Há algumas semanas, Luciano Hang levou potenciais investidores para conhecer lojas da Havan. A ideia era mostrar o modelo de negócios da rede varejista a grandes fundos, que seriam âncoras (os investidores de maior peso) de uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Enquanto anda com o plano de ida à Bolsa, porém, a Havan se adapta à realidade.
Ao protocolar o prospecto de seu IPO na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 2020, a varejista tinha a pretensão de chegar à Bolsa valendo R$ 100 bilhões. Em março, o valor baixou para R$ 70 bilhões. Hoje, as estimativas de potenciais investidores já cortaram o projeto a menos da metade: R$ 45 bilhões.
Mesmo assim, os desafios para a Havan abrir seu capital não são poucos. Os especialistas apontam desde problemas de governança e excessiva dependência da figura de seu controlador, conhecido por ser um fervoroso defensor do presidente Jair Bolsonaro, até questionamentos sobre a transparência da empresa e as informações apresentadas no site de relações com investidores (RI).
Um gestor de um grande fundo no Brasil, que foi convidado para o tour e decidiu não participar, afirma que o extremismo político de Hang pode, sim, ser um fator negativo para o IPO, visto como um ponto relevante na governança da companhia. “Não duvido que, se um fundo for âncora, ele pode fazer um boicote e pedir resgate”, diz. No prospecto protocolado na CVM ano passado, Hang é apresentado como um fator de risco. De qualquer forma, o IPO deve esperar, dizem fontes envolvidas no processo.
Governança
Mas há outras questões. A governança corporativa, por exemplo, está longe das práticas de empresas abertas. O conselho de administração é formado por apenas três pessoas, sendo uma delas Hang. Atende à determinação da Lei das Sociedades Anônimas (SAs), mas não à indicação do colegiado ser composto por entre 5 e 11 membros, feita às empresas de capital aberto pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
“Esse é o número mínimo para que haja diversidade em competências e expertises em conhecimento técnico”, diz Luiz Martha, gerente de pesquisa, conteúdo e comissões do IBGC, ao responder sobre o colegiado ideal. “O conselho não pode ser muito pequeno para que exista diversidade, nem tão grande para haver consenso.”
Além disso, diz ele, o IBGC recomenda que o presidente executivo não faça parte do colegiado, mas seja regularmente convidado às reuniões. “O conselho tem de agir no melhor interesse da companhia, ainda que suas decisões sejam conflitantes com os objetivos de curto prazo do acionista”, diz ele. “Há reuniões que precisam ser realizadas sem a presença do principal executivo e é necessário evitar constrangimentos para ambos os lados.”
Em respostas por email, a Havan diz que, apesar de ser uma companhia fechada e com um único acionista, adotou boa parte das regras de governança do Novo Mercado. Entre elas, o conselho “no qual há Conselheiro Independente, não cumulando as posições de CEO e presidente do Conselho e criou diversos Comitês para garantir o nosso bom funcionamento”.
Até quinta-feira, no site de RI da empresa, porém, havia apenas um comitê, formado por uma pessoa e sem identificação de sua área de atuação. “Não faz sentido ter um comitê formado por apenas uma pessoa porque não há o debate e a carga de trabalho é incompatível com a função”, diz Martha. Após questionamentos da reportagem, a Havan incluiu mais duas pessoas no comitê, que passou a ter três membros. Também incluiu um CFO (diretor financeiro) e retirou Hang da liderança.
A Havan também afirma, no mesmo email, que, apesar de o IBGC sugerir que o CEO não faça parte do conselho, “basta uma simples pesquisa no site de RI de algumas das principais Companhias Abertas Brasileiras para se aferir que tal recomendação, na absoluta maioria dos casos, não é seguida.”
De todo modo, outras práticas adotadas pelas empresas de capital aberto também não funcionam na Havan. Além de ser diretor de relações com investidores e financeiro da Havan, Edson Diegoli, por exemplo, também aparece no site de RI como diretor administrativo de outras empresas de Luciano Hang. Entre elas, quatro geradoras de energia e uma administradora de shoppings, das quais também é sócio.
“O sr. Diegoli se dedica de maneira integral à Havan. Nas demais companhias do grupo nas quais tem algum cargo, ele exerce um papel estratégico, sem necessidade de presença física, semelhante ao papel de um conselheiro de uma companhia aberta”, escreveu a empresa. “Além disso, a Havan é composta de outras pessoas além da diretoria, que conseguem suportar, não somente a operação, como também dedicar-se na condução do IPO.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Cristiane Barbieri e Fernanda Guimarães
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