Empresas

Entrevista: Taurus mira em produtividade com 1 ano de produção no pente

Após atravessar uma reestruturação nos últimos anos, a Taurus Armas (TASA4) tem hoje uma carteira de pedidos de cerca de 2,5 milhões de armas, o que equivale a mais de 1 ano de produção, conta Salesio Nuhs, CEO da companhia que viveu seu melhor primeiro trimestre da história em 2021, com lucro líquido de R$ 68,1 milhões, revertendo o prejuízo de R$ 157,1 milhões apurado no mesmo período em 2020.

A Taurus Armas, que atua nos Estados Unidos há 40 anos e, em 2019, mudou sua fábrica norte-americana da Flórida para a Geórgia, prevê produzir 800 mil armas por ano naquele país, pronta para ampliar a produção. “Essa mudança [da Flórida para Geórgia] nos possibilitou duplicar a capacidade de produção, ainda não estamos usando 100% da capacidade, mas o ‘ramp-up’ de produção está em pleno vapor”, disse Nuhs em entrevista ao Mercado News.

Já no Brasil, a empresa está construindo um galpão de 12 mil metros quadrados que vai hospedar os seus 6 maiores fornecedores e que deve estar funcionando 100% a partir de janeiro, de acordo com o executivo. “Hoje estou gerando emprego e renda nos EUA e exportando para o Brasil nesses quesitos de lançamentos porque se não eu não consigo ser ágil”, afirmou o CEO sobre os desafios tributários e regulatórios que a empresa enfrenta no País.

O foco para 2021 está em produtividade: “Onde a empresa vai ganhar em resultados? Aumento de capacidade porque a gente não tem problema de venda”, declarou Nuhs.

A seguir, leia a entrevista completa:

Conte aos nossos leitores um pouco sobre a trajetória da Taurus Armas.

A Taurus é uma empresa com 81 anos de história, sediada em São Leopoldo, Rio Grande do Sul. Tínhamos, no passado, 3 unidades fabricando armas de fogo e centralizamos isso em uma única operação em São Leopoldo. Isso fez com que a gente tivesse um controle maior da gestão: reduzir os custos e implementar nessa fábrica processos de produção muito rígidos, o que nos deu uma estabilidade de produção muito grande, controle de qualidade e, em especial, um aumento de produtividade. Isso alicerçou todos os nossos números em termos de resultados financeiros da companhia desde 2018, quando a gente assumiu a presidência.

A Taurus exporta para mais de 100 países. Temos também uma fábrica nos Estados Unidos há 40 anos, que é o maior mercado do nosso segmento no mundo, então a companhia sempre teve uma visão de futuro e internacionalização muito grande. Recentemente, em 2019, nós transferimos a fábrica da Flórida para a Geórgia, a convite do governo da Geórgia por um valor de, aproximadamente, US$ 42 milhões entre investimentos na unidade fabril, a construção da fábrica e em benefícios fiscais.

Começamos a produzir na Geórgia a partir de janeiro de 2020, e essa mudança nos possibilitou duplicar a capacidade de produção. Ainda não estamos usando 100% da capacidade, mas o ‘ramp-up’ [aumento] de produção está em pleno vapor, e isso também nos deu condições de alavancar os nossos números, produzindo mais. A Taurus tem um reconhecimento internacional muito grande, somos a quarta marca mais vendida nos Estados Unidos, e quando a gente fala de importação, a Taurus é a primeira opção dos norte-americanos. O Brasil hoje é o maior exportador de armas leves para os Estados Unidos.

Uma característica que diferencia a Taurus dos concorrentes é que não somos uma fábrica de pistolas nem uma fábrica de revólveres, somos uma fábrica de armas. Produzimos várias plataformas de revólveres, vários calibres e somos o maior fabricante de revólveres do mundo. Fabricamos também armas práticas (para forças armadas e forças policiais) e armas longas para esporte do tiro e da caça no mundo inteiro.

Quais são os principais desafios operacionais para uma empresa do setor de fabricação de armas de fogo e capacetes?

O capacete é uma operação rentável, muito boa, e é um ativo que está disponível para venda. A gente está se desfazendo de tudo isso que não é o nosso ‘core’ [operação principal], para fortalecer a companhia do jeito que a gente tem o pensamento estratégico. O capacete não é estratégico, é uma parte pequena do nosso negócio e só não foi vendido por conta da pandemia. O mercado se encolheu bastante e a gente não vai se desfazer de um ativo a não ser que seja por um preço de mercado.

No negócio armas que realmente faz parte do nosso ‘core’, o nosso maior desafio é a questão tributária e regulatória. Aqui no Brasil a questão tributária é muito alta, aproximadamente, mais de 70% de impostos, e a questão regulatória, além de ser muito complexa, para lançar um produto eu preciso homologar em um centro de homologações. O processo hoje demora, se não tiver nenhum produto na fila, 2 anos. Como eu tenho 380 produtos na fila, hoje demoraria 40 anos.

Fizemos um lançamento agora no dia 19 de maio do mais novo produto da companhia [a pistola microcompacta GX4], em uma nova faixa de produtos – isso também faz parte da estratégia, lançar produtos que a gente ainda não atua. E, para lançá-la no Brasil simultaneamente com os EUA, eu tive que produzi-la nos EUA e exportar para o Brasil, porque aí não passa por nenhum órgão regulador. Qualquer outro fabricante do mundo, seja ele um fabricante que tenha 100 anos ou 100 dias, não passa em nenhum órgão regulatório, então isso dificulta a companhia de fazer investimentos no próprio País. Hoje estou gerando emprego e renda nos EUA e exportando para o Brasil nesses quesitos de lançamentos porque se não eu não consigo ser ágil.

Outra questão que nos preocupa bastante, também ligada a essa questão regulatória, é a insegurança jurídica. No Brasil, em especial, essa instabilidade jurídica é muito grande. Os decretos do presidente são liberados, aí o Supremo [Tribunal Federal] suspende e o Congresso discute. Isso é um desafio bastante grande. Já falando nesse assunto, a gente tem um setor de inteligência que acompanha todos esses movimentos e a gente vai se adequando até mesmo antes do acontecido. E nos EUA a gente também tem a mesma coisa: um centro de inteligência. Tanto que a gente acompanhou essa mudança de governo agora.

Desde que o Biden se candidatou, a primeira coisa que nós fizemos foi analisar o plano de governo dele, porque os democratas nos EUA pregam essas restrições ao uso de armas de fogo. Então a gente identificou, por exemplo, que no plano de governo do Biden não tinha nenhuma ação que ele iria implementar caso ganhasse que atingisse o portfólio de produtos da Taurus. Pelo contrário, todas as ações que ele colocou no programa dele são para armas que nós não produzimos, e a gente já passou a desenvolver produtos que pudessem ser opções àqueles consumidores que não poderiam mais adquirir aquele produto X.

Houve um aumento de produção nos EUA no primeiro trimestre. Qual a projeção para a demanda do mercado externo?

Nós temos hoje pedidos que somam, aproximadamente, 2,5 milhões de armas. Isso é mais que a produção de 1 ano da companhia hoje. Trabalhamos em aumento de produção bastante alinhado aqui e nos EUA. No Brasil, a gente vai crescer menos em termos de aumento de capacidade porque a gente está construindo um galpão de 12 mil metros quadrados que vai hospedar os 6 maiores fornecedores da Taurus, para que a gente tenha aqui dentro o nosso fornecedor e isso vai aumentar agilidade e melhorar a qualidade e a logística. Isso eu devo entregar a partir de setembro – começam esses fornecedores a mudar para cá – e vou estar efetivamente operando 100% a partir de janeiro. Então esse ano a gente vai ganhar mais em produtividade, eu ganho mais produção do que aumento de capacidade, aqui no Brasil.

Nos EUA, é o contrário: a gente inaugurou uma loja em 2019, e agora 2020 a gente bate o recorde de produção porque nós estamos efetivamente cumprindo aquele ramp-up. A fábrica, quando a gente foi para a Geórgia, falei que a gente ia duplicar a nossa capacidade de produção, ainda não tenho ela duplicada, devo estar com mais ou menos 60% dessa capacidade. Este ano, nos EUA, eu vou chegar a 800 mil armas por ano, que é a capacidade atual. E como é uma construção nova a gente tem a possibilidade de ampliar tão logo a gente haja necessidade. Então temos uma carteira de pedidos grande, mais de 1 ano de produção, e temos condições de aumentar nossa produção e estamos aumentando como foi observado nos resultados do primeiro trimestre: foi um aumento de produção de quase 3 vezes.

Eu não tenho o melhor ticket médio nos EUA porque é o maior mercado do mundo. Não adianta eu ficar vendo ticket médio nos outros países porque a venda nos EUA é mais de 70% de qualquer empresa no mundo. Significa que com esses lançamentos [de produtos] que estamos fazendo, a gente tem como crescer muito ticket médio com o mesmo custo. Quanto mais eu aumento a produção, eu vou encher a fábrica nos EUA, a capacidade, melhorando produtividade. Ou seja, cada vez mais eu vou entregar resultados melhores por conta desse processo todo que criamos aqui. Quando falei que a GX4 hoje é uma arma que foi lançada em um nicho de mercado que eu não atuava, significa o seguinte: eu não vou tirar mercado meu, vou tirar mercado dos meus concorrentes. E é uma faixa de mercado de um produto com o maior valor agregado, produzido em um custo similar aos outros de menor valor. Então eu sempre vou agregar valor aos resultados da companhia.

Analistas costumam destacar o turnaround da Taurus nos últimos anos. Em que estágio a empresa está neste processo? O que vem a seguir?

A Taurus passou realmente por um processo de turnaround. Eu costumo dizer que é mais do que isso: fizemos uma transformação nessa companhia. A gente mudou todos os processos de produção, temos um modelo de gestão que eu implemento aqui, por projeto e por processo.

Tudo que não está no meu orçamento deste ano, que não é de meu conhecimento, eu tenho que fazer um projeto. Este projeto tem um sponsor que normalmente é um diretor, um executivo da companhia, um gerente de projeto e uma equipe de projeto. Tão logo um projeto seja implantado, ele obrigatoriamente tem que ter processos definidos.

Foram estabelecidos rígidos processos de produção e administrativos, para que a gente tivesse primeiro uma eficiência grande e acabasse com a instabilidade de produção. Eu ganho isso com logística de entrega. E entrego nesses processos a certificação de um produto íntegro. E por último, a produtividade e custo, ou seja, melhor preço. Tudo que nós fizemos nessa companhia foi alicerçado em cima deste tripé: qualidade do produto, custo e estabilidade, logística e entrega. Isso alicerçou todos esses recordes de resultados financeiros que a companhia tem apresentado. Se você pegar todos os meus relatórios desde janeiro de 2018 eu falo de recorde sempre porque a gente tem um processo muito controlado e essa companhia é focada em resultado.

A gente tem um pensamento estratégico a longo prazo e a gente segue ele rigorosamente. Em hipótese alguma esse planejamento é postergado. Esse processo é tão radical e tão seguro que faz com que a gente entregue números cada trimestre melhores. Tudo que for mudado aqui é coisa nova que vai entrar como projeto e que aprovado e implantado viram processos seguros e robustos. Onde a empresa vai ganhar em resultados? Aumento de capacidade porque a gente não tem problema de venda.

Eu tenho que focar em aumento de produção e produtividade, qualidade assegurada, haja visto o lançamento que fizemos agora da GX4 que foi sucesso absoluto aqui e nos EUA. Então o que a gente tem que esperar para o futuro é repetir esses resultados sempre surpreendendo os nossos investidores e acionistas.

Alguma novidade a partir do memorando de entendimentos com a Imbel?

O que a gente já tem de efetivo é a questão de um tratamento em um cano de um fuzil que nós estamos exportando naquele contrato grande que nós ganhamos nas forças armadas das Filipinas, uma tecnologia que a Imbel tinha. A Imbel é uma indústria militar, de material bélico do exército brasileiro.

A gente tem uma cooperação de prestação de serviços nessa linha de tratamentos superficiais nas armas. Estamos pensando também nessa questão de distribuição, como a Taurus tem uma posição grande no mercado mundial, estamos elaborando uma possibilidade de distribuir as armas da Imbel junto nesse nosso modelo de distribuição mundial, e no futuro quem sabe a gente possa juntos tratar de agilizar essa questão da regulamentação da questão de homologação aqui no Brasil. A gente contratou um órgão certificador de produtos particular, e estou fazendo laboratórios para atender esse novo modelo para que a gente possa privatizar essa questão de homologação e agilizar a empresa. Isso a gente também pode fazer uma cooperação com a Imbel, pensando nas possibilidades que a gente colocou no memorando de intenções.

Como que o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro em relação ao porte de armas para civis tem afetado o mercado de armas de fogo?

O presidente, com as ações que ele já fez, que foi aumentar a quantidade de calibres para o civil brasileiro, para os caçadores, atiradores, evidentemente, aqueceu bastante o mercado brasileiro. Em termos financeiros, econômicos, o mercado brasileiro é muito pequeno para a companhia, então qualquer instabilidade seja positiva ou negativa no mercado não afeta, significativamente, os nossos resultados porque o maior mercado do mundo de armas e munições é o mercado norte-americano.

Na hipótese remota, quase impossível de a gente ter restrições aqui no Brasil, eu vou continuar operando 100%, vou exportar. As margens do mercado interno e das exportações são iguais. Normalmente as empresas têm uma margem menor quando exportam do que quando vendem no mercado nacional. Minha margem é a mesma, então isso não me preocupa.

Agora, do ponto de vista do cidadão, qualquer restrição é uma aberração e um afronto à democracia. Lembra que em 2005 houve um referendo popular e o brasileiro escolheu ter direito à legítima defesa e acesso às armas de fogo. A nossa preocupação é muito maior com relação à quebra desse direito do cidadão do que com a abertura. O que deixa a gente feliz e que frustrava a gente no passado é que eu tenho um portfólio completo de produtos e vendia no Brasil uma fração muito pequena desse negócio, hoje não. E por outro lado o cliente brasileiro também era frustrado porque não podia comprar da indústria nacional o que ela vendia lá fora. Então isso foi fantástico, ajudou muito essa questão não só para a Taurus como para os nossos clientes. Do ponto de vista do cliente, do mercado brasileiro, é ótimo essas ações que realmente fizeram valer o resultado do referendo.

O senhor vê demanda crescente por armas no Brasil ao longo do tempo?

Sem dúvida, existe uma cultura no Brasil, principalmente mais na região Sul dessa questão que veio da Europa. No Brasil é permitido hoje o abate do javali, é muito comum e cada vez aumenta mais essa praga, uma espécie invasora que cria um desequilíbrio na fauna e está regulamentada. Então essa questão do uso de armas no Brasil é cultural.

Siga o Mercado News no Twitter e no Facebook e assine nossa newsletter para receber notícias diariamente clicando aqui.

Ana Macedo

Recent Posts

Latam amplia em 12% voos no Brasil em 2025, com quatro novas rotas domésticas

A Latam vai operar 348 voos domésticos por dia no Brasil em 2025, 12% a…

5 horas ago

ANP aprova acordo de cooperação com Serpro no âmbito do RenovaBio

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou um acordo de cooperação…

5 horas ago

Correção: Lula faz evento para tornar oficial programa de repactuações de rodovias

A matéria publicada anteriormente continha uma incorreção sobre a nome da concessionária do trecho da…

7 horas ago

Brasil vive momento histórico sobre concessões, com melhor entendimento público, diz Lula

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que o País vive um…

9 horas ago

Renan Filho: governo analisa 4 repactuações de rodovias, encaminhou 8 para o TCU e reprovou 2

O ministro dos Transportes, Renan Filho, apresentou o balanço dos trabalhos que compõem o "Programa…

10 horas ago

Claro lança oferta de celular para fisgar público que ainda não aderiu ao 5G

A Claro fechou parceria com a Motorola para lançar uma oferta de celular 5G com…

10 horas ago