Nos últimos seis anos, quando uma recessão doméstica prolongada e uma crise sanitária internacional cortaram um terço da produção de veículos no Brasil, as multinacionais do setor injetaram US$ 69 bilhões – o equivalente hoje a mais de R$ 367 bilhões – nas subsidiárias brasileiras. Daquele total, pouco mais da metade (US$ 36,9 bilhões) já foi devolvida em remessas de lucro e pagamento da dívida com os controladores.
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Os aportes, registrados nas estatísticas de contas externas do Banco Central, asseguraram nesses anos a expansão das linhas de montagem e também ajudaram a cobrir os alegados prejuízos com a operação no País. Na avaliação de economistas e consultores, a decisão primeiro da Mercedes-Benz e, agora, da Ford de encerrar sua produção no País pode ser um sinal de que esse socorro das matrizes deve perder força daqui para frente e levar a um ciclo de enxugamento de capacidade – numa indústria que fechou o ano passado produzindo aproximadamente três milhões de veículos a menos do que o seu potencial.
“O setor está passando por uma transformação grande, mas as dificuldades no Brasil levaram a necessidades de recursos (dos controladores no exterior). Chega uma hora que as empresas desistem do Brasil”, comenta o economista Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper. “A tendência é de fechamento e ajustes de linhas porque capacidade aberta custa dinheiro”, complementa Flavio Padovan, sócio da consultoria MRD Consulting.
Entre as décadas de 1990 e 2000, Padovan ocupou cargos de diretoria na própria Ford e, a partir de 2013, com a indústria regulada por um regime automotivo que fechou portas a carros importados (o Inovar-Auto), comandou a instalação da fábrica da britânica Jaguar Land Rover no sul do Rio de Janeiro.
“Naquela época, todos se preparavam para uma demanda que chegaria a 5 milhões de veículos e o Inovar mesmo causou uma situação em que ou você tinha fábrica ou estava fora. Era o país do futuro brilhante do pré-sal, que viraria uma grande potência mundial. Ninguém previa a catástrofe que aconteceu depois disso”, lembra ele.
Subsídios
Na avaliação de Lisboa, as dificuldades da indústria automotiva derivam de políticas industriais de estímulo à produção nacional que resultaram em negócios de baixa escala e viáveis apenas à base de subsídios.
Dados do Ministério da Economia apontam que os incentivos tributários para os fabricantes de automóveis atingiram R$ 43,7 bilhões entre 2010 e 2020. Até 2017, os incentivos contabilizados -R$ 25,24 bilhões – correspondem à base efetiva apurada. Nos três anos seguintes (2018, 2019 e 2020), os dados são projeções.
Além dos incentivos dos tributos federais, as empresas contam com benefícios dados pelos Estados, que não entraram na conta do Ministério da Economia.
A equipe econômica diz que está em busca de uma solução para os funcionários que devem perder seus empregos com a decisão da Ford (mais informações nesta página) – a montadora fala em impacto para até 5 mil empregos aqui e na Argentina, para onde será transferida a produção antes concentrada no Brasil.
O anúncio da montadora colocou o tema dos subsídios na berlinda. Anteontem, o presidente Jair Bolsonaro afirmou a apoiadores que a Ford não disse o que, na sua opinião, seria o real motivo para a montadora fechar suas fábricas no Brasil. “Mas o que a Ford quer? Faltou à Ford dizer a verdade: querem subsídios. Vocês querem que continuemos dando R$ 20 bilhões para eles como fizemos nos últimos anos, dinheiro de vocês, impostos de vocês, para fabricar carro aqui?”, questionou. Na sequência, ele próprio respondeu: “Não. Perdeu para a concorrência, lamento“.
Para a consultora Letícia Costa, sócia da Prada Assessoria, a Ford certamente considerou todos aspectos tanto econômicos quanto reputacionais antes de fazer o anúncio, e não tomaria uma resolução extrema apenas por falta de subsídios, como sugeriu Bolsonaro.
“Você pega uma empresa que quer ser rentável, num cenário em que a indústria tem de aumentar investimentos em carro autônomo e elétrico e um país que nos últimos anos andou de lado. Aí, você tem a pandemia como a pá de cal, mostrando que a recuperação completa do mercado vai demorar muito mais e, quando ela acontecer, a tecnologia vai ser outra, uma tecnologia em que o Brasil não está posicionado”, afirma ela.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Eduardo Laguna
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