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Novo Bolsa Família pode liberar 30% do benefício para pagar crédito consignado

Com o objetivo declarado de promover a emancipação financeira e o empreendedorismo, o novo Bolsa Família pode gerar endividamento dos mais pobres. O governo quer permitir que até 30% do valor do benefício possa ser descontado na fonte para abater empréstimos consignados. A proposta consta em minuta da medida provisória – à qual o Estadão teve acesso – que traz o desenho técnico da reformulação e da ampliação do programa pelo governo, com nome provisório de Renda Cidadã.

O Bolsa Família “turbinado”, como os aliados no Congresso chamam o projeto, é considerado uma plataforma política para a busca da reeleição do presidente Jair Bolsonaro em 2022. O valor médio do benefício (fixado inicialmente em R$ 250) ainda depende de cálculos que estão sendo feitos depois que Bolsonaro pediu à equipe econômica que o elevasse para R$ 300.

Pela proposta, o pagamento das parcelas do crédito concedido por bancos poderá ser descontado quando “expressamente autorizado pelo beneficiário até o limite de 30% do valor do benefício”. Caberá ao Ministério da Cidadania definir as condições do crédito e critérios para a celebração dos acordos de cooperação técnica entre a Pasta e as instituições financeiras interessadas em ofertar o empréstimo. O tomador do dinheiro que perder a condição de beneficiário do Bolsa Família continuará responsável pela quitação do empréstimo ao banco.

A proposta já enfrenta críticas. “Não consigo entender de que forma um programa de transferência de renda possa ser uma porta para uma dívida”, diz Rogério Barbosa, sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Pesquisador do tema, Barbosa destaca que as famílias mais pobres são justamente aquelas que têm maior dificuldade em arcar com quaisquer tipos de empréstimos. “Ainda que o pagamento seja consignado (ou seja, já descontado pelo banco no valor do benefício), isso significa uma subtração substantiva de um valor que já é baixo.”

Barbosa alerta para o risco de o contemplado pelo programa ficar sem o benefício e ter de arcar com o empréstimo. Ele lembra que na história do programa Bolsa Família há casos de cancelamento massivo de beneficiários. Em 2017, ocorreu um desses episódios. Nos meses seguintes, houve uma concessão massiva de benefícios, mas que deixou de fora os excluídos. “Se isso acontece com empréstimo consignado, vai ter um problemão”, alerta. Segundo ele, os beneficiários que contraírem o empréstimo podem ser excluídos, inclusive, por erros administrativos. “Como é que eles vão arcar com a dívida remanescente?”, questiona.

O empréstimo consignado faz parte da estratégia do governo de dar uma porta de saída das pessoas do programa, uma “emancipação”. O argumento é que o empréstimo pode permitir ao beneficiário comprar produtos que lhe permitam empreender para garantir um sustento, por meio do microcrédito.

Pelo texto da MP, a ideia é que o Ministério da Cidadania promova concorrência na oferta do crédito consignado aos beneficiários, permitindo liberdade de escolha entre o maior número possível de bancos. Mas é a Caixa Econômica Federal que sai na frente nessa corrida porque abriu as contas digitais para a concessão do auxílio emergencial concedido durante a pandemia. Serão exigidas condições mínimas de programa de educação financeira dos beneficiários que quiserem contratar o crédito.

A MP diz que os benefícios serão pagos mensalmente por instituição financeira autorizada. Mas dispensa de licitação os bancos públicos, como Caixa, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia e Banco do Brasil. Os benefícios poderão ser pagos por meio de uma série de modalidades de contas, entre elas, a conta poupança social digital. Chama a atenção dos especialistas que a abertura da conta do tipo poupança social digital para os pagamentos dos benefícios poderá se dar de forma automática, em nome do responsável familiar inscrito no Cadastro Único. A MP garante que o banco que fizer a abertura de conta poupança social digital poderá usar essas informações para ações de inclusão financeira dos beneficiários do programa, entre elas o crédito consignado, “sem prejuízo das hipóteses de sigilo bancário”.

Vale-creche

Conforme o texto, o programa vai permitir o pagamento de mensalidade em creches privadas particulares, comunitárias, confessionais, beneficentes ou filantrópicas regularmente instituídas. O vale-creche (auxílio criança cidadã) será pago diretamente às creches, que não precisarão comprovar regularidade fiscal para aderir à iniciativa.

Somente se não existirem vagas em creches públicas ou privadas, o recurso será repassado diretamente à família. É para crianças de seis até 47 meses (quase quatro anos) de idade cujo responsável comprove ou obtenha emprego formal. Esse benefício estará condicionado à disponibilidade de orçamento. Constatadas irregularidades que ocasionem o recebimento indevido do vale-creche, a instituição de ensino deve fazer o ressarcimento de valores, mas a família responderá “subsidiariamente” pela ocorrência.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Adriana Fernandes

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Estadão Conteúdo

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