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Em meio à falta de vacinas contra a Covid-19, o número de brasileiros que estão com a segunda dose do imunizante atrasada triplicou em um mês e já chega a 5 milhões, segundo levantamento feito pelo Estadão na base de dados de vacinados do Ministério da Saúde, disponível no site Open Datasus.
No dia 13 de abril, o órgão federal informou que cerca de 1,5 milhão de pessoas não haviam retornado no prazo para tomar a dose de reforço. Os dados levantados incluem qualquer caso de segunda dose fora do prazo: tanto pessoas prejudicadas pela falta do imunizante, que passou a ocorrer, quanto aquelas que não retornaram por razões pessoais (esquecimento, desistência etc). São 4.519.973 pessoas com a segunda dose da Coronavac atrasada e outras 532.737 com o imunizante da AstraZeneca/Oxford fora do prazo. A primeira tem intervalo máximo recomendado de 28 dias entre as duas doses. No caso da segunda, o período recomendado é de 12 semanas, mas a maioria das unidades de saúde tem agendado a segunda aplicação para depois de 90 dias – prazo considerado na análise.
O levantamento do Estadão inclui dados preenchidos até 14 de maio, mas considerou para o cálculo de doses atrasadas apenas aqueles registros de pessoas que deveriam ter recebido a injeção até o dia 8. Isso porque o tempo médio entre a aplicação e a notificação no sistema l é de seis dias. A reportagem excluiu ainda os registros em que um mesmo paciente aparece com três doses ou mais, o que pode caracterizar falha no preenchimento ou fraude.
A análise mostra um número expressivo de pessoas com a segunda dose atrasada há semanas. Entre os 4,5 milhões com a Coronavac atrasada, 1,7 milhão já espera a segunda aplicação há mais de 20 dias além do prazo máximo previsto em bula. Destes, há 379,2 mil pessoas que estão com a dose de reforço atrasada há mais de dois meses.
Embora o Ministério da Saúde e especialistas afirmem que um atraso de poucos dias entre as doses não deva comprometer a eficácia do imunizante, não há estudos ainda que confirmem qual seria o atraso máximo tolerável. A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai, diz que, além do risco de queda na eficácia e de “perda” de uma dose no caso de necessidade de reiniciar a vacinação, o atraso da segunda dose também preocupa porque deixa a população que já tem direito ao imunizante desprotegida por mais tempo. “A vacina só vai atingir a eficácia desejada após a segunda dose. Enquanto isso, a pessoa fica por mais tempo suscetível à infecção”, diz.
A especialista diz que isso é especialmente preocupante no caso da Coronavac, que tem uma eficácia menor com apenas uma dose. Os estudos clínicos demonstraram que a taxa de proteção 28 dias após a primeira aplicação é menor que 50%, mas chega a 62,3% duas semanas após a aplicação da segunda dose, se o intervalo entre as duas injeções for de 21 a 28 dias. Já a vacina de Oxford/AstraZeneca confere proteção de 76% depois de 22 dias da primeira dose. O nível de anticorpos, no entanto, começa a cair após 90 dias, por isso o reforço.
Orientação federal
O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glademir Aroldi, afirma que o principal motivo do alto número de segundas doses em atraso é a falta de imunizantes. “Em março veio uma orientação do Ministério da Saúde para que as prefeituras usassem todas as doses enviadas. Isso prejudicou muito”, diz ele.
De fato, o ministério orientou, na ocasião, os gestores municipais a acelerar a campanha, sem considerar que o cronograma de entrega da Coronavac poderia sofrer atrasos. Na segunda quinzena de abril, foi justamente o que aconteceu. Prejudicado pela demora no envio do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da China, o Instituto Butantan, produtor da Coronavac no Brasil, não entregou cerca de 4 milhões de doses. A entrega só foi feita na primeira quinzena de maio, mas, segundo a CNM, não foi suficiente para atender todos que esperavam.
Pesquisa feita pela confederação com dados de 2.972 municípios e divulgada na quinta-feira mostra que ao menos 1.140 cidades relataram ainda sofrer falta de vacina para a aplicação da segunda dose. A maioria (1.140) relata escassez da Coronavac, mas há também 90 prefeituras que responderam estar desabastecidas do imunizante de Oxford/AstraZeneca. Aroldi diz ainda que a falta de uma campanha de comunicação liderada pelo ministério tem dificultado a orientação da população sobre as datas e a importância da segunda dose. “Cada cidade está fazendo de um jeito. Algumas agendam, outras só informam a data em um cartãozinho.”
Ele cita até casos de pessoas que não voltam à unidade de saúde para a segunda dose com medo de efeitos colaterais, principalmente depois de relatos de que o imunizante da Oxford/AstraZeneca pode causar coágulos. O evento adverso, no entanto, é raríssimo e não levou à contraindicação do produto. O uso da vacina só está suspenso para gestantes e puérperas.
Exemplos
Pelo País, multiplicam-se os relatos de pessoas, sobretudo idosos, com a segunda dose atrasada. A servidora pública Lilian Rigo, de 42 anos, conta que a mãe, de 67, espera desde o dia 6 de maio pela segunda dose na cidade de Dores do Rio Preto, no interior do Espírito Santo. “Minha tia morreu há 15 dias de covid e fico com medo pela minha mãe. Fico muito ansiosa de saber que ela poderia já estar protegida e não está por uma desorganização do governo”, diz.
A universitária Letícia Emanuelly, de 19 anos, conta que o avô, de 66 anos, esperou ainda mais tempo. Morador do interior do Rio Grande do Sul, ele deveria ter recebido a segunda dose da Coronavac no dia 28 de abril, mas não encontrou a dose nos postos da sua cidade. O idoso foi finalmente vacinado nesta segunda-feira, 19 dias depois do prazo previsto. Ele trabalha como vendedor autônomo e tem enfrentado dificuldades para pagar as contas depois de tanto tempo de isolamento.
Governo
O Ministério da Saúde orienta os que estão com a dose atrasada a tomarem o imunizante assim que ele estiver disponível, mesmo que em atraso. Questionado sobre o aumento de pessoas com esquema vacinal incompleto, o ministério afirmou apenas que a orientação é que Estados e municípios “sigam à risca o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a covid-19”, incluindo os informes técnicos que acompanham cada lote e definem públicos imunizáveis.
O órgão disse ainda que enviou aos Estados, na semana retrasada, 4,8 milhões de doses de vacinas para atender exclusivamente à segunda etapa de vacinação. Na semana passada, disse o ministério, foram enviadas mais 3,6 milhões de doses para completar o ciclo vacinal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Fabiana Cambricoli
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