai fazer o Fed postergar o debate sobre a redução da compra de ativos (‘tapering’). “O que poderia fazer o Fed recuar seria uma significativa desaceleração mais forte na geração de empregos em julho e agosto, mas esses dados vão demorar a sair. Esperamos que o FED avance no debate do tapering e que a ata seja hawkish”, afirma Thin, em nota a clientes.

Por Antonio Perez

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Estadão Conteúdo

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