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Entrevista: Valor patrimonial dos FIIs pode subir com reajuste pela inflação, diz especialista da JLL

Muitos fundos imobiliários estão com o valor de mercado defasado em relação ao valor patrimonial (Foto: Freepik)

A próxima rodada de avaliação dos fundos imobiliários (FIIs) deve levar em conta a alta da inflação e, assim, revelar a defasagem entre o valor patrimonial e o valor de mercado de diversos fundos, afirma Thiago Duarte, do time de capital markets da JLL, companhia especializada em serviços imobiliários e gestão de investimentos, em entrevista ao Mercado News.

De acordo com Duarte, a inflação no setor de construção civil foi muito forte, fazendo com que o mercado não consiga repor hoje os ativos presentes nos fundos imobiliários com o valor de mercado pelos quais estes estão sendo negociados. “Continuando essa inflação, na próxima rodada de avaliação […] pode haver um reajuste do valor patrimonial para cima, deixando o preço de mercado ainda mais defasado em relação ao valor patrimonial”, aponta o analista.

Questionado sobre as melhores oportunidades no mercado, Duarte aponta para o fato de que os investidores penalizaram os FIIs além do que se observou em termos de aumento de vacância. Neste cenário, recomenda uma “busca ativa” por parte do investidor, visando adquirir cotas de fundos com imóveis em regiões consolidadas e que tenham um histórico de boa rentabilidade, mas que hoje estão sendo negociados a um valor mais baixo.

Dentre os setores mais penalizados pela pandemia, o analista chama a atenção para os FIIs de lajes corporativas, que sofreram uma desvalorização acima do aumento da taxa de vacância e ainda não se recuperaram totalmente, observando que a precificação atual pode “dar uma pista para o investidor”.

A seguir, leia a entrevista com Thiago Duarte, da JLL:

Qual a sua perspectiva para o mercado de fundos imobiliários em 2021 e qual a importância da reabertura da economia para esses ativos?

Com a pandemia, vimos uma mudança no comportamento da sociedade e novas diretrizes com relação ao fluxo de capitais, como banco central emitindo moeda, cortes na taxa de juros, entre outros mecanismos de atuação dos BCs mundo afora. Com isso, mudou também o comportamento dos investidores. 

Ao fim de 2019, quando outros países já vinham trazendo seus juros até níveis negativos, o que facilitou a baixa dos juros aqui no Brasil, vimos o investidor pagando prêmio para estar em muitos fundos imobiliários, valores substancialmente superiores ao valor patrimonial desses fundos. Mesmo os fundos logísticos, que sempre foram consistentes, mas não eram essas “estrelas” que eles se tornaram. Então a partir do momento em que o coronavírus se mostrou uma ameaça, quando observamos diversos ativos caindo de preço, os fundos logísticos caíram junto, porque caiu tudo, basicamente: Bitcoin, ouro, fundos de shopping, enfim, quase todos os ativos de investimento. E só depois da queda o mercado foi pensar. Portanto, os ativos que se recuperaram primeiro dentre os fundos imobiliários foram os fundos logísticos, especialmente por conta do e-commerce, com as pessoas comprando tudo on-line, com esses fundos se mostrando bastante resilientes, e voltando numa velocidade muito rápida, enquanto fundos de shoppings e escritórios ficavam para trás, com muitos ainda não tendo se recuperado totalmente.

Agora estamos em um momento em que vemos a vacina num horizonte curto de tempo, razoavelmente próximo, mas ainda restam incertezas. Mesmo com a vacinação, veio a segunda onda da pandemia e agora temos fundos de shoppings e escritórios apresentando mais volatilidade, enquanto os fundos de logística se mostraram muito resilientes. Por isso, o investidor já paga prêmio para estar em fundos de logística, mas não em shoppings ou lajes comerciais. Então analisando países com a vacinação mais avançada ou baixa taxa de contaminação, vemos que esses ativos devem recuperar o valor de mercado. 

Além disso, a inflação foi muito forte na construção civil, existindo hoje fundos oferecidos por um valor com o qual você não consegue repor os ativos ali presentes, não consegue construir imóveis semelhantes pelo valor com o qual se comercializa hoje. Essas avaliações são mais lentas, e o fundo contrata periodicamente avaliadores para fazer esse tipo de análise. Continuando essa inflação, que vem até contaminando outros setores da economia, na próxima rodada de avaliação, que vai levar em conta a precificação dos ativos, pode ter um reajuste do valor patrimonial para cima, deixando o preço de mercado ainda mais defasado em relação ao valor patrimonial. 

A alta da inflação no setor pode gerar um desinteresse na construção de novos ativos?

Dentre esses 3 tipos de fundos dos quais estamos falando, shoppings, logística e lajes corporativas, existe uma diferença grande na reposição de produtos em cada um. 

Em logística é muito mais rápido, você consegue entregar um imóvel logístico em pouco tempo, já shoppings e fundos corporativos têm ciclos mais longos, então depende da perspectiva econômica de longo prazo, visão de mercado do investidor, dentre outras coisas. 

Em meados de 2015, passando por um momento de recessão, nosso relógio imobiliário estava marcando as 6h00, que é o momento em que os preços caem e a vacância está em um ponto mais elevado. Isso coincidiu com um momento de entrega de novos empreendimentos, passado esse ciclo de expansão econômica até 2012, quando os investidores começaram a construir projetos para entrega. Então houve uma grande entrega de novos ativos junto de uma desaceleração da atividade econômica, e isso pressionou a queda dos preços e aumentou a taxa de vacância, se tratando de mercado de alto padrão. 

Nos últimos anos, vínhamos em um ritmo muito menos acelerado do que ocorreu até 2012. Passamos 2017, 2018 e 2019 com novas entregas, mas a um ritmo bem mais fraco, e nosso pipe de entregas no futuro também é pequeno. Então se tivéssemos um horizonte de crescimento, provavelmente faltariam espaços de alto padrão. Como temos essa nova trajetória do PIB, de queda, em que precisamos de uma trajetória de recuperação acelerada para retomar o crescimento, a perspectiva muda. Não sabemos se faltarão espaços, e isso altera a perspectiva de entregas de novos empreendimentos. 

Outra coisa importante é que os fundos imobiliários são veículos de longo prazo, ou sem data para terminar, diferentemente de um investimento em que você entra com uma data de saída. Esse amadurecimento da indústria e dos fundos é positivo, pois estabelece essa visão de longo prazo, e mesmo que você não entre no mercado no melhor momento, isso se corrige no decorrer do tempo. Esse horizonte de longo prazo permite ao investidor tomar mais riscos. 

A alta da Selic pode ter algum impacto no setor de fundos imobiliários?

A Selic é uma taxa referencial de curto prazo, e que teve alta de 0,75 ponto percentual, indo a 2,75% ao ano. Os fundos imobiliários precificam ativos pela curva longa, e analisando a curva longa nós entendemos que a alta dos juros já está precificada. Essa curva longa está muito mais relacionada ao ‘custo-País’ e à percepção do investidor sobre o País de forma geral, e essa é a premissa para desconto do fluxo de pagamento futuro do fundo imobiliário, que basicamente gera receita todos os meses. Quando você pega essa receita ao longo de 30 anos e traz uma taxa de desconto, você precifica hoje a cota do fundo imobiliário. Tendo um aumento da taxa de juros de longo prazo, você tem essa oscilação no preço da cota do fundo, levando em consideração essa renda futura dos aluguéis que serão pagos. 

Quando falamos sobre taxa de longo prazo, temos esse componente da taxa básica (Selic), que é onde se inicia a curva, e muitos componentes que se relacionam à percepção de risco do País. Vimos esse aumento da taxa Selic e já notamos uma diminuição pequena da taxa longa, que em seguida voltou a subir, ou seja, ela se mostra muito sensível à visão de risco-País, mais sensível até do que à política monetária. 

Além disso, é preciso analisar o risco de cada setor dentro dos fundos imobiliários. Quando falamos, por exemplo, de como os fundos de logística foram mais resilientes, isso se dá pelo fato de o mercado ter compreendido que a taxa de risco desse setor é muito baixa, ao contrário do setor de shoppings.

A alta dos juros e a possibilidade de escassez de crédito interferem no mercado de fundos imobiliários residenciais? 

Os fundos residenciais, que vêm surgindo e se tornando cada vez mais fortes, buscam investir para explorar a renda do imóvel com o aluguel, então sofrem um impacto muito similar ao dos demais ativos. 

Existem também os fundos de desenvolvimento, que aí sim podem ser mais impactados pela alta dos juros, que diminui o apetite e a possibilidade do comprador de adquirir o imóvel. Mas isso também está muito ligado à taxa de longo prazo, já que mesmo com a Selic em 2%, os financiamentos estão sendo negociados na casa de 6,99% ao ano. 

Na sua visão, onde o mercado de FIIs pode apresentar os melhores resultados em 2021? E onde estão os maiores riscos?

O mercado como um todo segue dependendo da vacina e de possíveis mutações do vírus, então enxergo que onde está a maior possibilidade de retorno é onde também está o maior risco, que são os shopping centers e ativos corporativos.

Isso não significa que esses setores darão o maior retorno, pois você pode buscar imóveis em regiões mais consolidadas e resilientes que não estão, necessariamente, subprecificados, ao contrário das regiões ‘alternativas’. Então cabe uma busca ativa do investidor para que ele compre fundos com imóveis em regiões mais resilientes contra o momento atual. É preciso fazer um ‘stock picking’ (escolha de ativos) para garantir que o investimento terá maior potencial de retorno, buscando ativos que historicamente performaram bem e que hoje estão descontados. 

Qual setor apresenta hoje a melhor relação entre risco e retorno?

Essa não é uma pergunta fácil. Colocando em perspectiva de vacância, se observou um acréscimo de 1,6 ponto percentual na vacância entre o início de 2020 e o fim de 2020. O mercado penalizou os fundos imobiliários muito além dessa vacância, já que o impacto no espaço físico foi muito inferior ao precificado pelo mercado. Possivelmente há aí um ‘gap’ que pode trazer uma pista para o investidor. 

Em 2020, tivemos muitas empresas que seguraram mudanças de escritório, e esse impacto teria sido menor caso essas empresas tivessem, de fato, se mudado ou alugado novos escritórios. Então o impacto nesse setor provavelmente foi menor do que o que foi precificado. Essa precificação acima do aumento da vacância em fundos corporativos pode dar uma pista para o investidor, nessa questão de expectativa versus realizado. 

O mercado mudou muito, e é muito bom ver a indústria de fundos imobiliários se tornando uma opção para o investidor, que cresceu em 2019 e 2020, que foi um ano muito difícil, e deve crescer ainda em 2021. Ainda temos um caminho muito longo a traçar, especialmente se comparado ao setor de fundos imobiliários nos EUA, mas é muito bom ver outros tipos de ativos entrando em circulação, como ativos agrícolas, ativos residenciais, e essa indústria se tornando uma fonte de renda para o investidor.

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